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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5137 Data: 30 de
junho de 2015
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SABADOIDO IDA E VOLTA
PARTE II
-Tirou o uniforme de dormir da torcida
do Palmeiras?- perguntei ao Daniel, que retornava à cozinha sem o conjunto de
moleton verde.
-Carlão, você sabe se o Luca continua
endiabraaaaaaado no campeonato de tênis de mesa.
-Falei com ele, dois dias atrás pelo
telefone e não tocou no assunto.
-Então, deve ter perdido; espero que o
vencedor não seja do Flamengo.
-O Luca deixou lá em casa, além das
cartas da Rosa, o presente dela de aniversário para mim.
-Ela esqueceu o dia do seu aniversário?
- interveio meu irmão.
-A Rosa é a prova viva que a leitura é o
adubo mais eficaz para a memória. Ela está com 84 anos e lê desde os 4; não se
esquece de nada. Escreveu, numa carta que, embora eu aniversariasse no dia 6 de
outubro, enviava o meu presente.
-Qual?... - indagou o Daniel.
-O romance “Caravaggio”, com o subtítulo
“Um Nome Escrito Em Sangue”.
-Nome escrito em sangue é Matarazzi, que
é o carniceiro da defesa da seleção italiana e levou aquela cabeçada no peito
do Zidane. - trocou meu sobrinho a pintura pelo futebol para obter um efeito
hilariante.
-No meio do livro, ela colocou um texto
em que me recomenda atentar para a página 123, porque se encaixa com o que
aconteceu com ela na Igreja de Santo Agostinho em Roma: deixou de lado o Isaías
de Rafael, e “caiu de quatro e começou a pastar” quando se deparou à esquerda
com a Madona de Caravaggio.
-O que ela quis dizer com cair de quatro
e começar a pastar, Carlão?
-Encantamento; epifania.
-Há, agora no Centro Cultural Banco do
Brasil, uma exposição de telas de Picasso. O noticiário da Globo News mostrou,
anteontem, alguns desses quadros.
-Eu vi, Claudio, enquanto a tela
mostrava os quadros, a Leilane, âncora do programa, se extasiava: “Que beleza! Muito bonito!”
Em seguida, voltei-me para o Daniel:
-Você não aprendeu no colégio que os
seguidores da Arte Moderna repudiam o “belo”?
-Carlão, as mulheres pintadas pelo
Picasso são belíssimas.
O ponto final da frase do Daniel foi um
estrondoso espirro.
-Com
essa friagem, o que mais se escuta são espirros. - observou o Claudio.
-Todos os sábados, o Dieckmann posta, no
Facebook, uma história do Mickey; a de hoje é de um barco viking movido
com os espirros do Pateta.
-Carlão, você está dizendo que eu
espirro como o Pateta?
-Não se apoquente que os meus espirros,
somados com o pessoal do meu trabalho, levam um barco viking da
Dinamarca à América.
-No Globo de hoje, lê-se que, com o
frio, o sangue fica mais viscoso e o coração corre mais riscos. - manifestou-se
o Claudio.
-Vai esquentar tocando teclado? -
perguntei ao ver meu sobrinho se levantar para sair.
-Não; vou participar de umas corridas de
automóvel no computador.
Quando eu e o Claudio ficamos sós, na
cozinha do Sabadoido, ele puxou outro assunto.
-Você viu, nesta semana, o erro de
português do nosso imortal do Globo?
-Quem?... o Zuenir Ventura?...
-O Merval Pereira. Quando eu topei com
“prazeirosamente”, no artigo dele, eu disse que não escaparia da coluna
“Autocrítica” e não escapou, mas não citaram o autor do erro, só escreveram que
ocorreu na página 4.
-Você herdou o olhar de revisor do
papai, eu não, Claudio. Eu desfruto de tal maneira a leitura que passo batido
por erros ortográficos, solecismos, a não ser que sejam muito grosseiros.
-Eu já peguei “chipanzé” em vez de
chimpanzé, “guaximim” em vez de “guaxinim” e, o pior de todos, “exitará” em vez
de hesitará.
-Este, Cláudio, até foi manchete do
Jornal do Brasil: “Geisel não “exitará” de lançar mão do AI 5”. Também houve
esta manchete do Globo: “Égua cavalga nove quilômetros pelas ruas”.
-Ela não cavalga, galopa. - corrigiu.
-O Machado de Assis, depois de escrever
seus romances, entregava para o Mário de Alencar, um excelente gramático, filho
do escritor José de Alencar, para fazer a revisão.
-O papai me contou, Carlinhos, que,
certa vez, no Diário de Notícias, ele pegou um texto em que estava escrito
Mossoró e corrigiu para Moçoró. Quando a coisa já estava para ser impressa,
voltou tudo e meu pai teve de pôr de novo o Mossoró. Mas o papai estava certo;
Moçoró é uma palavra de origem indígena, e, segundo os gramáticos, nunca pode
ser com “ss”.
-O Flexa Ribeiro, candidato a governador
da Guanabara com o apoio do Carlos Lacerda?...
-O que tem?
-Não me recordo bem se foi o Antenor Nascente
ou o Aurélio Buarque de Holanda, enviou-lhe uma carta tratando-o de Flecha
Ribeiro.
-Seja quem for, coloca a gramática acima
de tudo.
-O Medeiros e Albuquerque conta no livro
de memórias “Quando Eu Era Vivo”...
-Eu li esse livro. - interrompeu-me.
-Talvez você se lembre de uma passagem
dele com Machado de Assis. Com a Proclamação da República, ele assumiu um cargo
educacional importante...
-Enquanto o Machado de Assis perdia o
cargo de diretor da Secretaria da Indústria do Ministério da Viação. - interrompeu-me
de novo.
-Medeiros e Albuquerque procurava um
professor de português que não encharcasse os alunos de gramática e, quando
encontrou o escritor, depois do fato consumado, contou-lhe sobre essa procura,
e o Machado de Assis lhe disse mais ou menos isto: “Por que não me nomeou, eu
não conheço gramática”.
-Ele não era um expoente, mas conhecia
sim.
Mudei de assunto:
-Você leu no Globo de ontem, na coluna
“Contando Histórias”, a épica vitória do basquete brasileiro sobre os Estados
Unidos, em 1987, no Pan-Americano de Indianápolis?
-Li; os americanos nunca haviam perdido
em casa.
-Eles colocaram quase 20 pontos de
vantagem, e já contavam com a vitória certa. Então, eles puseram, no intervalo,
uma enorme garrafa no vestiário para abrir no final da partida.
-Foi quando o Oscar acertou todos os
lançamentos de 3 pontos e o Brasil foi se aproximando no placar cada vez mais até passar à frente. Foi a maior vitória
do basquete brasileiro até hoje.
-Nessa reportagem, Claudio, contam que o
Seu Chico, uma espécie de faz tudo da seleção, entrou no vestiário dos Estados
Unidos e roubou o garrafão, levando-o para a festa brasileira.
-Será que furtou mesmo? - pôs em dúvida.
-Eu acredito, Claudio, que os americanos
deram aquele garrafão, já que a festa deles avinagrou.
-É possível que seja isso. O vestiário é
cheio de gente para alguém furtar uma grande garrafa de champanhe e não ser
visto.
-E como disse o Tom Jobim para o Carlos
Lira, que queria que eles abandonassem a exibição de Bossa Nova do Carnegie
Hall porque ficou desvirtuado: “Não podemos, aqui tem cadeira elétrica.”
-Carlão, é só falar em que hora quer ir
para casa.
-Você não vai esperar a sua mãe voltar
do supermercado?
-Posso te levar primeiro e, depois, ir
com ela almoçar no restaurante do Méier.
-Vamos, então, neste momento.
Foi quando no estacionamento do posto de
gasolina em frente, eu soube que esquecera meu saco de tangerinas.
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