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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5063 Data: 10 de
março de 2015
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XVII
BRINQUEDOS – O primeiro brinquedo de que me lembro foram os
soldadinhos. Mas a minha memória afetiva, neste caso, é tão vaga que mesmo que
eu degustasse toda a quantidade de bolo madeleine de uma padaria
francesa, ela não melhoraria. Na verdade, eu nem me recordo dos soldadinhos
propriamente dito e sim da queixa que fizeram de mim: “Carlinhos, está jogando
os soldadinhos pela janela.” somente a acusação me marcou, não o fato de eu
defenestrar os bonequinhos.
A minha única lembrança, além dessa, é
que eu os arremessei do segundo andar do nosso apartamento da Rua Cachambi, ou
seja, não morávamos ainda no 103, onde até quintal havia, como já foi narrado anteriormente.
Consultada, a minha mãe me informou
que, antes, residimos por um curto período no apartamento 201, depois, nos
mudamos para o 103, onde residiu o meu avô paterno. Ou seja, eu teria uns 4
anos de idade quando brinquei, de maneira desastrada, de soldadinho.
Depois, ou antes, não sei precisar,
ganhei um caminhãozinho. Também não me recordo do presente e sim de a minha mãe
incumbir um dos seus primos da Paraíba, que vivia no Rio de Janeiro, de
construir um caminhão para o Carlinhos. Seria um mimo de aniversário de
Natal?... Eu sei lá.
Agora sim, eu já estava mais
crescidinho, morava no 103 e retive bem na minha mente as espadas que o meu pai
deu a mim e ao Claudio – o meu irmão Lopo era ainda pequerrucho para brincar de
mosqueteiro.
A lâmina da espada era de plástico
emborrachado ou de outro material semelhante, só sei que eu e meu irmão saíamos
com o corpo lanhado depois dos nossos duelos. Porthos, Athos, Aramis e
D´Artagnan fariam mais estragos nas hostes inimigas com essas espadas. Foi um
brinquedo marcante, e como.
Outro brinquedo da minha meninice foi o
jogo de corrida de cavalos – Tirolesa, Mossoró, Six Avril, Gualicho, Sargento,
Albatroz e Adil – a de que já tratamos no verbete turfe.
O mais representativo de todos os
brinquedos da minha infância foi o revólver de espoleta. Armado, eu podia agora
me sentir o Buck Jones, o Tom Mix, o Roy Rogers, o Cavaleiro Negro, ou outro
herói de gibi. Não só eu como muitos garotos, pois era numeroso o bando de
mocinhos e de bandidos trocando tiros.
Com as espoletas que espocavam a cada
disparo, nós sentíamos, literalmente, o cheiro da pólvora.
O nosso quintal se tornara pequeno
demais para o combate aos assaltantes de trem e, assim, expandimos a nossa ação
para o terreno baldio, que se tornou o nosso Monument Valley dos filmes
de John Ford. Ele ficava separado da nossa casa por um muro. Em luta contra os
criminosos nesse terreno baldio, quebrei a cabeça, mas isso eu contarei em
outra oportunidade.
EXCURSÃO
– Ficarei restrito às excursões escolares. No meu curso primário, não houve
excursão para lugar algum. Íamos da casa para o colégio e deste para casa e,
caso algum aluno se desviasse dessa rota, certamente, não estava sendo
conduzido por uma professora. Por pouco não nos enquadrávamos naquela inspirada
quadrinha do Carlos Drummond de Andrade: “Vida, vidinha/ de cabotagem/ roda no
quarto/foi a viagem.”
No ginásio, vieram as excursões,
poucas, é verdade, mas que não caíram no esquecimento.
A primeira delas ocorreu em 1961, na
fábrica da Coca-Cola, que, por um decreto de 1951, publicado no Diário Oficial
da União, recebeu a autorização para se localizar na Rua Menezes Vieira. Esta
era a terceira rua paralela à Cachambi, onde eu morava. A proximidade tiraria a
graça do passeio, não fossem os 40 colegas da escola para quebrar a rotina.
Em primeiro lugar, não peguei o bonde
Cachambi, a professora determinou que fôssemos do Visconde de Cairu à Coca-Cola
no bonde Pilares, que nos deixaria mais perto do nosso destino. O bonde,
evidentemente, lotou, como se uma greve de ônibus e lotações tivesse sido
deflagrada pela CGT.
Lá, um funcionário da empresa foi
destacado para ladear a nossa professora (ou seria professor?) e servir de
guia.
Eu nada ouvia o que eles falavam, pois
uns vinte alunos, pelo menos, também falavam. Detive a minha atenção naquela maquinaria,
nas garrafas transportadas por tentáculos de um polvo fordiano até serem
vedadas por chapinhas. Ficavam, assim, prontas para serem engradadas.
Ganhamos todos de brinde miniaturas da
garrafa confeccionada em material plástico que, hoje, têm algum valor para os
colecionadores.
Encerrado o passeio, bastava-me
caminhar pouco mais de meio quilômetro para chegar à minha casa, mas preferi
voltar para o colégio no bonde Piedade com a turma. Quando se tem 13 anos de
idade, bagunça não é coisa que se perca.
No ano seguinte, o professor de
Geografia – este não se apaga da minha retentiva por razões já expostas neste
minidicionário – levou toda a classe para o Observatório Nacional em São
Cristóvão.
Confesso que me lembro bem mais do
firmamento da cena do filme “Juventude Transviada”, do que daquele que vi com a
minha turma de escola.
Quando o professor falou da Constelação
de Touro, ninguém mugiu como o James Dean; talvez, por isso, pelo fato de a
turma ter sido muito disciplinada, ficou esse buraco na minha memória.
Quanto à nossa excursão à Exposição
Norte Americana na Quinta da Boa Vista, em julho de 1963, não há como
esquecê-la. Fomos do colégio até lá de trem; no vagão em que viajávamos, notei
que uma conhecida da Rua Americana, uma morena muito bonitinha e simpática, mais
ou menos da minha idade, estava nele. Naquele tempo, usávamos uma gíria horrorosa
que, felizmente, sumiu: “amarrar uma garota”, ou seja, conquistá-la. Indiquei-a
aos meus colegas e lhes disse que iria “amarrá-la”. Fui até ela, conversamos
por alguns minutos e, depois, retornei. “Já está amarrada”. - garanti aos meus
companheiros que se mordiam de inveja.
Na exposição, foi um deslumbramento, eu
via, pela primeira vez uma televisão em cores e estaquei, diante dela, para
assistir a um trecho de um desenho dos Flinstones. As cozinhas também grudaram
a minha atenção; quando eu soube de jogadores campeões do mundo em 1994 que
trouxeram, praticamente, todos os utensílios de uma cozinha, eu entendi o
porquê reportando a essa excursão de décadas atrás.
Havia lá muita coisa que lembrava a era
espacial, até mesmo a réplica da cápsula do astronauta John Glenn que, há
pouco, realizara o primeiro voo orbital norte-americano.
Em cada stand havia moças, que não
ultrapassavam os 20 anos de idade, explicando, em bom português, a praticidade
daqueles objetos e respondendo às perguntas dos visitantes. Um garoto, não sei
se do SENAI ou do Pedro II, resolveu bagunçar o trabalho de uma delas, que logo
chamou um “mister” que colocou as coisas em ordem.
Eram muitos os estudantes na Quinta da
Boa Vista numa época em que as brigas entre os colégios eram deflagradas a todo
instante. Testemunhei um plano dos alunos do meu colégio, Visconde de Cairu,
com os do Pedro II para atacarem os estudantes do SENAI, mas a presença
ostensiva da polícia murchou o ímpeto bélico de todos.
Foram perto de 800 mil pessoas que
visitaram essa exposição, na Quinta da Boa Vista, logo, amigos meus da Rua
Americana, que há anos deixaram a escola, também foram lá. Um deles, com fumaça
de comunista, afirmou que a Exposição Comercial e Industrial da União
Soviética, no Pavilhão de São Cristóvão, que acontecera um ano antes, em 1962,
fora bem melhor. Duvidei, mas ficou o desapontamento de não ter havido uma
excursão da minha turma do Visconde de Cairu até lá. Quando eu soube que correu
rumores de bomba terrorista lá, o
desapontamento se foi.
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