---------------------------------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5240 Data: 27 de novembro de 2015
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
129ª VISITA À MINHA CASA
-Haydn!... Parece que, distraído, fui trazido de volta à realidade,
ao vê-lo, como acontece na sua Sinfonia “A Surpresa”.
-A de número 94?... Eu expliquei que aquelas súbitas notas fortíssimas da
orquestra eram para acordar as pessoas da plateia que dormiam.
-Mais uma das suas piadas,
pois as frases melódicas que antecedem aquelas repentinas notas fortíssimas dos
instrumentos de percussão nos encantam pela beleza.
-Não gosto de perder uma
piada ainda mais compondo.
-Uma das suas melhores
brincadeiras se dá na Sinfonia nº 45, “A Despedida”. Paulatinamente os músicos
fecham a partitura, param de tocar e se retiram da sala, até restarem apenas
dois, na orquestra.
-Aquilo não foi brincadeira;
era uma maneira sutil de mostrar ao príncipe...
-Seu patrão. - cortei o
fluxo da sua frase.
-Uma maneira de mostrar a
ele que os músicos não mereciam ser tratados como meros serviçais.
-Ele entendeu, Haydn?
-Era perspicaz, tratou-nos
como artistas que éramos.
-Mas você, um dos maiores
compositores da história da música, vestia libré, a farda de lacaios e
cocheiros quando foi trabalhar para a família Eszterházy, como mestre de
capela.
-Sim; meu querido amigo
Mozart, lá em Salzburg, se rebelou e partiu para Viena. Eu fui mais conformado.
-Apesar da sua vida difícil,
desde a idade mais tenra, você não perdeu, como se viu, o senso de humor.
-Sim; vivi com meus pais até
os seis anos e idade, apenas.
-Por que isso?
-Eu nasci numa vila
austríaca perto da fronteira com a Hungria; meus pais não eram ligados à
musica, mas eu me entusiasmava com os serões de canto que havia nas
proximidades. Eles, percebendo a minha vocação, me enviaram para Hainburg, onde
um nosso parente, chamado Johann Matthias Franck, que era mestre de capela, se
propôs a me dar aulas.
E como foi?
-Se muitas vezes os pais não
tratam bem os filhos, imagine aqueles que não o são; fui humilhado, fiquei
algumas vezes sem comer, mas não vou cuspir no prato em que não comi...
Parou para rir, junto
comigo, e prosseguiu:
-Mas aprendi, com ele, a
tocar cravo e violino; Tio Franck descortinou um novo mundo para mim.
-Tocar cravo e piano não era
o seu único talento quando menino.
-Eu possuía uma voz que arrancava
muitos elogios. Meu mentor, então, me levou para cantar na seção dos sopranos
no coro da igreja.
-Isso foi quando, Haydn?
-Em 1740; eu contava oito
anos de idade.
E continuou:
-Georg von Reutter, diretor
de música na catedral de Santo Estêvão, corria, pela Áustria, recrutando
meninos com dons canoros; impressionou-se com a minha voz e com a do meu irmão
mais novo, Michael, e nós fomos para Viena.
-”Os Meninos Cantores de
Viena” são lendários, o coro existe até hoje, e surgiu antes de 1500.- comentei.
-Com 17 anos, expulsaram-me
do coro.
-Por que?
-Porque eu recusei a
castração, ora essa! Preferi perder a minha voz de soprano do que a minha
anatomia mais íntima.
-Concordo, mas como você
enfrentou a vida depois que a sua voz engrossou?
-Fiquei sem trabalho e caí
na pobreza; até nas ruas eu dormi.
-Foram sete anos de vacas
magras?
-Dez, mas não foi uma década
perdida, como vocês dizem no Brasil. Lancei-me na boemia vienense, como músico
ambulante, e me introduzi nos meios intelectuais; aprimorei-me, assim, em várias atividades
relacionadas à música.
-Uma delas?- pedi.
-Fui secretário do Nicola
Porpora, excelente compositor napolitano; ele, sozinho, valia por toda uma
escola. Com ele, aprendi o verdadeiro fundamento da composição.
-Ele
dava, também, aulas de canto?
-Sim,
o requisitado Farinelli, porque se submeteu à castração, foi seu aluno.
E
voltou ao seu mestre:
-Com
o passar dos anos, o estilo floreado do Nicola Porpora deixou de agradar as
plateias e ele, injustamente, morreu na pobreza.
-Muita
coisa você aprendeu sozinho, foi um autodidata.
-Estudei,
sozinho, exaustivamente, o tratado de contraponto Gradus ad Parnassum
do compositor da corte, na época, Johann Fux. Sem o domínio completo do
contraponto não se é um grande compositor.
-Quem
mais o influenciou na sua formação musical, Haydn?
-Carl Philipp Emanuel Bach,
o segundo filho de Johann Sebastian Bach. - respondeu-me.
-Este teve, além do sangue,
o maior de todos os mestres da história da música. - salientei.
-Mas ele não falava muito do
pai; não me mostrava nada dele. - lastimou.
-Os filhos de Bach foram
extremamente ingratos com o pai, um deles o chamou de “A Velha Peruca”.
-Ele disse isso porque Bach
gostava das músicas antigas.
-Mas a grande música é atemporal.- completou.
-Depois de tantos estudos, Haydn,
quando você compôs as suas primeiras obras?
-Em 1750; eu estava com 18
anos. Eu escrevi missas e uma ópera.
-Sete anos depois, o barão
von Fürnberg me chamou para participar dos serões de música de câmera em
Weinzer.
-Foi lá que você concebeu a
formação do quarteto de cordas, dois violinos, uma viola e um violoncelo, que
foi explorado pelos grandes compositores principalmente Beethoven. -
manifestei-me.
-Eu tive uma boa ideia e muitos
a puseram em prática, além de mim, é claro.
-Mas a sua vida profissional
de músico era ainda incerta.
-Só me firmei em 1759 quando
me tornei mestre de capela do conde Karl von Morzin. Nesse cargo, escrevi as
minhas primeiras sinfonias; a orquestra, na época, era formada por dezesseis
músicos.
-Você viria a ser o Pai da
Sinfonia. Como se não bastasse o quarteto de cordas, você concebia, agora, a
sinfonia. Você era extremamente inovador.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário