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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3970
Data: 17 de junho de 2012
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84ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Com a desilusão amorosa, a sua
criatividade irrompeu como um vulcão.
-Eu diria que, sem as amarras jurídicas,
pude atender à minha vocação.
-Foi quando você saiu de Wetzlar e se
estabeleceu em Weimar?
-Sim; escrevi Die Leiden des Jungen
Werther, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, poemas como Prometeus, peças de teatro, algumas
curtas, e dei início ao Faust, “Fausto”.
-”Fausto”, a obra-prima da literatura
alemã. - interferi, extasiado.
E prossegui:
-Como “Werther”, eu conheci “Fausto”
através da música. Essa obra motivou duas grandes óperas, “Mefistófoles”, de
Arrigo Boito, e “Fausto” de Gounod. Quando eu tinha 15 anos de idade, ouvi,
pela Rádio MEC, uma récita do “Mefistófoles”, no Teatro Municipal, com o soprano
Magda Oliviero no papel de Margarida e fiquei embevecido.
-E não se interessou em ler o meu livro,
nessa época?
-Li anos depois. As traduções do
“Fausto” eram criticadas porque, além da dificuldade em verter os seus versos
para o nosso idioma, eram traduções de segunda mão, ou seja, recorria-se aos
tradutores franceses. O eminente poeta português, Antônio Feliciano de
Castilho, traduziu o “Fausto” do francês para a língua de Camões. Eu já estava
com mais de 25 anos de idade quando lançaram uma tradução diretamente do alemão
para a nossa língua, que recebeu elogios comedidos. Comprei o livro, li, mas
lamentei o fato de o tradutor não se aprofundar mais nesse trabalho.
-Depois, falaremos mais do “Fausto”.
-E o seu começo em Weimar, Goethe?
-Carlos Augusto, em 1775, herdou o
governo de Saxe-Weimar-Eisenach e me convidou para conhecer a capital do
ducado. Aceitei, confesso, porque pretendia fruir os prazeres da corte. O
príncipe Carlos Augusto, no entanto, me nomeou ministro e, assim, fiquei
comprometido com alguns setores do governo. Exerci, por isso, serviços
administrativos como inspecionar minas e irrigação do solo.
-Foi nesse período que você conheceu
outra Charlotte?
-Charlotte von Stein, amor que resultou
em duas mil cartas e bilhetes.
-Daria para escrever mais um romance epistolar.
- brinquei.
-Com o trabalho político-administrativo
do dia a dia, ainda encontrei tempo para a poesia. Trabalhei em outra obra,
esta em prosa, “Ifigênia em Táuride”.
Em seguida, voltou-se para mim com a expressão
irônica.
-Já sei: conheceu primeiramente a ópera
e depois leu o livro.
Eu, de fato, conhecera a ópera de Gluck,
mas não havia ainda lido o romance de Goethe; limitei-me a sorrir, apenas.
Ele prosseguiu com as obras da sua lavra
naquele período.
-Egmond...
-Que inspirou a “Abertura Egmond”, de Beethoven.
- adicionei.
-Torquato Tasso...
-Que inspirou o poema sinfônico “Tasso”,
de Franz Liszt.
-”Os Anos de Aprendizado de Wilhelm
Meister e os poemas Wandrers Nachtlied, Grenzen der Menschheit e Das
Göttliche.
-Algum desses poemas é “O Aprendiz de
Feiticeiro”?
-Você deveria estudar alemão. - sugeriu.
-O seu poema ”O Aprendiz de Feiticeiro”
inspirou o scherzzo do compositor Paul Dukas, com o mesmo nome, que, por
sua vez, se transformou num dos maiores desenhos animados já feitos, do filme
“Fantasia”, de Walt Disney, protagonizado pelo Mickey Mouse.
-Eu escrevi “O Aprendiz de Feiticeiro”
em 1797.
-Mas certamente muitos dos poemas que
você citou foram musicados por Franz Schubert e Robert Schumann, os dois
maiores criadores de lied que existiram.
-Estamos, neste pequeno resumo das
minhas memórias, em 1780.
-Isso.- confirmei.
-Em 1780, um pouco antes, um pouco
depois, a minha curiosidade intelectual se voltou para as ciências naturais:
geologia, botânica, osteologia...
-Lembro-me que, quando estudei botânica,
na 2ª série ginasial, a professora falou que a definição de flores era sua:
folhas modificadas. Sei que havia maiores complexidades, mas ela se restringiu
a isso. - interrompi.
-Você se recorda de eu ter falado em Johann Gottfried Herder ?
-Sim, o teólogo que lhe abriu as portas
para a leitura de Homero, Shakesperare e Ossian.
-Correto; eu e ele nos tornamos membro
de uma sociedade secreta, os Illuminati.
-Illuminati?... - expressei estranheza.
-Era a Maçonaria Iluminada, que alcançou
grande prestígio entre os intelectuais europeus. O governo da Baviera, temendo
conspirações, proibiu as reuniões dos Illuminati.
-E o seu trabalho na administração
pública de Weimar e seu relacionamento com Charlotte von Stein?
-Naquela altura da minha vida, eu entrei
em crise, tudo me entendiava; precisava renascer como as águias que envelhecem.
-E o que você fez?
-Sem avisar a ninguém, e usando um
pseudônimo, pois fiquei conhecido na Europa com “Os Sofrimentos do Jovem
Werther”, parti para a Itália.
-Partiu em 1786?
-Sim, e fiquei na Itália durante dois
anos; passando por Verona, Veneza, Lago di Garda, Roma. De Roma, onde fiquei
mais tempo, visitei Nápoles e Sicília.
-Infelizmente, ainda não li as suas
impressões sobre a Itália, mas soube de leitores que reclamaram do fato de você
dedicar muitas páginas à observação das pedras.
-Eu olhava as pedras italianas como um
estudioso de geologia.
-No Brasil, José Bonifácio e a Princesa
Leopoldina de Habsburgo mantinham longas conversas acadêmicas sobre as pedras
brasileiras.
-Na Itália, fascinaram-me as construções
e obras de arte da antiguidade clássica e renascentista. Encantaram-me,
sobremaneira, as obras de Rafael e Andrea Palladio.
-Com certeza, você não parou de criar.
-Desenhei muito, eu tinha de reproduzir
aquelas belezas no papel. Como fui grato ao meu aprendizado de desenho,
xilografura e gravura em metal.
-Um economista brasileiro, Roberto
Campos, citava por diversas vezes uma anotação sua, quando um guia turístico
não soube explicar de maneira cristalina uma pintura, recorrendo a frases sem
sentido.
-Lembro-me desse caso; quando pediram ao
guia para ser mais claro, ele disse: “Aqui, na Itália, para se entender alguma
coisa, é preciso de um pouco de confusão.” Eu anotei, prontamente, essa frase.
-Quando você voltou a Weimar, depois da
longa ausência, conheceu a mãe do futuro filósofo do pessimismo, como ficou
conhecido, Johana Schopenhauer? - cuidei de não colocar veneno algum nas minhas
palavras.
-Mãe e filho não se entendiam muito bem,
embora ela fosse uma animadora cultural, como se diz hoje.
-Depois, você conheceu Christiane
Vulpius, uma jovem de 23 anos, de origem simples e sem colocação na sociedade
burguesa.
-Casamos em 1806 e só nos separamos
quando ela faleceu, em 1816.
-No ano do seu casamento, as tropas
francesas entraram em
Weimar. Foi quando se avistou com Napoleão Bonaparte, e
ele disse sobre você: “Aqui está um homem.”
-Isso foi em 1808, no Congresso de
Erfurt, quando ele me condecorou.
E mostrou-se aflito:
-Tenho de partir e não falei de
Schiller.
-Outro gênio da literatura alemã. -
frisei.
-Infelizmente, ele morreu cedo, o que me
arrasou, mas com o seu incentivo, retomei a escrita do “Fausto”. Após 16 anos
de trabalho, finalizei o livro em 1830, dois anos depois, em 1832, morri.
-Morreu só fisicamente. - disse,
enquanto se volatizava à minha frente.
Gostei muito dessa forma de abordar a vida de Goethe. Foi uma leitura gostosa.
ResponderExcluirUm abraço,
Lu