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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5247 Data: 08 de dezembro de 2015
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214ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Desci a primeira rampa de
acesso da estação do metrô de Del Castilho e havia apenas um táxi no ponto da Rua
Domingo de Magalhães. Perdi a esperança, até eu chegar lá, ele parte com uma
chamada pelo rádio ou, então, por um aplicativo do celular. Desci a segunda e a
terceira rampas, lá estava ele. Será que chego a tempo?... Ameaçava chuva e
aquele banco de espera não nos abriga de todos os pingos d' água. Apressei as
passadas. Na quarta rampa, eu fiquei quase certo de que iria para casa naquele
táxi. Mas a Lei de Murphy se impôs, mal piso a calçada, ele parte. Cacete!
No entanto, atravessando a
rua, vejo o Machado me chamando com um molho de chaves na mão, enquanto
apontava para uns carros estacionados na esquina da Rua Conde de Azambuja.
-Vamos lá que o nosso caminho
é o mesmo. - disse-me.
E eu o segui.
-É este aqui. - falou
enquanto abria a porta de um carro cuja cor nem de longe parecia com o amarelo.
-Você é motorista da Uber,
agora?
Claro que se tratava de um
chiste, ou de uma “boutade”, como diria a Rosa Grieco, pois o Machado
trajava uma bermuda e uma camisa de havaiano.
Já citei o nome do Machado
duas vezes, aqui, mas confesso que, na hora, o seu nome se apagou da minha mente.
Quatro meses ou mais sem vê-lo, foi tempo suficiente para me causar esse lapso
de memória. Impus-me a obrigação de lembrar o seu nome no caminho da Domingo de
Magalhães à Modigliani. Eu parecia o personagem do filme argentino “Nove
Rainhas”, que tenta, durante toda a fita, se lembrar de uma música da Rita
Pavone.
-Eu com Uber?... Nada. Quero
descansar.
-E o seu táxi?
-Vendi para ajudar a minha
filha a comprar uma casa por aqui no bairro.
-Você me dizia, quando eu
pegava o seu táxi, vindo do trabalho, uma vez por semana em média, que essa viagem
que era a boa, pois era a última do seu dia e não o desviava do caminho para a
Pavuna. Não mora mais lá?
-Não, moro aqui com a minha
filha.
E este carro, que era um
seminovo de um valor financeiro razoável?... Como ele o comprou se vendeu o
táxi para a compra do apartamento da filha? Será que ele deu uma “pedalada”?...
Fiz estas perguntas a mim mesmo, pois não queria me mostrar inconveniente.
Falávamos enquanto eu vagava
nos “becos escuros da memória, velha cidade de traições”, como escreveu Machado
de Assis, em busca do seu nome. Como ele se chama mesmo?
-Tenho visto muito o seu
amigo lá no Méier?
-O Luca?
-Ele mesmo. Uma vez, quando
eu trabalhava no Procardil, eu o levei de ambulância, com um rapaz, até a
região dos lagos, onde um parente deles se acidentou.
-Você guiava a ambulância
que socorreu o meu pai quando ele passou mal na época em que morávamos na
Avenida Suburbana perto da barbearia do Fonseca.
-Claro que eu me lembro. Eu
estava lá com o Salvador, que era meu compadre.
Não sei como funcionam os
mecanismos mnemônicos, mas ele, quando citou o Salvador, eu tive certeza que
não me lembraria tão cedo do seu nome. Salvador era o enfermeiro da ambulância,
um negão que cresceu muito para cima e para os lados. O meu pai, quando voltou
a si, fora de si, como se isso fosse possível, deu-lhe um soco na barriga que a
gordura absorveu tranquilamente.
Para que o nosso diálogo não
desgarrasse para a tristeza, pois o padrinho da filha dele se foi, pouco tempo
depois desse socorro, com uma doença pulmonar, mudei de assunto.
-E o jogo do bicho?
-Tenho feito minha fezinha.
-Você joga lá no Méier e
também aqui, em Maria da Graça?
-Jogo lá, apanho o resultado
aqui. De qualquer maneira, tenho amigos nos dois bairros.
Amigos que, caso não haja
táxis dos pontos da cooperativa, ele recolhe, o que deixa o Bob Esponja, o de
número 184, fulo da vida, como me demonstrou algumas vezes. “Saiu da
cooperativa? Some daqui!”
-Se ele saiu da nossa
cooperativa, por que fica aqui? Só para tirar os nossos passageiros.
-O jogo do bicho é um esporte.
- repetiu o que me dissera numa daquelas corridas em que ele dava o seu dia de
trabalho como encerrado, deixando-me na Modigliani para rumar para a Pavuna.
De noite, quando me
preparava para dormir, lembrei-me, finalmente, do seu nome.
No dia subsequente, entrei
no táxi do 017. Inusitadamente, ele não seguiu pela Domingo de Magalhães, dobrou
à esquerda e entrou na Fernando Esquerdo, rua evitada pelos taxistas por causa
dos sinais de trânsito.
-É melhor irmos por aqui,
para evitar esses favelados da Bandeira 2.
E prosseguiu na sua
justificativa:
-Ontem, mataram dois PM no
Jacarezinho, e a Bandeira 2 é quase a
mesma favela.
-Eu evito, agora, na minha
ida ao trabalho, o caminho para a estação do metrô de Del Castilho. Era uma boa
caminhada, mas aqueles pedintes de dinheiro de lá pareciam mais assaltantes do
que outra coisa.
-Levaram o carro do 108 na
Domingo de Magalhães.
-Assaltaram?... Que coisa! Não
conheço o 108.
-Ele não trabalha no horário
em que você aparece. - disse-me.
-Eu, agora, pego um ônibus,
por volta das 5h 30min da manhã, salto na Suburbana e vou para a estação do
metrô de Maria da Graça. Vejo, no máximo, três pessoas dormindo debaixo das
marquises.
-Drogados, certamente, Aqui,
os drogados são aos montes.
Eu não me manifestei, e ele
prosseguiu com a sua costumeira irritabilidade:
-Esses traficantes têm
condições de trazer armas alemãs para cá?
-Há uma logística... -
comecei a responder.
-Eles são analfabetos, ou
quase isso. Quem traz é gente rica, que não vive em favelas. Um traficante tem
possibilidades de trazer do exterior, armas, drogas? Isso é gente que vive em
belos apartamentos na zona sul, na Barra da Tijuca.
-Uma boa parte do mundo
artístico, para ficarmos nesse segmento da sociedade, consome cocaína; depois,
ela, com a cara mais deslavada, ataca a criminalidade. – manifestei-me.
-Você viu o filme “Tropa de
Elite”? Eles consomem drogas e, depois,
saem em passeatas contra a violência policial. - bradou.
E investindo contra aqueles
que são a razão da existência dos traficantes e seus danos perversos à
sociedade, chegamos ao nosso destino.
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