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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3963 Data:
03 de junho de 2012
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82ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA
2ª PARTE
-E as agruras da política, Olavo Bilac?
- insisti na pergunta.
-Apesar dos bons serviços prestados pela
minha família ao imperador, tornei-me republicano. Eu redigia as minhas ideias
políticas nos jornais, e enquanto o Marechal Deodoro da Fonseca foi presidente
da República não houve problemas.
-E também quando D. Pedro II foi
imperador?- interrompi.
-Em 1891, com a dissolução do parlamento
e a posse do Marechal Floriano Peixoto, o cenário político nublou. Eu escrevia
n' “O Combate”, órgão antiflorianista. Com a instalação do estado de sítio,
prenderam-me, e passei quatro meses na Fortaleza da Laje, no Rio de Janeiro.
-Recebeu uma bolsa em dinheiro do estado
por essa violência?
-Sou do tempo em que se fazia política
por idealismo, não por investimento.
-Li, alhures, que você passou uma
temporada de confinamento em
Ouro Preto , e lá provocou uma confusão dos diabos porque
disse que as moças dormiam com as galinhas e acordavam com os galos.
-Atribuíram frases a mim, sonetos
satíricos... Houve um soneto em que Raul Braga era chamado de bêbado e pateta,
além de outros elogios, que disseram que era da minha lavra. O ofendido andou
no meu encalço para me matar.
-Graças a você, a rapaziada de 18 anos
tem de servir o Exército.
-Não é bem assim. O serviço militar
obrigatório era matéria de lei desde 1907, e foi discutido em 1915. Eu liderei
a campanha em prol do serviço militar e convenci os jovens a se alistarem em
diversas palestras.
-Teceram loas e mais loas ao seu talento
de conferencista.
-Foi meu amigo Medeiros e Albuquerque
que, retornando de Paris, em 1906, que tratou de pôr em moda as conferências
literárias remuneradas no Rio de Janeiro. Eu, ele e Coelho Neto amealhamos
alguns cobres.
-Ele escreveu que você superava a todos,
mas que essas conferências eram frequentadas também por senhoras e mocinhas que
pouco ou nada entendiam de literatura, eram catedráticas em ler as vitrines das
lojas da rua do Ouvidor, o que obrigava ao palestrante não elevar o nível, pois
não seria entendido por todos.
-Isso não impedia Coelho Neto de retirar
palavras do fundo do baú, espanar a poeira e lançá-las nas suas conferências. -
sorriu Olavo Bilac.
-Eu sei; ele colocou um “crisol” no hino
do Fluminense que ninguém canta porque não entende.
-Coelho Neto era fanático pelo clube das
Laranjeiras. - frisou o botafoguense Olavo Bilac.
-No seu livro de estreia, encontra-se o
soneto “Lendo Homero”.
-E eu nunca tinha lido Homero. Mais
tarde, tentei ler o consagrado poeta grego, mas não consegui.
-”O poeta é um fingidor”, como
escreveria mais tarde Fernando Pessoa?
-Se o poeta não fingisse, haveria um
estrago para as artes maior do que dez incêndios da biblioteca de Alexandria.
-Afinal, foi você ou Santos Dumont quem
dirigiu o primeiro carro no Brasil?
-Santos Dumont era filho de um abastado
proprietário de fazenda de café e vivia em Paris. José do
Patrocínio trouxe para o Rio de Janeiro um automóvel da marca Serpollet,
em 1897 e eu o dirigi na Estrada da Tijuca.
-Muita coragem a sua.
-Mesmo possuindo os tentáculos de um
polvo, eu não conseguia manejar todas aquelas peças do carro à minha
disposição, assim, abalroei uma árvore. Fui, com toda certeza, o primeiro
brasileiro a sofrer um acidente automobilístico.
-Voltando ao seu amigo Medeiros e
Albuquerque, ele escreveu que José do Patrocínio, “um grande corruptor”,
exerceu uma influência nefasta sobre muita gente e que você, na sua mocidade,
foi uma delas.
-Eu não esvaziei copos de bebida
alcoólica porque José do Patrocínio era dado a bebedeiras.
-Ele disse que quando você foi inspetor
escolar, sendo ele Diretor de Instrução, você se portou como um excelente
funcionário, exato, pontual, metódico. Declarou que, como membro da Academia
Brasileira de Letras, você se incumbiu de pôr em ordem o arquivo de lá, que era
um verdadeiro caos, e que você se desempenhou admiravelmente nessa tarefa.
-O meu dicionário analógico também
colocou à prova o meu espírito de método. Eu tinha pastas em que se
classificavam as seções já escritas, tudo ordenado, arranjado, arrumado.
-Conte como recebeu o título de Príncipe
dos Poetas do Brasil.
-Eu estava em Paris, quando fui
informado que a revista Fon-Fon patrocinou a eleição para Príncipe dos
Poetas. Enviei, então, o meu voto em Alberto de Oliveira. Computados os votos,
tive a satisfação de saber que os meus pares foram generosos comigo e recebi
esse título.
-Soube-se, anos depois, que o mais
votado foi Alberto de Oliveira, ficando você em segundo lugar. A direção da
revista considerou que o público não aprovaria essa decisão e, assim, inverteu
a colocação. Não resta dúvida que Alberto de Oliveira se destacou como poeta,
mas os versos parnasianos que ainda são lembrados, com 100 anos transcorridos,
são os seus.
-Muitos foram esquecidos.
-Recordo-me que, no curso ginasial, a
professora se referia à sua paixão pela irmã do poeta Alberto de Oliveira,
Amélia de Oliveira.
-Chegamos ao noivado, mas um irmão dela,
não o poeta, se opôs ao casamento. Fiquei, depois, noivo da filha de um
violonista, Maria Selika, mas não deu certo. Eu, na verdade, não me ajustava à
vida a dois.
-Sua amizade com Alberto de Oliveira
prosseguiu, apesar do rompimento com a irmã dele?
-Sim, ele, além de grande poeta era
farmacêutico. Certa vez, Alberto de Oliveira entrou no bonde e teve como
vizinho Catulo da Paixão Cearense, autor de letras para modinhas, algumas delas
surrupiadas. Vendo o poeta ao seu lado, Catulo da Paixão Cearense o chamou de
“colega”, Alberto de Oliveira, fingindo ingenuidade, lhe perguntou: “O senhor também
é farmacêutico?”
-As pessoas que privavam da sua
intimidade diziam que você era morbidamente impressionável. Se alguém o achasse
mais pálido ou mais magro, você se julgava gravemente doente. Também sofria de
Transtorno Obsessivo Compulsivo, caso estivesse numa sala com os quadros mal
pendurados, não se continha e pedia licença para ajeitá-los na parede.
Como resposta, Olavo Bilac rumou até a
janela e a abriu, deixando o radiante sol entrar.
-Foi com um tempo igual e esse que
escrevi o poema “In Extremis”.
E recitou:
“Nunca morrer assim! Nunca morrer num
dia
Assim!
De um sol assim!”
-Você era hipocondríaco, e ainda
encontrou médicos sem a menor psicologia para alarmá-lo ainda mais.
-Um deles, o Dr. Bensaúde (o nome já é
uma ironia amarga) disse-me à queima-roupa que eu poderia morrer a qualquer
momento. Meus amigos Manoel Bomfim e Medeiros e Albuquerque me socorreram
levando-me a outro médico. Fizeram o possível e o impossível para me ajudar,
mas a sentença estava assinada: eu tinha um aneurisma na artéria subclávia. Em
1918, com 53 anos, eu morri.
Depois de dizer que faltava um minuto
para partir, pôs-se a recitar, com a sua bela voz, o poema que interrompera
minutos antes:
In Extremis
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Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim! Tu, desgrenhada e fria, Fria! postos nos meus os teus olhos molhados, E apertando nos teus os meus dedos gelados... E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera Toda azul, no esplendor do fim da primavera! Asas, tontas de luz, cortando o firmamento! Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo... E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo! Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte, E arredar-me de ti, cada vez mais, a morte... Eu, com o frio a crescer no coração, — tão cheio De ti, até no horror do derradeiro anseio! Tu, vendo retorcer-se amarguradamente, A boca que beijava a tua boca ardente, A boca que foi tua! E eu morrendo! e eu morrendo Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo Tão bela palpitar nos teus olhos, querida, A delícia da vida! a delícia da vida! http://www.freefoto.com/images/21/64/21_64_45---1900-Gardner-Serpollet--steam-D-5633--London-to-Brighton-Veteran-Car-Run-2002_web.jpg |
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O Serpollet de José do Patrocínio antes de Olavo por as
mãos.
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