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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5055 Data: 24 de
fevereiro de 2015
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SABADOIDO COM FILMES E CABELOS
Passaram alguns minutos e nada de o
Claudio aparecer para abrir o portão.
-Se demorar mais, sou assaltado, ou
tenho de pôr à prova a minha paciência para recusar esmolas a cracudos.
Chamei pela segunda vez tentando a
extensão de voz do Luca quando chamava pelo “Claudiomiro” em Sabadoidos
pretéritos. Enfim, o Daniel apareceu.
-E, então, Carlão?
-O Fluminense não anda bem das pernas.
-Não anda e muito menos corre. -
emendou com mau humor.
-O intelectual brasileiro não sabe
bater escanteio.
-Não, entendi, Carlão.
-Eu também não. Estou com vontade de
citar Nélson Rodrigues.
-O time do Fluminense deve estar cheio
de intelectuais. - usou a citação para criticar a atual conjuntura do seu clube
de coração, quando já chegávamos à cozinha.
O jornal espalhado pela mesa indicava
que meu irmão já o tinha lido.
Daniel me fez companhia por alguns
momentos.
-Cortei o cabelo e, como chegaria muito
cedo aqui, fiz meia hora de palavras cruzadas na barbearia. Prevendo isso já
levei um livrinho na pochete. - disse-lhe.
-É melhor do que levar um “tablet” e
ser assaltado.
-Daniel, depois que o Biliu foi morto e
parou esse negócio de pagar taxa de proteção a ele, nunca mais houve assaltos.
Com a aparição do meu irmão, Daniel
rumou para o quarto, e eu previ que tocaria o “Nessun Dorma” no teclado.
-Claudio, o José Dirceu, nesse roubo do
Petrolão, é o Bob?
-Bob era o que pegava o dinheiro para
ele.
E acrescentou.
-O Marcelo Madureira, reportando-se ao
desenho animado, disse que o Zé Dirceu é Bob Pai e quem pegava os petrodólares
para ele, o Bob Filho.
Nesse instante, a Gina também surgiu.
Dei-lhe um oi e prossegui:
-Lá, no Fonseca, só eu e mais um senhor
cortávamos o cabelo, as conversas eram quase cochichadas, quando ouvi um brado:
-”Estive com aquele filho da puta do
José Genoíno na alça da minha mira e não atirei.”
Quando ele saiu, perguntei ao Paulo,
que ainda cortava o meu cabelo, se ele era militar; respondeu-me que não, que
era sapateiro.
-Carlinhos, este Cachambi está cheio de
maluco. - pronunciou-se a Gina.
Daniel reapareceu com a chave do carro,
informando que ia sair com uma amiga. Gina o olhou, contrafeita, enquanto o
Claudio comentou, risonhamente, que eu não teria carona de volta para casa.
-É bom, assim, eu dou uma caminhada.
Essa saída do Daniel também faz bem a saúde.
Voltei-me para a Gina.
-No sábado de carnaval, o salão do
cabeleireiro estava fechado, e agora?
-Não dá para ver que cortei o cabelo,
Carlinhos? - ironizou a minha falta de atenção.
-Nesse dia, tocaram o telefone, era uma
moça da NET, perguntando pelo Carlos Eduardo, respondi que ele estava almoçado,
e eu estava mesmo. Em plena segunda-feira de carnaval, ligaram de novo...
-Em vez de desfilarem no Bangalafumenga,
vão trabalhar. - interferiu o Claudio contra o que lhe parecia trabalho
escravo.
-Ela me propôs abrir os canais HBO,
Cinemax e outros por um preço atrativo.
-A qualidade dos filmes da HBO caiu muito.
- manifestou-se a Gina.
-Eu sei disse, pois eu tinha os canais
da HBO na extinta TVA. Para compensar o dinheiro que estava pagando a mais, saí
à cata, nesses canais, de filmes de que eu pudesse gostar. Escolhi “O Mordomo
do Presidente” e não me arrependi.
-Um negro que se tornou mordomo na Casa
Branca?... não assisti ao filme, mas li sobre ele. - dizia meu irmão, enquanto
a Gina se detinha no tablet, comprovando a profecia de Steve Job que
esse invento superaria o computador pessoal.
-Um crítico escreveu que ele, Cecil
Gaines, foi mordomo de doze presidentes.
-Não, Claudio, ele não trabalhou tanto
tempo assim. O primeiro foi Eisenhower; vieram depois: John Kennedy, Lyndon
Johnson, Richard Nixon, Gerald Ford e Ronald Reagan, quando ele se aposentou.
-Faltou o Jimmy Carter entre o Ford e o
Reagan. - chamou-me a atenção.
-São sete, bem distante desses doze,
Claudio.
-Há algumas coisas no filme meio
incongruentes, por isso, pesquisei no Google sobre o que havia de realidade
americana e de ficção hollywoodiana na vida desse mordomo.
Como o Claudio não se manifestou e a Gina
prosseguia fixada no Tablet, prossegui:
-O Ronald Reagan foi o único presidente
que atendeu ao pedido que ele vinha fazendo, há anos, de os empregados negros
da Casa Branca não serem discriminados no salário; Reagan igualou tudo. Depois,
ele conseguiu participar de um jantar, com a presença do casal presidencial e
outros da nobreza, realizando o sonho da mulher de conhecer a Casa Branca.
-Então, é uma telenovela.
-Não deixa de ser, Claudio.
Continuando: vem, então, a incongruência, é nesse governo, que o mordomo deixa
de ser uma espécie de Pai Tomás e passa à rebeldia, aposentando-se e chegando a
ser preso no meio de um protesto. A causa foi o Ronald Reagan não aprovar a lei
contra o apartheid na África do Sul.
O filme não apresenta as razões do presidente: os países africanos
vinham sendo submetidos um por um ao tacão comunista e ele não queria o mesmo
fim para a África do Sul.
-E a África do Sul era o país mais
desenvolvido do continente. - interveio o Claudio.
-Se o filme mostrasse essas
contradições pertubando o presidente, a coisa não ficaria tão linear.
-Mas você gostou do filme?
-Quando digo gostei do filme quero
dizer que valeu a pena assistir a ele. Só isso.
-Compararam o mordomo até com o Forrest
Gump. - comentou rindo.
-No final, quando vieram os créditos,
surpreendi-me com o nome da Jane Fonda. Foi uma falha minha lamentável, que
tinha de ser corrigida rapidamente. Fui ao Google e descobri que ela faz o
papel da Nancy Reagan. Voltei a gravação até a cena em que ela mais aparece.
-E qual é?
-A cena em que ela convida o mordomo e
a mulher para participarem, com convidados ilustres, do tal jantar
presidencial.
-Carlinhos, não foi o que o Lula fez
com o Joaquim Barbosa nomeando-o para o Supremo: marketing?
-Ele se sentiu usado quando se tornou
rebelde.
-Quando se tornou black bloc. -
ironizou.
-Há uma cena que mostra o presidente
John Kennedy deitado de costas no chão, para aliviar as dores na coluna e é
dito que ele tomava 102 comprimidos por dia.
-Eu sabia que ele tomava muitos
remédios, não tantos.
-A Tereza, a filha do Zé da Luz, me
recomendou um filme por e-mail: “Só Nos Resta Chorar”.
-Sei, Carlinhos; é com o Roberto
Benigni.
-Já encomendei pelo Mercado Livre.
-Do que vocês estavam falando? -
indagou a Gina, enquanto desligava o tablet.
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