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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5102 Data: 8 de
maio de 2015
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
PARTE XXXIV
RODA-GIGANTE. Esse negócio de querer satisfazer uma frustração da
infância na idade adulta não dá certo. Quando menino, eu sempre quis andar de
roda-gigante, e não consegui. Eu via esse brinquedo na TV Tupi, o único canal
de televisão existente na minha infância e morria de inveja da criançada que
girava nele.
Eu morava na Rua Cachambi e, algumas
vezes, não muitas, armavam um circo na esquina da Rua Itamaracá com a Avenida
Suburbana, onde era um campo de futebol e hoje é um posto de gasolina. Do circo,
eu só via a lona, ou no chão, ou já armada; porém, um parque de diversões nunca
montaram lá, nem em outro lugar da circunvizinhança. De circo, já me bastavam o
Arrelia e, principalmente, o Carequinha, mas eu queria mesmo era girar numa
roda-gigante, ou viajar num caminho tortuoso em uma velocidade alucinante, ou
seja, andar na montanha russa.
O tempo passou e não foi possível.
Então, veio o dia em que se programou um passeio para as crianças num parque de
diversões, o Play Center, erguido na Barra da Tijuca e eu fui convidado,
com uns 30 anos de atraso.
A minha infância foi uma viagem no
quarto, como naquela inspirada quadrinha do Carlos Drummond de Andrade: “Vida
vidinha/ De cabotagem/ Roda no quarto/ Foi a viagem.” A infância da geração que
nos seguiu, podemos dizer que já era de
longo curso, pois se viajava do Cachambi à Barra da Tijuca.
Assim, saíram dois carros para esse
bairro; o do meu cunhando, conduzindo a mim, a minha irmã e a filha dos dois,
Luciana, e o do cunhado da minha cunhada, que levava a mulher e a filha
Roberta.
Chegamos, e, no meio de toda aquela
agitação de pais e filhos, eu sentia com intensidade o que perdi, quando
garoto. Eu via, ao mesmo tempo, um local de divertimento nas proporções
daqueles que apareciam nos filmes de Hollywood.
Bem, a petizada reinava absoluta lá,
aos pais e aos tios cabia apenas o papel de servi-las. Eis que chegou o momento
de as duas meninas passarem do carrossel para a roda-gigante. Ambas não
passavam dos 5 anos de idade e se impunha que um de nós, adulto, dividisse a
cadeira com elas; apresentei-me como voluntário dissimulando o meu entusiasmo
de, enfim, realizar um sonho de menino. E lá fui eu.
Caramba, como aquilo era alto! Quando
chegamos ao Everest, ou seja, ao ponto culminante da primeira volta, olhei para
baixo tentando divisar os pais da minha sobrinha e da sua coleguinha, mas não
consegui: todos pareciam habitantes de Lilliput. Que ninguém nos leia: senti
medo. Mas o pior estava para vir: as paradas espaçadas para o desembarque dos
passageiros cujo tempo de viagem chegava ao fim. Quanto isso acontecia com a
nossa cadeira lá no pico mais elevado ou próximo dele, meu coração saltava na
garganta, pois, para aumentar a minha tortura, aquilo sadicamente
balançava. Quem viu o James Stewart no
filme “Um Corpo Que Cai”, de Alfred Hitchcock, terá uma ideia do que eu senti,
embora não haja rodas-gigantes na história desse filme.
Enquanto eu sofria, Luciana e Roberta,
separadas pelo meu corpo, como se estivessem com os pés no chão, faziam
projetos esfuziantes de alegria:
-Depois, vamos ao trem-fantasma.
Provavelmente, se eu tivesse a idade
delas, estaria com a mesma alegria. - imaginei.
Depois de um século, veio a nossa hora
de desembarcar. As duas saltaram ratificando que, agora, iriam para o
trem-fantasma, enquanto eu me restabelecia.
Transcorreu meia-hora e a minha irmã me
pediu que a acompanhasse num brinquedo que me pareceu uma montanha-russa, mas
ela me garantiu que não, que o percurso era bem menos alucinante. Da mesma
maneira que eu, ela não desfrutou esses divertimentos quando pequena e, por
isso, depois de considerar que não haveria problema de acrofobia, eu a
acompanhei.
Se esse é menos alucinante, como será a
montanha russa de verdade?... Saí daquilo com as pernas bambas, ela também.
Éramos como dois bêbados, apoiando-se um no outro.
Realizar sonhos da infância pode ser
muito assustador. - foi a minha conclusão quando voltávamos para casa.
TELEFONE
– O único ser vivo que eu conheci, na minha primeira infância, proprietária
de um telefone, foi a minha avó. Filha de um coronel que lutara na Guerra do
Paraguai, recebia uma pensão que, mesmo dividida com a irmã, lhe dava
oportunidade única na nossa família de fruir esses luxos.
O seu telefone era tão raro, no mundo
em que eu estava circunscrito, que o seu número não se apaga da minha memória:
487688. Por isso, quando, em 1961,
assisti ao filme “Absolutamente Certo”, no Cine Mascote, achei natural que um
personagem soubesse de cor toda a lista telefônica. Como eram seis algarismos,
naquele tempo, um aluno de matemática do ginasial calcularia em um milhão o
número de combinações possíveis de telefone – valor inteiramente factível de ser memorizado num
enredo cinematográfico.
Quando a minha mãe esteve com a vida
por um fio, na maternidade, em 1957, a família, aflita, girava em volta do
487688 para dar e receber notícias. O mesmo aconteceu com um primo meu,
acidentado, que, infelizmente, não teve o mesmo final feliz. A invenção de Graham
Bell ou de Antonio Meucci, segundos os italianos, ficou, então, no meu
imaginário, ligado a momentos traumáticos.
No prédio de seis apartamentos onde
morei, ninguém possuía telefone; depois, quando nos mudamos para a vila da Rua
São Gabriel, onde havia 24 casas, não me lembro de ninguém que tivesse um, mas
não afirmo, com certeza, que não existia, pois, naquela altura da minha
adolescência, eu já não lhe dava a menor importância.
Quando nos transferimos para a Rua
Chaves Pinheiro, já estávamos na metade da década de 60 e a quantidade desse
aparelho de telecomunicação nas casas cresceu, mas longe da proporção dos
países adiantados economicamente.
Alguns vizinhos já possuíam um, eu não
podia mais ficar indiferente a ele. Primeiramente, porque um dos meus amigos de
turma, aproveitando que os pais não estavam em casa, passou um trote numa
moradora da rua que identificou a sua voz e deu numa confusão dos diabos.
Também me chamava a atenção o fato de os pais de outros amigos cobrarem pelos
telefonemas dados (Era uma maneira de se fazer um dinheirinho, a vida estava
difícil). Não o ignorava mais, como foi dito, mas queria distância.
Nos estudos para as primeiras provas na
faculdade, tive de me render ao telefone e dei o número do vizinho da casa
quase defronte à minha, o Seu Alvinho, para uma colega se comunicar comigo.
-Mas não peça para chamar Carlos
Eduardo, ele só me conhece como Carlinhos.
Assim, por umas duas ou três vezes,
incomodei o Seu Alvinho, que, não sentindo incômodo algum, se mostrava sempre prestimoso.
Foi quando a minha mãe, em meado de 1976, adquiriu o nosso telefone, juntamente
com ações da Telebrás, em 12 parcelas mensais. Com a privatização da Telebrás
e, posterior venda dessas ações, o telefone saiu de graça para a minha mãe, mas
isso é outra história.
Entre 1976 e 1980 mais ou menos,
sofremos muito, pois o seu número pertencera à empresa Everest. Caramba!
Quantas vezes atendi chamadas de clientes da Everest! Tudo contribuía para eu
não gostar de telefone e assim foi durante muito tempo. Agora, parece que
estamos nos entendendo.
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