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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3964 Data: 05
de junho de 2012
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O SÁBADO EM QUE O SABADOIDO ENDOIDOU
1ª PARTE
A parede ainda impedia a minha visão dos
participantes do Sabadoido, quando o Luca bradou:
-Como dizia Nélson Rodrigues: “Se os
fatos não confirmam as minhas palavras pior para os fatos”.
Ainda bem que não citou o lema das
raposas felpudas do extinto PSD de Benedito Valadares, José Maria Alckmin e
outros: “O que importa não é o fato, é a versão”. Assim, cheguei tranquilo
àquela primeira sessão do mês de junho do Sabadoido, pois não tratavam de
política, e sim de cinema.
-A crítica colocou nas alturas, mas eu
não suportei “Paraísos Artificiais”. Eu, que nunca saio no meio de uma
projeção, dessa vez, eu saí.
-Não me diga, Claudiomiro, pois eu tinha
intenção de assistir a esse filme. - desapontou-se o Luca.
-Pode ser que você goste, como a crítica
gostou. Eu não quero sugestionar ninguém. O que fala de cinema da Rádio CBN,
Marco Petrucelli, por exemplo, elogiou muito o filme.
Marco Petrucelli é uma espécie do Adolfo
Cruz da antiga Rádio Nacional, que falava de cinema como adepto da sétima arte,
mas sem a bagagem de conhecimento de críticos como Ely Azeredo, Sérgio Augusto,
entre outros. - pensei.
-Dizem que o ambiente dos viciados em
droga está bem retratado na fita.
-Sim, Luca, está bem retratado, a música
é tocada em alto volume como os drogados gostam... talvez, por isso, o filme
não me agradou.
É como estar sóbrio no meio de bêbados –
assim se sentiu meu irmão. - deduzi.
-Vagner comprava muito a revista
Cinemin, mas não deve se lembrar que muitas vezes ela publicava a lista dos dez
maiores filmes.
-Lembro-me sim, Luca. - protestou o
comprador da revista.
-Não era a listagem dos melhores do
pessoal da Cinemin, mas a das diversas publicações sobre cinema no mundo. Houve um sábado aqui, sem a presença do
Vagner, em que comecei a citar uma dessas listas da Cinemin, e o Carlinhos
perguntou por um filme.
E voltou-se para mim.
-Você se lembra qual era essa fita?
-Carlinhos não tem mais aquela memória
privilegiada. - reportou-se a Gina ao diálogo que travamos eu, ela e o Daniel,
meia hora antes, sobre a participação do Brasil nas copas do mundo, e revelei o
meu esquecimento dos feitos do escrete brasileiro de 1994 para cá.
-Cidadão Kane não foi, porque é presença
obrigatória em todas as listas sérias das dez maiores obras cinematográficas. -
manifestei-me.
-É claro. - confirmou o Luca.
E insistiu no suspense:
-Não se lembra mesmo do filme que você
considerou um dos melhores?
-São tantos.
-“Um Corpo que Cai”, de Hitchcock. -
revelou o Luca.
Pretendia falar da predileção que os
pares de Alfred Hitchcock nutriam pela sua obra, principalmente após o livro
lançado por François Truffaut, que o entrevistou, mas Luca se pôs a comentar e
a ler um artigo do Ruy Castro na Folha de São Paulo.
-Escreveu o Ruy Castro que, desde 1952, a revista britânica
“Sight and Sound” pede a críticos de toda parte a relação dos 10 maiores filmes
do cinema. Na primeira vez, ganhou “Ladrões de Bicicleta”.
-Do Vittorio De Sica, eu escolho
“Umberto D”. - aparteei.
-“Cidadão Kane” se tornou campeão absoluto
desde 1962. - prosseguiu o Luca.
-E “Casablanca”? - talvez houvesse uma
entonação irônica na pergunta do Cláudio pelo excesso de romantismo.
-Nem de leve falam em “Casablanca”,
Claudiomiro.(*)
-Eu trouxe pra vocês “A Dama Oculta”. -
disse-me o Vagner.
-É um filme da fase inglesa do
Hitchcock. Porque a Inglaterra não participou de Copas do Mundo até 1950 foi
chamada de “A Dama Oculta”.
-E quando jogou, na Copa de 50, foi
derrotada pelos Estados Unidos em Belo Horizonte por 1 a 0. - completou as minhas palavras
o Cláudio.
Luca retornou ao texto do Ruy Castro.
Leu que “O Encouraçado Potemkin” de Eisenstein mantinha o prestígio, como “A
Regra do Jogo” de Jean Renoir.
-Trata-se do filho do grande pintor impressionista.
- não me contive.
E prossegui:
-O cineasta, ainda bem pequeno, foi
pintado pelo pai. É autor de outra obra-prima, “A Grande Ilusão”, muitos a
consideram superior a “A Regra do Jogo”.
Luca não largaria as rédeas da
conversação facilmente.
-Ruy Castro escreveu que “Um Corpo que
Cai” apareceu, pela primeira vez, na lista dos dez melhores, em 1982, em sétimo
lugar. No rol de 1992, estava em quarto lugar, no de 2002, em segundo e, em
2012, superará o imbatível “Cidadão Kane”.
E arrematou:
-Carlinhos quando estranhou a ausência
de “Um Corpo que Cai” naquela relação da Cinemin de que falamos...
-Quero registrar que, para mim, “Cidadão
Kane” está acima de todos os filmes. - intervim.
-Ruy Castro lamentou o desamor ao
Charles Chaplin, que colocava dois filmes entre os dez melhores, e hoje não põe
um só, perde a realeza.
-Orson Welles considerava “Luzes da
Cidade” o melhor filme já feito.
-As pessoas de agora não entendem o
mundo chapliniano. - diagnosticou meu irmão.
-Hoje, é a festa junina da Kiara. O
menino da Jura vai? - cortou o Luca do cenário cinematográfico para o cenário
escolar.
-O neto da irmã da Gina saiu do “Coração
de Maria” para outra escola. Minha sobrinha-neta, a Ana Clara, continua lá,
porque adora a escola. - esclareci.
-As crianças ensaiaram uma dessas
musiquinhas de sucesso que não me agradam. Mas vão dançar também um baião do
Luís Gonzaga. Como é o nome?...
-Não querendo torturar a memória, pediu
ajuda.
-Claudiomiro, como é o nome do baião do
Luís Gonzaga muito conhecido?...
-Luca, não faltam baiões do Luís Gonzaga
conhecidos.
E apontou para o armário com sua
discoteca.
-Certamente, eu tenho o disco.
Para o Luca, o jeito foi telefonar para
casa. A Glória atendeu primeiramente, e ele pediu para passar o telefone para a
neta.
-Minha bonita, qual é a música que você
vai dançar hoje?
Ela citou um grande sucesso atual, cuja
coreografia os jogadores de futebol divulgaram
na comemoração dos seus gols, arrepiando o Luca.
-O baião, Kiara?... Qual é o baião?...
Ela cantou do outro lado da linha, e a
expressão do Luca se iluminou. Depois que desligou o celular, entoou:
-”Eu vou mostrar pra vocês/ como se
dança um baião/ e quem quiser aprender/ é favor prestar atenção.”
-Não lembrou dessa música, Luca? -
reagiu o Vagner, pasmo.
(*) Lista de filmes é coisa de cada um.
Filme bom, mas bom mesmo, é aquele que você vê pela décima vez, quando estava
zapeando na TV e não larga. Casablanca é assim, Vertigo é assim, adoro Da Terra
Nascem os Homens, A Grande Ilusão chega perto, mas ninguém guenta ver Citizen
Kane 3 vezes. O mesmo vale para Ladrões de Bicicletas e outros sofrimentos do
gênero humano. De Luzes da Ribalta, fujo correndo
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