--------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4355 Data: 30 de
janeiro de 2014
-----------------------------------------------------------------
124ª VISITA À MINHA CASA
-Roberto Marinho, fique à vontade. -
disse logo que o vi.
-Não é a minha casa do Cosme Velho, mas
quem sou eu, depois de morto, para fazer exigências.
-Aqui, temos a ópera Carmem, que eu sei
que o senhor, em casa, ouvia muito.
-Como somos dois, vamos conversar. Nunca
gostei de reuniões; à frente do Globo, eu gostava de falar diretamente com uma
pessoa de cada vez. Mais de um, vira comício.
-Meu pai, que era getulista, dizia que O
Globo era a cachaça dele, comprava-o diariamente, além de trazer para casa o
jornal em que trabalhava, O Diário de Notícias.
-Interessante, porque fazíamos uma
oposição acirrada a Getúlio Vargas. Logo
que a notícia do seu suicídio se espalhou, meu jornal foi atacado ferozmente
pela multidão. Serviu-me como aprendizagem: eu tentaria, desde então, conciliar
os nossos interesses com os dos governos eleitos.
-Sim, mas houve uma exceção: o governo
João Goulart.
-O Globo nunca publicou um editorial tão
contundente contra o janguismo como o Correio da Manhã, como aquele “Basta”.
-Sim, mas essa conciliação entre governo
e O Globo não existiu com o João Goulart.
-Sempre pugnei pelo investimento externo
no Brasil. Não me agradava o assanhamento dos comunistas na presidência do João
Goulart e o fato de ele não fazer nada para combatê-los.
Depois de uma curta pausa, disse:
-No entanto, seu pai, que deveria ser
janguista, pois foi adepto do Getúlio Vargas, não deixou de comprar meu jornal.
-Papai dizia que, como revisor, tinha de
lidar com letras diminutas durante todo o tempo que estava no Diário de
Notícias, por isso, em casa, descansava as vistas lendo as revistas do Walt
Disney e as páginas mais descontraídas do seu jornal, fugindo de editoriais e
artigos sobre política.
-Reconheço que o crescimento inicial do
Globo se deu com as histórias em quadrinhos norte-americanas e com os
empreendimentos imobiliários.
-Pafúncio, Mandrake, Ferdinando,
Brucutu, Big Ben... Meu pai lia e, depois, como um garoto, conversava com os
filhos sobre as peripécias desses personagens.
-Havia excepcionais desenhistas dessas
historietas como Al Capp, do Ferdinando. - comentou.
-Quanto ao seu pai, Irineu Marinho,
sabemos que ele o introduziu no universo jornalístico.
-Papai fundou em 1911, quando eu tinha
sete anos de idade, A Noite. Foi o
primeiro vespertino moderno da Capital da República e logo alcançou a liderança
de venda entre os jornais que eram distribuídos de tarde.
-Com o prosseguimento desse êxito, não
se entende o porquê de Irineu Marinho fundar O Globo. - intervim.
-Papai teve de ir a Europa por questão
de saúde, vendeu, então, a sua participação na Noite para o seu sócio. Como não
possuía o tino dos empresários, não assinou um contrato de venda com a condição
de recompra, com isso, ao retornar ficou sem o jornal. Lançou, então, o Globo,
também vespertino, em 28 de julho de 1925.
-Qual a tiragem?
-Mais de 33 mil exemplares. - respondeu-me
sem nenhum esforço evocativo.
-Você estava com vinte e um anos de
idade. - calculei.
-Fui trabalhar com o meu pai atuando
como repórter e secretário particular.
-Mas, menos de três semanas depois de
fundar O Globo veio o inesperado... - falei com pausas de constrangimento, pois
sabia que tocava num assunto de alta carga emocional para ele.
-Meu pai se lavava numa banheira quando
infartou. A porta estava trancada, eu, na época, era um atleta e consegui
arrombar a porta...
Comovido, disse, com dificuldade, que
encontrara o pai morto.
-Irineu Marinho teve quatro filhos, dois
homens e duas mulheres. Você era o herdeiro.
-Sofri a pressão da minha família para
assumir a direção do jornal, mas sempre mantive os pés no chão, tirante os
momentos em que praticava hipismo e caça submarina...
Depois de enviesar pelo humor, que
mitigou os instantes dramáticos que viveu, foi adiante.
-Não me considerei habilitado a liderar
o jornal que o meu pai sonhava que seria um dos maiores do país. Eu tinha muito
que aprender ainda, assim Euclydes de Matos, homem de confiança de meu pai,
testemunhei o apreço entre os dois por diversas vezes, na redação, assumiu o
Globo.
-E você?
-Passei a trabalhar como copidesque,
redator-chefe, secretário e diretor, com a motivação de tudo saber para ficar à
altura do Irineu Marinho, quando o comando passasse para as minhas mãos.
-Euclydes de Matos morreu em 1931, não
durou muito, e você ainda era novo, tinha vinte e sete anos de idade.
-Mas me considerava apto, agora, para
assumir a direção, foi o que fiz. Vontade de trabalhar nunca me faltou.
-Em
1944, você comprou a Rádio Transmissora e a transformou na Rádio Globo.
-Embora eu colocasse o jornal acima de
tudo, eu imaginava uma organização que abrangesse todos os meios de organização
e se espalhasse pelo Brasil.
-Na faixa dos dezesseis aos dezenove
anos, eu não dormia sem ouvir “O Seu-Redator Chefe”. “O Globo no Ar” me soava
sensacionalista; com “O Seu Redator-Chefe”, além de eu ficar bem informado, os
comentários eram ponderados. - comentei.
-Grosso modo, essa diferença era devida
à duração desses dois radiojornais: o tempo de um programa era para,
praticamente, alardear as manchetes de uma em uma hora. Com “O Seu
Redator-chefe”, essas manchetes eram mais detalhadas.
E prosseguiu:
-Mas o primeiro grande momento
jornalístico da Rádio Globo foi a cobertura da queda de Getúlio Vargas em 1945,
que foi realizado com “O Globo no Ar”.
-Você sempre ouvia as demandas
populares.
-Digamos, eu e a minha equipe; não
queríamos nada muito refinado para as classes A e B, bastava para isso O Jornal
do Brasil. Assim, na década de 50, trouxemos os artistas mais famosos da música
popular brasileira para o auditório da emissora. Investimos bastante em
futebol.
-Como esquecer os domingos com Waldir
Amaral, Jorge Cúri, João Saldanha, Mário Vianna?...
-Você sabia que a Rádio Globo foi a
única emissora brasileira a transmitir a Copa do Mundo de 1954 na Suíça?
-Confesso que não, Roberto Marinho.
Então, vocês foram os primeiros a noticiar a chuteirada que o técnico do nosso
escrete, Zezé Moreira, deu no ministro dos Esportes da Hungria no jogo que
ficou marcado como a “Batalha de Berna?
-Chuteirada
que foi fotografada pelo Armando Nogueira que viria a ser um dos nossos mais
destacados funcionários na TV Globo. - assinalou com um sorriso brejeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário