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quinta-feira, 20 de março de 2014

2576 - dando com os burros n'água



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4376                      Data: 06 de março de 2014
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FRASES E COMENTÁRIOS

   “A leitura torna o homem completo, as preleções dão a ele prontidão, e a escrita torna-o exato.
A frase acima foi escrita pelo filósofo inglês Francis Bacon. Chega-me a propósito, pois, ontem, li no Globo a notícia que José Dirceu, detido no Complexo Penitenciário da Papuda porque comandou da Casa Civil a quadrilha que desviou mais de 100 milhões de reais dos cofres públicos, leu 15 livros em 4 meses, desde que foi preso em 15 de novembro de 2013.
Pretende o José Dirceu se tornar um homem completo, indo ao encontro do que diz a frase de Francis Bacon? Bem, lembrando o que falou Millor Fernandes sobre as pessoas de caráter duvidoso: eu não confiaria ao José Dirceu nem o meu cachorrinho para passear.
Na verdade, o Departamento Penitenciário determina que a cada 12 livros lidos em um ano, o detento ganha 48 dias de abatimento da pena. É essa determinação que motiva a bibliofilia do nosso ex-ministro da Casa Civil.
Rosa Grieco, leitora de uma voracidade insaciável, sairia logo da prisão. Por que pensei nela, que nunca cometeu um deslize que prejudicasse o próximo? São as artimanhas da nossa mente. Desculpe-me, Rosa.

“O que outro disser bem, é meu.”
É verdade que na época em que viveu Sêneca, de 4 a.C a 65 d.C, não havia copyright e se podia tomar como seu um grande pensamento de outrem. Não sou versado na obra do filósofo, mas acredito que ele jamais se apropriaria de ideias alheias, ou não?
Muitas vezes, o autor de uma citação está tão em evidência, que dispensamos nomeá-lo. Se se diz que há algo de podre na Dinamarca, por que atribuir isso a Shakespeare, se todos já sabem? Caso fosse no Brasil, em vez na Dinamarca, então sim, seria preciso identificar o autor da frase entre milhões.
Quando se trata de uma sentença popular, muitos fazem uma ressalva para não assumir o clichê. Nélson Rodrigues atribuía as citações populares a uma vizinha machadiana gorda e patusca. Rosa Grieco, por outro lado, atribui à Dona Isaura, que não era a escrava de Bernardo Guimarães.

“Vox populi, vox Dei (a voz do povo é a voz de Deus)”
De tanto que a ouço desde criança, sem o nome do autor, eu dizia que era de um político demagogo. Bem mais tarde, tomado pela curiosidade, pesquisei a autoria.  Deparei-me, então, com controvérsias, mas fico do lado daqueles que julgam ser essas palavras de Alcuíno de York, monge beneditino anglo-saxão. Numa carta que escreveu em 798, em latim, naturalmente, foram pinçadas as seguintes palavras:
“E essas pessoas não devem ser ouvidas por quem continua dizendo que a voz do povo é a voz de Deus, desde que a devassidão da multidão está muito próxima da loucura.”
Embora pareça que a mídia de hoje pretenda nos levar para o tempo do império romano e da sua derrocada, de tanto que expõe o erotismo, não vamos nos ater à devassidão.
Fiquemos com a voz do povo, quanto a alguns dizeres no Brasil que, pelo passar dos anos, já se enraizaram na nossa cultura. Aqui vão dois:
Batatinha quando nasce espalha rama pelo chão foi transformada pelo em “batatinha quando nasce esparrama pelo chão”;
Ele é a cara do pai esculpida em Carrara foi transformada em “ele é a cara do pai cuspida e escarrada”.
É a voz do povo, e Deus nada tem a ver com isso – parece-nos.

“Ajuda o teu semelhante a levantar a carga, mas não a levá-la”.
Há mais de 500 anos antes de Cristo, Pitágoras nos deu esse pensamento que nunca perde a atualidade.
Em 1933, quando assumiu a presidência dos Estados Unidos em plena Grande Depressão, Franklin Delano Roosevelt aperfeiçoou a Administração de Ajuda de Emergência Federal, que estabelecia benefícios sociais com o objetivo de combater a pobreza em toda nação. O sistema social americano atual deriva dela.
Os americanos desempregados pela Grande Depressão podiam se candidatar para obter auxílio do governo. Havia muitos programas de serviços sociais disponíveis para socorrer os cidadãos empobrecidos, como o Corpo de Conservação Civil, a Administração do Progresso das Obras e a Administração das Obras Civis. Tais programas, no seu conjunto, ajudavam cidadãos e estados a conseguirem independência financeira do governo.
Quando o sistema social foi promulgado pela primeira vez, não só assistia os necessitados como os ajudava a se tornarem financeiramente independentes e não dependentes do governo.
Contextualizando com a frase de Pitágoras, ajudava-se o semelhante a levantar a carga sem levá-la.
Um dos exemplos mais emblemáticos dessa política social do presidente Roosevelt foi James Braddock, conhecido como campeão mundial dos pesos-pesados de 1935 a 1937 e também como “Homem Cinderela” pelas adversidades que superou na vida.
Braddock foi um campeão que sofreu na carne a crise de 1929 a ponto de pedir auxílio ao governo. É sabido que uma das maiores vergonhas de um povo orgulhoso, como o americano, era requerer esse auxílio, mesmo para aqueles que perderam seus bens no crash da Bolsa de Valores, que não era o caso de Braddock.
Boxeador que, depois de uma derrota pelo título mundial no fatídico ano de 1929, ainda teve o azar de quebrar a mão direita, foi trabalhar como estivador. Carente de recursos para sustentar mulher e filha, entrou na fila e recebeu a “esmola” do governo americano.
Quando se ergueu e retornou ao ringue com seguidas vitórias, restituiu ao governo todo o dinheiro que havia recebido. Até o fim da sua vida, em 1974, foi tratado pelo povo dos Estados Unidos como campeão.
 E cá no Brasil destas primeiras décadas do século XXI? Bem, aqui há o programa Bolsa Família que, no papel, beneficia famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza com transferência direta de renda. Deveria ser gerido pelo governo, mas o é por um partido político. Como a maioria dos beneficiados vota e não quer saber de orgulho, a sua carga não só é levantada pelo governo como levada.
Tudo errado – diria Pitágoras se visse isso.


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