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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5154 Data: 24 de
julho de 2015
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205ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-Tudo bem? - fiz a pergunta-saudação ao
entrar no táxi do ponto da Domingo de Magalhães.
-Tudo, meu amado.
Não era a primeira vez que ele me
tratava assim, mas estranhei; ou melhor, senti o choque cultural; muitos
nordestinos vão ao extremo: fúria fora de controle de um lado e afabilidade
excessiva, dengo de outro.
-Rua Modigliani. - informei.
-Eu sei.
Depois
de uma pequena pausa, em que percorreu uns 100 metros, puxou conversa.
-O amado tem visto o Pan no Canadá?
-Assisti até agora a algumas disputas.
-Viu, então, atletas brasileiros
fazendo continência no pódio.
-Tanto na televisão como nos jornais,
eu tenho visto.
-Não acha que isso soa como um pedido
aos militares para tomarem o poder?
-Não.
-Mas a roubalheira é muito grande; tem
de sair essa gente toda que está arrasando a gente. - manifestou-se.
-Esse gesto dos nossos atletas
significa um reconhecimento à ajuda que eles receberam das forças armadas para
participar e vencer nesse Pan-Americano em Toronto.
-É isso mesmo?
-Aqui, no Rio de Janeiro, os atletas
ficaram sem o Estádio Célio de Barros para treinar, também sem a pista de
atletismo do Engenhão. Então, o Exército e a Marinha cederam alojamentos,
espaço para eles treinarem. Há uma parceria entre os ministérios da Defesa e o
do Esporte.
-Por que não há verba? Porque roubam
tudo. - indignou-se.
-Quero ver como serão os Jogos
Olímpicos do ano que vem. - expressei o meu ceticismo na entonação da voz.
-O amado não pensa que só os militares
darão jeito nessa corrupção toda dos políticos?
-Quando o Marechal Castelo Branco
deixou o poder, ele disse que encontrara impasses, mas que deixava opções. De fato, os impasses eram muitos. No governo
Juscelino Kubitscheck, se criou, em três anos, uma cidade para ser Capital
Federal; nem os Estados Unidos aguentariam tantos gastos. Depois, veio o maluco
do Jânio Quadros que renunciou e o país ficou sem rumo; com o João Goulart,
degringolou de vez. O presidente Castelo Branco começou a pôr o Brasil nos
trilhos, criou o Banco Central, o BNH, o FGTS, outorgou a Constituição de 1967,
que, apesar de dar muito poder ao executivo, era boa naquele contexto.
-Então, o que estão esperando agora. -
animou-se.
-Como disse o General Leônidas Pires
Gonçalves, aquele que o Tancredo Neves escolheu para ser o ministro do Exército
na transição da ditadura para a democracia...
-O que ele disse? - não conteve a
curiosidade.
-Ele disse que a miserável condição
humana faz com que as pessoas queiram o poder. Castelo Branco quis entregar o
governo a um civil, não pôde, No ano seguinte, 1968, baixaram o AI 5, que
decretou a ditadura sem disfarces. Antes, Castelo Branco morreu num desastre
aeronáutico muito suspeito.
-Mas como está, não pode ficar.
-O Joaquim Barbosa e o Sérgio Moro
mostram como se deve fazer. Faltam as punições exemplares. Vamos ver daqui para
frente.
-Chegamos, amado.
Obrigado.
O 017 é a antítese do “Meu Amado”:
grunhe uma saudação e, mesmo quando se mostra alegre, há vestígios de
irritabilidade na sua alegria.
-Como vai? - perguntei, enquanto me
entendia com o cinto de segurança do banco do carona.
-Bem. - respondeu com a voz quase
inaudível.
Mas ele gosta de falar.
-Você viu o tubarão que quase pegou um
surfista australiano numa dessas praias da África do Sul?
-Sim; ele escapou porque o tubarão
estava, na verdade, perseguindo um cardume.
Você viu o filme “Tubarão”?
-Depois de muitos anos eu, finalmente,
assisti a essa fita do Spielberg.
-Aquilo que era tubarão; abocanhava até
pedaço de barco. Se fosse um tubarão como aquele, engolia esse surfista com
prancha e tudo.
-O do filme era enorme, tinha, sei lá,
quinze metros; esse, do torneio de surf da África do Sul era filhote e de outra
espécie.
-Devia ser filhote mesmo, se não, esse
cara da Austrália seria comido vivo.
-Um especialista falou sobre esse caso,
na Rádio CBN; disse que ele não come mamífero, só peixe.
-Vai nessa. - expressou a sua
descrença.
-Eu só coloco o dedão do pé na água e
volto para a minha barraca na areia, isso se não passou, antes, um arrastão e
levou tudo.
-Quando eu era rapaz vivia na praia,
depois, quando meus pais se mudaram para a zona norte e eu tive de trabalhar,
acabou tudo. - disse ele com amargura.
-Eu estava brincando; não sei o que é
praia há décadas, com exceção de uma a que fui, numa horinha de lazer, em Angra
dos Reis. Não me arrisquei por causa dos tubarões e sim, pelos coliformes
fecais que eram quase visíveis.
-Você se lembra quando o Zagalo disse:
“Vocês tem de me engolir”?
-Claro; ele ficou vermelho como a
camisa do América, o primeiro clube da carreira dele. Pensei que fosse enfartar.
- respondi.
-Quero ver ele falar isso perto de um
tubarão. Se um tubarão engolir o Zagalo vai se sentir satisfeito.
Rindo com a própria piada, deixou-me na
Rua Modigliani.
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