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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4382 Data: 13 de março de 2014
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SABADOIDO VARIADO
-Só estou eu em casa; todos saíram. O
jornal está lá, na mesa da cozinha. Pode ir... Eu ficarei aqui cortando as
unhas.
Com essas palavras, Claudio me recebeu,
quando abriu o portão.
Ora, na minha casa, o Globo também me
espera, por isso, iniciei um diálogo com ele ali mesmo; Claudio, sentado no
degrau da varanda, aparando as unhas, e eu de pé.
-Você assistiu ao documentário sobre “O
Último Tango em Paris”, no Canal Arte 1, ontem?
-Carlinhos,
eu só peguei o finalzinho.
-O documentário foi elaborado com longos
depoimentos do Bernardo Bertolucci, algumas falas da Maria Schneider e trechos
do filme. - disse-lhe.
-O Marlon Brando já havia morrido, mas,
mesmo vivo, eu duvido que ele concedesse alguma entrevista sobre a fita.
Lembrou-se, logo depois, que a Maria
Schneider já não estava viva também.
-Ela morreu em 2011. Esse documentário
não é tão recente assim.
-Mas merece ser visto. - garanti.
-E do que falaram?
-Bernardo Bertolucci disse que pensou,
primeiramente, em dar o protagonismo para o Jean-Louis Trintignant, mas este,
quando leu o roteiro com muito sexo, recusou.
-A primeira impressão é que o filme é
pornográfico. - comentou o Claudio.
-Ele pensou, então, no Marlon Brando,
que vinha de dez fracassos de bilheteria seguidos, e andava meio esquecido por
Hollywood.
-Espere lá! O Marlon Brando atuou em “O
Poderoso Chefão” que lhe deu o Oscar de melhor ator.
Uma lembrança repentina lhe baixou o
penacho de polemista.
-É verdade que os dois filmes foram
lançados em 1972, quase ao mesmo tempo.
-O Bertolucci comentou que trouxe o
Marlon Brando, ícone de uma cinematografia ultrapassada do cinema americano; e
que também trouxe o Jean-Pierre Léaud que, tendo atuado em filmes de Truffaut e
Godard, era ícone da nouvelle vague, que também ficara para trás.
-E a Maria Schneider? - interrompeu-me.
-Bertolucci pensou, primeiramente, para
o papel na Dominique Sanda, mas ela engravidara.
-Mesmo assim, duvido que ela aceite. -
declarou terminantemente.
-Concordo, Claudio, ela não se
submeteria a atuar nesse filme, ainda mais que o Bernardo Bertolucci deu
liberdade ao Marlon Brando de improvisar o quanto quisesse.
-Na verdade, Carlinhos, o Marlon Brando
foi coautor do filme.
-Nas entrevistas com a Maria Schneider,
o rosto dela está quase todo o tempo vincado, porque o filme lhe trazia más
recordações.
-Ninguém, até então, sabia quem era
Maria Schneider; com o filme, todo o mundo a conheceu. - disse ele com
veemência.
-O Bertolucci declarou que a cena da
sodomia com manteiga saiu toda da cabeça do Marlon Brando.
-E a Maria Schneider?...
-Ela disse que, sem saber de nada,
gritou e chorou de verdade, enquanto a cena era filmada.
-Mal ela foi sodomizada mesmo? -
faiscaram os olhos do meu irmão.
-Claro que não. Ela disse que, na época,
era muito jovem, tinha de 19 a 20 anos de idade e não sabia do poder que tinha
de entrar na justiça contra o Marlon Brando e o diretor, pois o ator tem o
direito de saber antes o que vai representar.
Meu irmão não demonstrou credulidade com
a argumentação da atriz e eu fui em frente.
-Na cena em que o Marlon Brando chora e
xinga a esposa defunta, quando está só com ela no velório, o Bertolucci conta
que, na filmagem, ele não conseguia chorar.
-Você sabe, Carlinhos, que essa cena é
uma referência nas aulas para atores?
Meneei a cabeça dizendo que não e
prossegui:
-Marlon Brando tentou com menta e outros
recursos, mas nada de as lágrimas descerem pelo seu rosto. Virou-se, então,
para o Bertolucci – segundo este – e lhe disse que ele era o diretor, tinha,
portanto, de o fazer chorar.
-E o que o Bertolucci fez?
-Pediu que o Marlon Brando se lembrasse
do sonho que lhe contara dias atrás. Nesse sonho, um ciclone se abatia sobre uma
ilha onde se encontrava sua família, e todos eram tragados; com esse drama, ele
acordou em prantos.
-Pelo que vimos no cinema, deu certo. -
concluiu meu irmão.
-Sonho premonitório, pois o filho do
Marlon Brando matou o namorado da irmã, ficando quatro anos atrás das grades na
Califórnia.
-Esse namorado batia nela. - lembrou.
-Eu sabia que a Maria Schneider se
indispôs com o Bernardo Bertolucci por causa de “O Último Tango em Paris”, mas
não o Marlon Brando.
-E por quê?
-Porque ele se considerou também
intimamente violado.
-Como?- surpreendeu-se me irmão.
-Há uma cena que ele se revela
bissexual, aquela em que pede a Maria Schneider que corte as unhas e enfie seus
dedos no seu ânus.
-Eu corto minhas unhas sem intenção alguma.
- não perdeu o Claudio a piada.
-Uns quinze anos depois, eles se
reconciliaram. - concluí.
Cansado de estar em pé, rumei para a
cozinha, deixando-o lá com a sua tesourinha.
Quando lia a primeira página do Globo, o
telefone tocou. Era o Luca a caminho de mais um Sabadoido.
Minutos após, o Vagner também se fazia
presente.
-Assim, o nosso cavalo não ficará
sobrecarregado tapando o buraco dos ausentes. - comentou meu irmão
sarcasticamente.
-Se o Daniel cá estivesse, diria que
somos o “quarteto fantástico”. - manifestei-me.
-E onde está o garoto?- quis saber o
Luca.
-Ele deu para caminhar e pedalar na
Lagoa, aos sábados, com uma amiga. - respondeu o pai.
-A Rosa...
Não pôde continuar, pois o Vagner
interveio com palavras entremeadas de sorrisos maliciosos.
-Esse negócio com a Rosa...
-Olha, Vagner, ela, pela cultura que
possui, me abriu horizontes.
-Entendo esses horizontes... - continuou
maliciosamente.
-Vou pegar os copos. - ergueu-se o
Claudio da sua cadeira.
-Claudio, você pode pegar um copo de
água gelada para mim:
-Vagner, nesta casa não se serve este
tipo de bebida.
-E a Rosa, Luca? - animei-o a falar
dela, pois parecia que havia desistido.
-Ela enviou para você um recorte de
jornal sobre Modigliani.
-Deixe-me ver.
Luca, sem sair da cadeira, torceu o
corpo e pegou o envelope que trouxera; dele, sacou não um, mas vários recortes
de jornais, juntamente com papéis amarelos dobrados que, certamente, são cartas
por ela manuscritas.
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