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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3971 Data:
18 de junho de 2012
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LUÍS XALULU NO SABADOIDO
Mal cheguei à casa da Gina, para mais
uma sessão do Sabadoido, fui fotografado por meu sobrinho. Como ele tocava
repetidamente na tela do seu celular estalando de novo, perguntei-lhe se fazia
photoshop.
-Ele o envelhece. - avisou-me a Gina,
enquanto seu filho exibia um sorriso de sadismo.
. Reportei-me ao dia em que,
escarafunchando o meu celular e sabendo das minhas limitações com a tecnologia
de ponta, afirmou que eu tinha uma Ferrari e não sabia acelerar. Agora, meu
sobrinho não só acelerava como envelhecia os retratados.
-Pronto; aqui está o Carlinhos com 80
anos de idade. - concluiu, mostrando a minha foto retocada.
-Daniel, precisava sumir com os meus
cabelos para me deixar mais velho?- protestei.
E prossegui:
-O barbeiro me garantiu que a minha
erosão capilar não avançará mais pela minha cabeça.
-Carlão, eu envelheci a minha mãe, a
Roberta...
-E o Cláudio? - quis saber.
-Não precisava.
E continuou com a sua listagem até
concluir que estava difícil me envelhecer.
-Mas não é fácil mesmo, Daniel, os
maquiadores de Hollywood levaram horas para deixar o Brad Pitt mais velho no
filme baseado num conto de Scott Fitzgerald, “O Estranho Mundo de Benjamim
Button”.
Enquanto conversávamos, as rolinhas
pousavam nas proximidades da porta aberta da cozinha e caminhavam pelo chão.
-As rolinhas reclamam por mais alpiste. -
ergueu-se o Cláudio da cadeira para providenciar a refeição matinal delas.
Gina, por outro lado, foi tratar dos afazeres domésticos.
-Faz cinquenta anos que o Brasil se
tornou bicampeão do mundo, no Chile e a ESPN mostrou, numa reportagem de rua,
que poucas pessoas conheciam o Amarildo.
-Amarildo, que substituiu o Pelé e fez
gols nas horas em que mais se precisava. - adicionou o Daniel, leitor de obras
sobre as Copas do Mundo.
-Há poucos dias, Daniel, morreu o Ivan
Lessa, que disse que, de quinze em quinze anos, o brasileiro esquece o que
aconteceu quinze anos atrás.
-Pois é, Carlão, a Copa do Mundo do
Chile aconteceu há cinquenta anos. - justificou com o ar galhofeiro.
Mudei de assunto:
-Daniel, viajei nesta semana, e se
acumularam e-mails na minha caixa de correspondência internética, alguns desses
e-mails o meu computador não abre...
-Pode usar o meu cybercafé.
Depois de uns quarenta minutos acessando
mensagens eletrônicas sobre os mais diversos assuntos, escutei um rumor que
indicava o início dos trabalhos no Sabadoido. Depois, as vozes do Daniel e do
Luca se sobressaíram. Senti sede,
arranquei o meu pen drive espetado na torre do computador e fui para a
cozinha. Lá, esbarrei com o meu sobrinho, que retornava para dentro de casa.
-Olha o Luca envelhecido. - disse,
mostrando o visor do seu celular.
-Ficou careca também. Ele se parece com
uma pessoa conhecida, mas não me recordo quem.
-Foi o que todo o mundo disse, Carlão.
-Com quem o Luca velho está parecido?...
- matutei.
-Com quem? - instigou-me.
-Com Demóstenes Torres, não, pois o Luca
não conhece nem o Biquinha, quanto mais o Cachoeira.
Desisti de identificar a semelhança e
rumei para a sessão do Sabadoido. Lá, a Gina e o Luca mantinham um diálogo
sobre seguro de carros que se estendeu por causa dos detalhamentos. Como era um
assunto que não despertava a minha curiosidade, abstraí-me e pensei no livro
que a Rosa Grieco me dera com as críticas de D.H. Lawrence sobre a “Literatura
Clássica Americana”, nome da obra.
Escreveu o escritor britânico,
travestido de crítico, que “Há uma voz nova nos velhos clássicos
norte-americanos. O mundo preferiu não ouvi-la e veio com essa conversa de
histórias infantis”. Acertou em cheio. Lembro-me de uma colega de trabalho, de
cultura superficial, leitora de best-seller, que, ao ver na minha mesa o
“Moby Dick”, esboçou um sorriso debochado. Apesar do calhamaço de 750 páginas,
ela julgou que fosse uma história infantil.
Dirimidas as dúvidas sobre as
tecnalidades do seguro de carro, Luca voltou-se para mim:
-Nas minhas conversas com o Seu Amaury
sobre a redação dos jornais, ele me disse que viu o Nélson Rodrigues uma vez ou
outra.
-Se o meu pai estivesse vivo, eu lhe
perguntaria sobre as reportagens que o Hélio Fernandes escreveu, em 1962, no
Diário de Notícias, sobre o “roubo” de manganês perpetrado pelo pai do Eike
Batista. - manifestei-me.
-Eu recebi, ontem, o e-mail do artigo
que o irmão do Millor escreveu sobre o Eliezer Batista.
-Em 1962, o meu pai trabalhava no Diário
de Notícias. - afirmei.
-Carlinhos, você que conhece bem o
Nélson Rodrigues, sabe como surgiu a expressão “anjo pornográfico”?
-Soube, pela primeira vez, no título da
biografia do Ruy Castro. - respondi ao Luca.
-Na própria coluna do Ruy Castro, na
Folha de São Paulo, ele conta como chegou ao “anjo pornográfico”.
Ora lendo o mencionado texto do
biógrafo, ora comentando o que já lera horas antes, informou que o “anjo
pornográfico” era uma expressão do próprio Nélson Rodrigues que, numa
entrevista, dissera que via os casos de amor pelo buraco de uma fechadura, como
um anjo pornográfico.
-Fascinado, Ruy Castro descobriu ali o
título da biografia, que elaborava e informou ao editor que concordou
prontamente, mas pediu segredo.
Em seguida, Luca folheou recortes de
jornal e cartas manuscritas pela Rosa Grieco.
-Vagner não vem hoje. - quebrou o
Cláudio o seu silêncio.
-Aqui tem mais coisas... - murmurou o
Luca, peneirando os escritos que traria à baila.
Mesmo mais distante do que eu dos
jornais do Luca, meu irmão viu a caricatura do Noel Rosa.
-Noel Rosa. - disse.
-Vem mais uma biografia do Noel Rosa,
mas são quantos anos de atividade do Noel?
Luca perguntou, Luca respondeu.
-Cinco, seis anos. Não há muito o que contar.
É verdade que Noel compôs mais de 300 canções, deixando uma obra maravilhosa.
-Noel Rosa ficou conhecido como o
filósofo do samba, porque ele elevou o nível das letras a um patamar elevado. -
comentei.
-Noel também conhecia o samba dos morros.
- frisou meu irmão.
Nesse instante, Daniel e Gina surgiram,
emperiquitados, prontos para sair.
-Amanhã, Carlinhos, lá no aniversário da
Ana Clara. - disse a Gina a caminho do portão da casa.
Mal saíram os dois, apareceu o Luís
Xalulu.
Daniel, do outro lado do muro,
esticou-se todo para o seu rosto aparecer para nós, e bradou:
-Deixo o Luís Xalulu como meu
substituto.
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