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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5095 Data: 28 de abril de 2015
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
PARTE XXXIII
Metrô – Quando eu li “Cartas ao Pai” de Franz Kafka e me
deparei com uma viagem pelo metrô, senti-me frustrado: “Kafka morreu há 50
anos, e nada de metrô aqui no Brasil!” Certamente, se eu me deparasse com
alguma cena de metrô num romance de Charles Dickens, a minha frustração seria
bem maior, pois o transporte metroviário de Londres começou a ser construído em
1854.
Nas páginas dos livros do escritor
inglês que compulsei, não me recordo de qualquer cena ocorrida no “The Tube”
e, precavendo-me das traições da minha memória, não garanto que a referência ao
metrô constava mesmo do “Cartas ao Pai”. O que juro com a mão sobre a Bíblia da
Mongúcia – aqui vai uma citação da filha do Agripino Grieco – é que li uma
alusão ao metrô num livro autobiográfico de um grande escritor da virada do
século XIX ao século XX.
Finalmente, nos estertores dos anos 70,
deram início às obras do metrô nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Num domingo de 1979, meu cunhado me
convidou para ir no seu carro ao Centro, com a minha irmã e a filha deles, a
Luciana, então, pequerrucha de dois anos de idade; como eu estava à toa,
aceitei. Lá, estacionou o seu carro numa daquelas ruelas e me veio à surpresa:
viajar de metrô. A princípio, estranhei, pois o sistema metroviário ainda não
tinha sido inaugurado, mas ele e minha irmã afirmaram que fora permitido pelas
autoridades realizar viagens experimentais, inteiramente gratuitas, nas manhãs
dominicais. E lá fomos nós quatro.
Eram cinco estações apenas, que, para
mim, tomaram proporções do metrô londrino: Praça Onze, Central, Presidente
Vargas, Cinelândia e Carioca. Nós três tínhamos tanta experiência de
passageiros quanto à Luciana.
O sistema ficou limitado durante um
tempo a pouco mais de 4 quilômetros de extensão, nem a Estação Uruguaiana havia
ainda – só foi inaugurada no ano
seguinte, depois da primeiro prolongamento da malha com a Estação do Estácio.
No início da década de 80, o circuito
metroviário ainda era muito limitado e uma colega minha, que trouxe o filho de
uns oito anos de idade para o trabalho – aqui na Avenida Rio Branco – me pediu
para mostrar o metrô ao garoto. O menino vivia no Leblon, estava tão longe
daqueles trilhos energizados quanto eu, morador do Cachambi. E lá fomos nós, da
Uruguaiana à Cinelândia e daí ao Estácio, como se estivéssemos num parque de
diversão, embora a minha primeira viagem, aludida acima, parecesse mais com um
trem fantasma. Nos anos 80, não; a média diária de passageiros era de centena
de milhares.
Bem, a malha metroviária foi se
alargando, com o passar dos anos e das autoridades e eu pude usar o metrô como
meio de transporte para o trabalho ou para os cinemas, mas tendo ainda de pegar
um ônibus, Méier-Maria da Graça, para chegar à estação mais próxima da minha
casa.
Quando o governador do Rio de Janeiro
Marcelo Alencar levou o sistema metroviário até Pavuna, ocorreu um comentário
extremamente insólito de um colega meu de serviço:
-Agora, o metrô vai escurecer e as
vozes ficarão bem mais altas.
Extremamente insólito porque ele era
mulato e morava na Pavuna, onde adquirira um apartamento pelo sistema BNH. Diferentemente de mim, que usava diariamente
esse transporte, esse colega permaneceu fiel aos trens da linha auxiliar, que
chamava de matassapos. Será que esses passageiros eram arianos, de Hitler
nenhum colocar defeito e educados como as alunas do Colégio Sion?
É verdade que o meu deslumbramento pelo
metrô vinha arrefecendo cada vez mais com o passar do tempo. O estado é um mau
empreendedor, e o serviço do metrô se tornava cada vez mais deficiente. Houve
uma ilusória melhora com a concessão ao Consórcio Opportrans para explorar o
serviço, mas com o descompasso advindo da abertura de novas estações e o
aumento de passageiros, a ineficiência permaneceu.
Passei a deslocar-me para a cidade de
Van, cujo motorista, marido de uma cabelereira, tinha de estar conectado com
outros motoristas para saber quais os locais a serem evitados por causa da vigilância.
Na Van, viajava uma patota (geralmente mulheres, educadas e espirituosas,
clientes da sua esposa), mas eu me sentia deslocado por causa do meu
temperamento de ouvir muito e de não falar quase nada. Voltei a viajar de metrô
e a ficar espremido naquela lotação de nove passageiros por metro quadrado.
-Se a gente consegue entrar no trem do
metrô, fica colado na vidraça como se fosse lagartixa. - dizia uma das
passageiras dessa Van.
Há um filme sueco com o título “Minha
Vida de Cachorro” e eu posso falar da “Minha Vida de Lagartixa”.
Quando houve a mudança de endereço no
meu trabalho e fui para a Avenida Presidente Vargas com a Rua Miguel Couto,
voltei às origens, ou seja, ao ônibus. Saía do prédio, percorria alguns metros
e, no ponto de ônibus, aguardava o 298 – Castelo-Coelho Neto ou o 294 –
Castelo-Irajá. Mas era um suplício viajar de pé naquelas latarias sacolejantes
por quase uma hora. Tendo que escolher entre o metrô e o ônibus, eu me sentia,
guardadas as devidas proporções, como um eleitor de Brasília que tem de optar
entre Joaquim Roriz, Agnelo Queiroz e José Arruda Câmara. Era desanimador.
Com a inauguração da Estação Cidade
Nova, houve um alento: os passageiros da zona norte não sofreriam mais o
incômodo de fazer baldeação no Estácio. Essas baldeações eram hediondas, mal as
portas das composições se abriam, nessa estação, uma turba tresloucada
disparava em direção do trem parado para conseguir um lugar no banco vazio.
Para se chegar até o trem, tinha-se, antes, de descer uma escadaria. Houve quedas
– uma senhora, sem reflexo para se apoiar, bateu com os dois seios no chão – e
brigas.
Com a Estação Cidade Nova, esse circo
dos horrores acabava além de a viagem encurtar em preciosos minutos. Porém,
outros desconfortos continuavam encruados, mas valia a pena, agora, aturá-los.
Hoje, sou um convicto passageiro de
metrô que não quer saber de outro transporte coletivo, mas, para não sofrer
como antes, viajo normalmente às 5h 30min da manhã e às 15h 40min. Foi o jeito que encontrei.
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