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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3962 Data: 02
de junho de 2012
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82ª VISITA DOS
ESCRITORES À MINHA CASA
Sentado na poltrona lá de casa,
despertei, depois de muito toscanejar, quando vi Olavo Bilac à minha frente.
-Estou pasmo. - reagi.
-Vim assistir à final do campeonato
carioca de futebol, no Engenhão, e resolvi dar uma esticada até aqui.
-O Nélson Rodrigues está, com certeza, evocando
os mortos a saírem de suas tumbas para comparecer à decisão do campeonato
carioca de 2012.
-Sim, eu vim assistir a ela, mas não sou
tricolor, sou botafoguense.
-Eu sei que, apesar de você ter morrido
com pouco mais de 50 anos, em 1918, viu o Botafogo das grandes goleadas e
feitos épicos.
-O futebol no meu tempo era ainda muito
elitizado, o Botafogo, o Fluminense e o Flamengo não permitiam que as pessoas
do povo praticassem o esporte bretão nos seus clubes. No ano seguinte à minha
morte, soube que, finalmente, o Brasil venceu um Campeonato Sul Americano, e
que, um garoto pardo, que era um gênio, compôs o choro “1 a 0” , o resultado da nossa vitória
sobre o Uruguai.
-Olavo Bilac, eu o admiro desde que li
seus poemas nos livros de Linguagem da Escola 9-10 Manoel Bomfim.
-Manoel Bomfim foi um excelente
historiador, nós éramos muito amigos. Escrevemos alguns textos em parceria.
Depois de expressar entusiasmo,
perguntou-me com seriedade.
-O fato de tomar conhecimento da minha
poesia como estudante de calças curtas não foi uma estopada para você?
-Aborrecimento para mim?... De jeito
nenhum. Essa história de não se gostar de Camões, Machado de Assis, Eça de
Queirós, etc, porque, na escola, tiveram de enfrentar longuíssimos períodos
desses autores e analisá-los sintaticamente, é desculpa de quem dá férias
prolongadas aos neurônios.- manifestei-me.
-E quais os meus versos você conheceu
primeiramente?
-Creio que eu estava no terceiro ano
primário, quando tive de decorar...
E recitei os alexandrinos:
“Ama com fé e orgulho a terra em que
nasceste.
Criança, não verás nenhum país como
este.”
Olavo Bilac, que dedicou algumas das
suas obras aos petizes, sorriu.
-Durante muito tempo, fiz a minha parte patrioteira,
até exagerei. Disse até, porque ouvi uma professora falar, que “O Guarani” era
a maior de todas as óperas. Quando meu pai me ouviu, perguntou-me onde eu
aprendera tamanho disparate e mandou-me ouvir Verdi. Depois, amadureci e constatei que me
fantasiaram tudo, até o Brasil. Este verso seu: “Criança, não verás nenhum país
como este...”
-Pois é, a minha intenção era
patriótica, mas...
-Na verdade, você fez humor negro.
-Mesmo longe do estéril turbilhão das
ruas, agindo como poeta, tive a minha participação cívica, como bom republicano
que eu era.
-Eu também cantava, na escola, o Hino à
Bandeira, cujos versos são seus e é um dos que mais gosto.
-Andaram criticando-me o “Salve símbolo
augusto da paz”. Disseram que Augusto da Paz é nome e sobrenome.
-Como eu não conheci, até hoje, um único
Augusto da Paz, não alterei a minha admiração por esse hino.
-Paz e traz é uma rima rica e eu ainda
precisava de uma palavra de três sílabas, iniciada por vogal, para formar o
verso de nove sílabas. Não notei, portanto, que nome e sobrenome de pessoa se
ocultavam aí.
-Você era um parnasiano, detentor de um
nome que é um alexandrino irretocável: Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.
-A união dos meus pais, pelo resultado,
teve as bênçãos do parnasianismo. Não falo para me exaltar.
-Você nasceu em 16 de dezembro de 1865?
-Sim, e morri doze dias depois do meu
aniversário, em 28 de dezembro de 1918, com 53 anos de idade.
-Como se chamava seu pai?
-Brás Martins dos Guimarães Bilac, que
foi médico, trabalhando muito na Guerra do Paraguai. Minha mãe se chamava
Delfina Belmira Gomes de Paula.
-Do seu pomposo nome, ficou Olavo Bilac.
-Uma redondilha menor. - brincou.
-Você, desde pequerrucho, sentia uma
atração irresistível pelas palavras?
-Na escola, eu me deliciava, principalmente,
com os livros de Júlio Verne; eles expandiam a minha fantasia.
-Sei que você foi um aluno aplicado à
frente dos colegas da sua idade.
-Consegui, com 15 anos, antes da idade
exigida, autorização para cursar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas
não era essa a minha inclinação, até então a vontade do meu pai se impunha.
-Não totalmente?... - intervim.
-Não totalmente, pois a condição para eu
assistir às aulas de anatomia era eu trabalhar na redação da Gazeta Acadêmica.
Como o fascínio pelas palavras me subjugava cada vez mais, o Brasil perdeu um
médico. Larguei a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e rumei para as
terras paulistanas com a missão de estudar Direito. Não durou muito, a minha
vocação falou mais alto; retornei ao Rio de Janeiro para escrever.
-E dava para viver? - intrometi-me sem
conseguir escoimar a ironia da minha pergunta.
-Para sobreviver, naquele período, fui
inspetor escolar.
-E como você chegou a esse posto?
-Eu era jornalista, poeta e frequentador
de rodas de boemia, onde se palestrava sobre política e, principalmente,
literatura. Meus contatos nessas rodas conseguiram para mim um cargo público.
-Inspetor escolar. - concluí.
-Para amealhar alguns cobres, servia.
-Não era um cargo à sua altura. Medeiros
e Albuquerque escreveu no seu livro de memórias que você era um conversador
infatigável e cativante, que tinha uma voz muito bem timbrada, que lia e dizia
de um modo perfeito.
-Fui muito amigo dele e do seu irmão,
muito mais novo, que se tornaria um grande médico, Maurício Campos de Medeiros.
-Outro talento seu era para as charadas.
-Apetecia-me decifrá-las. No fim de cada
ano, editavam para o público o Almanaque de Lembranças que consistia em
elucidar charadas, enigmas e logogrifos. Eu dedicava dois, às vezes três dias,
à tarefa de solucionar todo o almanaque. Era necessário ter uma paciência de
chinês, mas ela não me faltava.
-Conheço a Rosa Grieco, filha de um
crítico literário que, quando versejou na juventude, foi influenciado por você,
ela pratica essa mesma ginástica dos neurônios.
-Charadas, enigmas e logogrifos
exercitam, realmente, a nossa mente.
-Dizem que, assim, você se aprontou para
elaborar o seu dicionário analógico da língua portuguesa.
-Talvez.
-E as agruras da política, Olavo Bilac?
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