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sexta-feira, 17 de julho de 2015

2895 - morte e vida


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5145                       Data:  13 de julho de 2015

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SABADOIDO

 

Depois de meses, encontro a frente da casa, onde se realiza o Sabadoido, sem tapumes. Tamparam os buracos da calçada e a revestiram, às pressas, com concreto, pois eram visíveis os remendos. Quando me aproximei do portão, vi inúmeros galhos da árvore, que antes se estendiam dos fios da rua ao telhado da casa. No meio deles, agora cortados, no chão, estava o Claudio com um facão que, ao me ver, poupou-me de gritar seu nome.

-Entre. Há três horas que estou podando isto.

-Está ensaiando para ir à Amazônia e contribuir na devastação da selva?

-Sim, para depois, quando liberarem o uso da maconha no Brasil, plantar. - disse-me entrando no espírito da brincadeira.

-Já entregaram o jornal e o Daniel está lá dentro.

Deixei-o na sua faina e rumei para a cozinha. Lá estava o Daniel, vestido com o moleton verde de dormir.

-Carlão, comemorou o primeiro aniversário da derrota do Brasil para a Alemanha na terça-feira?

-Você sabe, Daniel, que a Sport TV reprisou todo o jogo nesse dia?

-Assistiu a ele todo?

-Com o controle remoto na mão...

Desviei o fluxo da minha resposta para fazer uma observação:

-Você sabe que o controle remoto é tão importante que, num filme do Woody Allen, ele diz que mandava em casa, mas o controle remoto ficava com a mulher, ou seja, ela, de fato, é quem mandava.

-Carlão, você assistiu à reprise?

-Como eu dizia, eu zapeava pelos canais da televisão quando topei com o vídeo-tape. A partida já estava no final, mas deu para ver o Ozil perdendo o oitavo gol, para, no contra-ataque, o Oscar fazer o gol de honra.

-Carlão, num placar de 7 a 1, não existe gol de honra.

-Na crônica do Tostão desta semana, ele escreveu que a estratégia do Felipão era pressionar os alemães com uma linha de três atacantes, Bernard, Fred e Hulk, com o Oscar perto dos três e mais o apoio dos laterais, ficando o Luís Gustavo mais atrás para fazer a cobertura. Assim, assinalou o Tostão, o Fernandinho ficou entre três alemães, porque o Felipão, com a sua empáfia, previu que eles iam tremer contra o Brasil e ficariam na defesa.

-Felipão é um gênio. - imitou o Daniel os trejeitos do Miguel Falabella nos esquetes de teatro e de televisão em que atua.

-E você e o seu pai criticando o Fernandinho todas as vezes em que falamos desse jogo...

Meu sobrinho reagiu prontamente.

-Carlão, depois da Copa do Mundo, você reviu os sete gols da Alemanha?

-Esporadicamente um e outro gol.

-Eu tenho todos eles aqui no meu celular com a transmissão do Galvão Bueno.

-Com o Galvão Bueno?!...

-Nada é perfeito, Carlão.

Logo, na pequena tela do seu celular, porém com uma notável nitidez, ele me mostrou os sete gols em sequência.

-Num deles, pelo menos, o Fernandinho falhou feio. - reconheci.

-Talvez, com um jogador melhor no lugar dele, a derrota não seria tão acachapante, digamos uns 5 a 1. - pilheriou.

-Carlinhos, você está com a sacola das tangerinas? - era a Gina.

Depois de eu confirmar, ela lamentou a probabilidade de eu voltar para casa a pé carregando o peso das frutas taludas.

-A filha da Roberta está vomitando e ela pensa em levá-la ao hospital, o Daniel com o carro dele vai dar o apoio logístico.

Enquanto minha cunhada falava, meu sobrinho mostrava, noWhats App o retrato da menina, de sete anos,  deitada na cama enquanto tomava soro.

-Ela está internada no Pronto Baby da Rua Silva Rabelo. - informou o Daniel.

Lembrei da filha da minha sobrinha, um ano mais nova, que entrou no soro, porque vomitava muito, umas três vezes.

-Ela chegava da rua e não lavava a mão. A causa foi essa.

-Qualquer saidinha que eu der, eu lavo as mãos. Se eu for na esquina, quando volto, lavo as mãos.- enfatizou.

-Você, então, Gina, é como aquele personagem do Dias Gomes, o Jovelino Sabonete, que sofria de TOC.

-Digamos, Carlinhos, que estou entre Pôncio Pilatos e o Jovelino Sabonete.

-Carlão, aquele assassinato no metrô foi no seu horário?

-Foi no meu horário de almoço, Daniel.

-Mas você passa pela estação da Uruguaiana.

-Pois é, Gina; na hora em que retorno do trabalho, a estação da Uruguaiana é a que mais recebe passageiros. Ontem, estranhei quando vi pouquíssimos passageiros na plataforma, no vagão onde eu estava não entrou ninguém, o normal são uns quinze passageiros. Duas moças, que seguravam o mesmo balaústre do que eu, passaram a ler uma mensagem no Whats App de uma delas e eu ouvi comentarem que a estação ficara fechada por três horas.

-Foi isso mesmo. - confirmou a Gina.

-Como não consegui escutar mais nada, julguei que o problema fosse mais uma batida da Polícia Civil no camelódromo, onde há inúmeras irregularidades, até remédio de tarja preta eles vendem.

-Certamente remédio falsificado no Paraguai. - disse ela.

-Assistindo em casa ao noticiário da televisão, soube de fato o que ocorrera: assassinaram, na bilheteria, um cidadão que carregava um pacote de dinheiro da empresa em que trabalhava.

-Essa empresa é aqui no Méier. - deixou o Daniel o seu instagram de lado, interessando-se pelo assunto.

 Prossegui:

-Vi, então, na TV, uma multidão de curiosos contidos pela polícia.

-Eu não posso criticar porque também sou curiosa, até abalroamento de carrocinha da Kibon eu corro para ver.

-Então, aparece um sujeito, senta em um degrau da estação e chora copiosamente.

-Logo veio um repórter e quase enfia o microfone na boca dele perguntando se é amigo da vítima.

-Não deixam nem a pessoa sofrer em paz. - seguiram-se as minhas palavras às da Gina.

-E ele respondeu alguma coisa? - quis saber o Daniel.

-Ele chorava muito para dizer alguma coisa. - respondeu a Gina.

Nesse instante, surgiu, suado, na cozinha o Claudio; buscava um copo d' água.

-E o seu ajudante?- perguntou-lhe a Gina.

-Quando eu terminar de cortar o último galho, aí é que o Carlinhos vai aparecer.

-Mas o Carlinhos está aqui, apontou-me o Daniel.

-O que é isso, você sempre me chamou de Carlão. Estou fora desse bolo. - defendi-me.

-Vou tirar esse macacão e me vestir para ficar de prontidão.- disse o Daniel rumando para o seu quarto.

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Esta edição é uma homenagem ao Vagner, um dos fundadores do Sabadoido. R.I.P.

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