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quarta-feira, 27 de junho de 2012

2171 - o estranho mundo do Biscoito Button


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3971                                         Data: 18 de junho de 2012
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LUÍS XALULU NO SABADOIDO

Mal cheguei à casa da Gina, para mais uma sessão do Sabadoido, fui fotografado por meu sobrinho. Como ele tocava repetidamente na tela do seu celular estalando de novo, perguntei-lhe se fazia photoshop.
-Ele o envelhece. - avisou-me a Gina, enquanto seu filho exibia um sorriso de sadismo.
. Reportei-me ao dia em que, escarafunchando o meu celular e sabendo das minhas limitações com a tecnologia de ponta, afirmou que eu tinha uma Ferrari e não sabia acelerar. Agora, meu sobrinho não só acelerava como envelhecia os retratados.
-Pronto; aqui está o Carlinhos com 80 anos de idade. - concluiu, mostrando a minha foto retocada.
-Daniel, precisava sumir com os meus cabelos para me deixar mais velho?- protestei.
E prossegui:
-O barbeiro me garantiu que a minha erosão capilar não avançará mais pela minha cabeça.
-Carlão, eu envelheci a minha mãe, a Roberta...
-E o Cláudio? - quis saber.
-Não precisava.
E continuou com a sua listagem até concluir que estava difícil me envelhecer.
-Mas não é fácil mesmo, Daniel, os maquiadores de Hollywood levaram horas para deixar o Brad Pitt mais velho no filme baseado num conto de Scott Fitzgerald, “O Estranho Mundo de Benjamim Button”.
Enquanto conversávamos, as rolinhas pousavam nas proximidades da porta aberta da cozinha e caminhavam pelo chão.
-As rolinhas reclamam por mais alpiste. - ergueu-se o Cláudio da cadeira para providenciar a refeição matinal delas. Gina, por outro lado, foi tratar dos afazeres domésticos.
-Faz cinquenta anos que o Brasil se tornou bicampeão do mundo, no Chile e a ESPN mostrou, numa reportagem de rua, que poucas pessoas conheciam o Amarildo.
-Amarildo, que substituiu o Pelé e fez gols nas horas em que mais se precisava. - adicionou o Daniel, leitor de obras sobre as Copas do Mundo.
-Há poucos dias, Daniel, morreu o Ivan Lessa, que disse que, de quinze em quinze anos, o brasileiro esquece o que aconteceu quinze anos atrás.
-Pois é, Carlão, a Copa do Mundo do Chile aconteceu há cinquenta anos. - justificou com o ar galhofeiro.
Mudei de assunto:
-Daniel, viajei nesta semana, e se acumularam e-mails na minha caixa de correspondência internética, alguns desses e-mails o meu computador não abre...
-Pode usar o meu cybercafé.
Depois de uns quarenta minutos acessando mensagens eletrônicas sobre os mais diversos assuntos, escutei um rumor que indicava o início dos trabalhos no Sabadoido. Depois, as vozes do Daniel e do Luca se sobressaíram.  Senti sede, arranquei o meu pen drive espetado na torre do computador e fui para a cozinha. Lá, esbarrei com o meu sobrinho, que retornava para dentro de casa.
-Olha o Luca envelhecido. - disse, mostrando o visor do seu celular.
-Ficou careca também. Ele se parece com uma pessoa conhecida, mas não me recordo quem.
-Foi o que todo o mundo disse, Carlão.
-Com quem o Luca velho está parecido?... - matutei.
-Com quem? - instigou-me.
-Com Demóstenes Torres, não, pois o Luca não conhece nem o Biquinha, quanto mais o Cachoeira.
Desisti de identificar a semelhança e rumei para a sessão do Sabadoido. Lá, a Gina e o Luca mantinham um diálogo sobre seguro de carros que se estendeu por causa dos detalhamentos. Como era um assunto que não despertava a minha curiosidade, abstraí-me e pensei no livro que a Rosa Grieco me dera com as críticas de D.H. Lawrence sobre a “Literatura Clássica Americana”, nome da obra.
Escreveu o escritor britânico, travestido de crítico, que “Há uma voz nova nos velhos clássicos norte-americanos. O mundo preferiu não ouvi-la e veio com essa conversa de histórias infantis”. Acertou em cheio. Lembro-me de uma colega de trabalho, de cultura superficial, leitora de best-seller, que, ao ver na minha mesa o “Moby Dick”, esboçou um sorriso debochado. Apesar do calhamaço de 750 páginas, ela julgou que fosse uma história infantil.
Dirimidas as dúvidas sobre as tecnalidades do seguro de carro, Luca voltou-se para mim:
-Nas minhas conversas com o Seu Amaury sobre a redação dos jornais, ele me disse que viu o Nélson Rodrigues uma vez ou outra.
-Se o meu pai estivesse vivo, eu lhe perguntaria sobre as reportagens que o Hélio Fernandes escreveu, em 1962, no Diário de Notícias, sobre o “roubo” de manganês perpetrado pelo pai do Eike Batista. - manifestei-me.
-Eu recebi, ontem, o e-mail do artigo que o irmão do Millor escreveu sobre o Eliezer Batista.
-Em 1962, o meu pai trabalhava no Diário de Notícias. - afirmei.
-Carlinhos, você que conhece bem o Nélson Rodrigues, sabe como surgiu a expressão “anjo pornográfico”?
-Soube, pela primeira vez, no título da biografia do Ruy Castro. - respondi ao Luca.
-Na própria coluna do Ruy Castro, na Folha de São Paulo, ele conta como chegou ao “anjo pornográfico”.
Ora lendo o mencionado texto do biógrafo, ora comentando o que já lera horas antes, informou que o “anjo pornográfico” era uma expressão do próprio Nélson Rodrigues que, numa entrevista, dissera que via os casos de amor pelo buraco de uma fechadura, como um anjo pornográfico.
-Fascinado, Ruy Castro descobriu ali o título da biografia, que elaborava e informou ao editor que concordou prontamente, mas pediu segredo.
Em seguida, Luca folheou recortes de jornal e cartas manuscritas pela Rosa Grieco.
-Vagner não vem hoje. - quebrou o Cláudio o seu silêncio.
-Aqui tem mais coisas... - murmurou o Luca, peneirando os escritos que traria à baila.
Mesmo mais distante do que eu dos jornais do Luca, meu irmão viu a caricatura do Noel Rosa.
-Noel Rosa. - disse.
-Vem mais uma biografia do Noel Rosa, mas são quantos anos de atividade do Noel?
Luca perguntou, Luca respondeu.
-Cinco, seis anos. Não há muito o que contar. É verdade que Noel compôs mais de 300 canções, deixando uma obra maravilhosa.
-Noel Rosa ficou conhecido como o filósofo do samba, porque ele elevou o nível das letras a um patamar elevado. - comentei.
-Noel também conhecia o samba dos morros. - frisou meu irmão.
Nesse instante, Daniel e Gina surgiram, emperiquitados, prontos para sair.
-Amanhã, Carlinhos, lá no aniversário da Ana Clara. - disse a Gina a caminho do portão da casa.
Mal saíram os dois, apareceu o Luís Xalulu.
Daniel, do outro lado do muro, esticou-se todo para o seu rosto aparecer para nós, e bradou:
-Deixo o Luís Xalulu como meu substituto.


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