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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5140 Data: 06 de
julho de 2015
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SABADOIDO
-Foi numa pelada no campo Cachambi. Uma
bola espirrada ficou entre mim e o Pantera. Ele não percebeu que eu estava mais
próximo dela e veio feito um maluco; eu, então, lhe dei um lençol de pentear
cabelo. Logo, em seguida, chutei no gol de praia, escancarado à minha frente,
com a pelota quicando; como ela subiu e só valia gol de bola rasteira, nada
feito. O Lopo se aproximou de mim e disse que, após o lençol, eu deveria travar
a bola depois da jogada para depois, sim, chutar. Ora, eu estava muito
emocionado com aquele meu momento de Pelé e não tive esse sangue frio – afinal,
a minha carreira futebolista foi toda construída por momentos de não Pelé.
-Carlão, que negócio é esse de momento
de Pelé e de não Pelé?- perguntou-me meu sobrinho.
-Houve uma vez um evento beneficente,
em 1979, quando o Pelé jogou com a camisa do Flamengo, ao lado do Zico, contra
o Atlético Mineiro. Carlos Drummond de Andrade, de quem o Nélson Rodrigues
cobrava o desinteresse pelo futebol, escreveu uma crônica, no Jornal do Brasil,
sobre esse jogo. Ele viu, então, o que os cronistas de futebol especializados
não tinham visto, ou melhor, escrito, até então.
-Isso o que você falou?- interrompeu-me
o Claudio.
-Em certo momento, o Pelé pega a bola
no meio do campo e dá um passe inteiramente errado e o Carlos Drummond de
Andrade referindo-se a esse lance, escreveu que também o Pelé tinha momentos de
não Pelé.
-Quando você deu o lençol no Pantera,
você teve um momento de não Carlão e, quando você não fez o gol, teve um
momento de Carlão.
-Daniel, você disse tudo. - reconheci.
-Meu garoto. - disse o Claudio
relembrando o personagem Cascata, do Chico Anísio, referindo-se ao seu filho
Cascatinha, do Castrinho.
-Daniel, nosso garoto, o que é hashtag
que, de um tempo para cá, tenho ouvido muito, mas não sei o que é? -
perguntei-lhe.
-Carlão, o hashtag surgiu com o twitter,
defende os softwares abertos. Escreve-se o sinal cerquilha seguido da palavra hashtag.
-Cerquilha?...
-O sinal do jogo da velha. -
esclareceu.
-Se, no meu trabalho, alguém me
perguntar como se transfere de ramal de telefone e eu responder cerquilha 328,
ninguém vai entender nada; digo jogo da velha 328 e todos me entendem.
-Mas todo o mundo fala jogo da velha mesmo.
Na Casa da Moeda também é assim.
-Falando em Casa da Moeda, ouvi, na
terça ou quarta-feira desta semana, no noticiário das 5h da manhã, quando me
levantava da cama, que houve atos de corrupção envolvendo funcionários de lá.
Às minhas palavras, meu sobrinho se
tornou sério e a sua voz velada.
-Só peixe graúdo... A Polícia Federal
foi lá... Nós olhávamos para os policiais de rabo de olho.
-Não encontrei muita divulgação sobre
os “pixulecos” dessa falcatrua?
-Como não viu, Carlinhos, foi mostrado
de noite na televisão. - abismou-se a Gina.
-De noite, cansado, a última coisa que
quero ver na televisão é o noticiário; é tudo desgraça.
-O Jornal Nacional ficou horrível, não
assisto a ele mais. - manifestou-se.
-Está uma droga mesmo. - concordou o
Claudio.
-Por sinal, a Globo vem perdendo
audiência. Eles lá estão enlouquecidos com o êxito dos “Dez Mandamentos” da
Record.
E prosseguiu a Gina dirigindo-se a mim:
-A sua irmã e à sua sobrinha foram ao
aniversário das meninas gêmeas e, no meio da festa, assistiram ao capítulo da
novela por um instagram ou sei lá o quê.
-Antes de vir para cá, eu me deparei
com a postagem da Suzete no Facebook e os rasgados elogios que as duas fizeram
à novela, quem destoou nos comentários foi a Marisa, que escreveu que não quer
saber de nada que venha do Bispo Macedo.
-Desconcordo desses radicalismos.
Logo após a intervenção do Claudio, a
Gina quis saber quem era essa Marisa e eu esclareci que era a nossa prima que,
atualmente, mora em Juiz de Fora.
-O Bispo Macedo tem defeitos faraônicos,
mas, nesse caso, eu não caio de pau nele, porque, com essa novela, está dando
emprego para muita gente e não são atores apenas, não.
-Um dízimo mais polpudo está garantido,
todos saem ganhando. - comentou meu irmão.
-Daniel, ouvi na CBN, que faz hoje um
ano que o Brasil perdeu de 7 a 1 para a Alemanha. - arranquei a atenção do
Daniel do seu celular.
-Errado: dia 8 de julho é o dia certo
para colocar, em cima do bolo, sete velinhas de um lado, uma do outro, e cantar
“Parabéns pra você.”
-E os bonequinhos sobre o bolo?... Quem
serão?...
-A Dilma e o Blatter. - respondeu-me a
Gina.
-Um já renunciou... -lembrei.
-Carlinhos, você viu na televisão “50
Tons de Cinza”? - quis saber a Gina.
-Não desperta a minha curiosidade.
-Mas o Jamie Dornan desperta a minha. -
replicou.
-Assisti, três semanas atrás, à “Bruna
Surfistinha”.
-Esse filme leva toda hora, Carlinhos.
Em seguida, com a sua prevenção contra
o cinema nacional, arrasou com o filme.
-Bem, Gina, a crítica que tenho a fazer
é que a mais atraente das atrizes da fita, a Drica Moraes, atua como cafetina,
não pega no batente.
Subitamente, ele se levantou e se
dirigiu ao filho:
-Daniel, eu já vou me aprontar para a
gente sair para almoçar.
Ele ouviu e a acompanhou.
Dirigi-me ao Claudio com a voz uma
oitava abaixo.
-Uma vez uma cafetina de um desses
“rendez-vous” de Copacabana falou indignada de um cliente que, em vez de
escolher uma das suas meninas, queria levá-la para cama.
-Ela já estava aposentada?
-Aposentadíssima. Estava gorda,
encarquilhada, beirando uns 70 anos. Xingou o tal cliente de tarado para baixo.
Depois de uma pausa, prossegui:
-Falando nisso, no Canal Curta, está na
atual programação com um documentário sobre a história dos bordéis parisiense.
Como os franceses não perdem, como os brasileiros, a memória, veem-se filmes
bem antigos, até bordéis citados por Proust nos seus livros são mostrados.
Mostram também uma cadeira fabricada no final do século XIX própria para sexo
oral. Todos aqueles bordéis são de uma arquitetura requintada. Excelente documentário.
-Carlinhos, você se lembra do Seu
Oliveira da padaria? - cortou-me.
-Lembro-me; ele era amigo do papai.
-A casa dele deve ser colocada à venda
e ela é boa, com um quintal grande. Sabe onde é?
-Sei; muitas vezes topei com o Seu
Oliveira, depois do AVC, saindo com a mulher de casa. Os dois caminhavam pela
pracinha com dificuldade.
-Ele morreu, a mulher morreu um tempo
depois. Eu conversei com o filho deles que me disse que cuidou dos dois e que,
agora, está desempregado. Ele é professor de hebraico.
-Encontrar alguém que queira aprender
hebraico vai ser difícil. Eu só vejo o Elio, pelo Facebook, aconselhando o
aprendizado da língua hebraica.
-Com esses problemas, ele deve vender a
casa.
-Para ele, é o momento mais impróprio,
pois os preços dos imóveis estão em queda. - observei.
Nesse momento, retornaram a Gina e o
Daniel, e eu fui com eles para aproveitar a carona.
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