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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5151 Data: 21 de
julho de 2015
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SABADOIDO
2ª PARTE
Tirei um pen drive da pochete e o
mostrei ao Claudio e à Gina.
-Um colega me deu isto com um monte de
músicas, algumas delas, ele disse que eu não gostaria por não ser a minha praia.
-Então, se tiver aí “Copacabana,
princesinha do mar”, você não vai gostar?
-Há, Claudio, quem diga que um trecho
da linha melódica dessa canção lembra “A Paixão Segundo São Mateus de Bach”.
-O José Ramos Tinhorão tem implicância
com Tom Jobim. - retrucou meu irmão.
-Se não me falha a memória foi o
Antônio Hernandez, crítico do Globo, que antecedeu o Luiz Paulo Horta, que
escreveu sobre essa semelhança.
E completei:
-Grosso modo, todas as músicas já foram
compostas, todos os livros já foram escritos, se um artista quiser ser
essencialmente original, tem de romper com tudo. Exemplo de originalidade:
música eletroacústica. A Rádio MEC dedica uma hora do seu repertório erudito à
música eletroacústica. Claudio e Gina, eu não consigo ouvir aquilo por 10 minutos
seguidos; para mim, não é música, são ruídos.
-Música eletroacústica?... O que é
isso, Carlinhos?... Dá choque? - manifestou-se a Gina.
Intentei ser sério.
-Há cenas de filmes em que esses
ruídos, vamos dizer assim, ganham importância.
-Você quer dizer que ela só ganha força
quando unida à imagem.
-Mais ou menos isso, Claudio.
-Estou lembrando agora da cena do
chuveiro do “Psicose”, do Hithcock: a música não é eletroacústica, mas são
ruídos que nada tem a ver com melodia, harmonia, ritmo.
-Ressalte-se o fato, Claudio, que o
Hitchcock pretendia que essa cena do chuveiro fosse silenciosa, mas quando
ouviu o que o Bernard Hermann tinha composto, aquela cacofonia de corvos,
alusivo à taxidermia cultivada pelo assassino, logo mudou de ideia. Imagem e
música ficaram indissociáveis.
-Carlinhos, vamos ver logo o que tem
nesse pen drive. - impacientou-se a Gina.
-Deixe-me pôr neste rádio, que tem
entrada para pen drive. - disse meu irmão, estendendo a mão e pegando o
objeto de mim.
Depois de espetá-lo na entrada do cabo
USB, informou-me que ali estavam armazenadas mais de 100 músicas.
-Você pode ouvir música durante três
dias seguidos sem parar.
-Prefiro que chova três dias sem parar,
Claudio.
Muito tempo e, no entanto, não
conseguimos escutar um segundo sequer de música.
Certamente, aquele rádio, sobre a mesa
da cozinha, não possuía muitos recursos. A Gina se levantou da poltrona de
alvenaria e pediu que o Claudio lhe passasse o pen drive.
-Este rádio aqui é bem melhor. - disse
ela sobre o aparelho de som que estava na bancada envernizada, onde plugou o
dispositivo.
Soou uma orquestra e meu irmão tentou
identificar a composição, em seguida, o autor. Depois, veio um chorrilho de
Bossa Nova, que levou meu irmão a fazer comentários sobre o que se ouvia.
Enquanto isso, a Gina, que voltou a se sentar, distraía-se com o seu tablet.
Se o Daniel sair do computador para
tocar teclado, vai ser uma confusão só. - imaginei.
Gina, até então quieta, se manifestou:
-Eu acho que esse negócio de Bossa Nova
só fala da zona sul, que esquece a zona norte, como se o Rio de Janeiro fosse
apenas Ipanema, Copacabana e Leblon. (*)
-E foi incisiva:
-Não gosto de Bossa Nova.
Para não perder o seu ímpeto crítico,
completou afirmando que também não gosta do cinema nacional.
Se o Claudio, que é muito mais
polemista do que eu, não retrucou, eu achei melhor também permanecer quieto.
Depois de seis ou sete faixas, as
riquezas melódicas, harmônicas, os acordes da Bossa Nova nos soaram como
“musak”, como em inglês se denomina a música de elevador, ou como John Lennon
designava as criações de Paul McCartney, depois da briga e passamos a falar de
outros assuntos, enquanto a Gina voltava a se fixar no seu tablet.
-Claudio, o Canal Curta, no programa
“Filmes que marcaram época”, está levando “Quanto Mais Quente Melhor”.
-Deve ser bom.
-Bom e muito interessante. Mostra o
Billy Wilder dizendo que uma pessoa pode ser besta, mas, juntando-se a outras
bestas e formando uma plateia, torna-se
um gênio.
-Os filmes do Billy Wilder agradavam ao
público e aos críticos. - disse o Claudio.
-Mas quem mais aparece nesse
curta-metragem é o Tony Curtis. Caramba, levei um susto. Aquele galã bonitão se
tornou irreconhecível com a velhice, ainda mais que não se via um só fio de
cabelo na sua cabeça.
-Devia estar doente. - calculou.
-O cérebro dele estava muito bom, pois
tudo o que disse não discrepava do livro da Charlotte Chandler, que o
entrevistou sobre esse filme na biografia que escreveu sobre o diretor.
-Eu também tenho uma biografia do Billy
Wilder, mas foi escrito por outro autor.
-Tony Curtis revela que o Billy Wilder
não nutria simpatia por ele; e diz que pensou, na cena em que deitado num sofá,
fazendo-se de milionário impotente, é beijado pela Marilyn Monroe, em levantar
uma das pernas...
-Não estava no roteiro?
-Não, Claudio, então, ele procurou a
cumplicidade do outro roteirista, Iz Diamond, que gostou muito da sua ideia. Na
hora em que ele levanta a perna, na filmagem, o Iz Diamond olhou para o Billy
Wilder com um sorriso e este concordou que o improviso era bom.
-O xodó do Billy Wilder sempre foi o
Jack Lemmon.
-O Tony Curtis conta que o guru da
Marilyn Monroe era a Paula Strasberg, esposa do Lee Strasberg.
-Esse Lee Strasberg criou um método de
interpretação que foi seguido por excelentes atores. - acrescentou o Claudio.
-Na cena em que a Marilyn Monroe passa
pela plataforma e dá um pulo para o jato de fumaça do trem não atingir a sua
bunda, ela – conta o Tony Curtis – logo que o Billy Wilder gritou corta, em vez
de olhar para o diretor, olhou para a Paula Strasberg, que fez um sinal
positivo. De pirraça, o Billy Wilder mandou que toda a cena fosse filmada de
novo.
-Mostrou quem mandava ali. - comentou.
-O Laurence Olivier, que dirigiu a
Marilyn Monroe em “O Príncipe e a Corista” e também atuou como ator, desabafou,
nas suas memórias, a sua irritação, quase ódio, por essa dependência da Marilyn
Monroe pela Paula Strasberg.
-Daniel,
vai se vestir que hoje nós vamos sair mais cedo. - gritou a Gina.
Depois, voltou-se para mim.
-Vai aproveitar a carona?
-Vou.
-Então, leve o seu pen drive. -
disse o Claudio, desplugando o dito cujo.
(*) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO é adorador da Bossa Nova e traz aqui uma
contestação à afirmação da Gina, respeitando, entretanto o seu direito de não
gostar, seja da Bossa Nova, ou do que for.
No seu
entender, a Zona Sul é que embarcou na Bossa Nova, por substituir as canções e,
especialmente, as letras das canções, que falavam de ciúmes, inveja, traições,
dores de cotovelo por chuvas em roseiras, brisas, primaveras, amor demais,
meditações, dando um basta na saudade.
É verdade que
os compositores transitavam pela Zona Sul e o quartel general da Bossa Nova
ficava no Beco das Garrafas, em plena Copacabana, mas o barquinho do Menescal
estava em qualquer mar, o pato em qualquer lagoa e a Garota de Ipanema, que
realmente trouxe a geografia para a música, só apareceu em 1962, cinco anos
depois de aparecer a Bossa.
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