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terça-feira, 12 de junho de 2012

2163 - leva e traz, paz e trazb


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3963                                          Data: 03 de junho de 2012
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82ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA
2ª PARTE

-E as agruras da política, Olavo Bilac? - insisti na pergunta.
-Apesar dos bons serviços prestados pela minha família ao imperador, tornei-me republicano. Eu redigia as minhas ideias políticas nos jornais, e enquanto o Marechal Deodoro da Fonseca foi presidente da República não houve problemas.
-E também quando D. Pedro II foi imperador?- interrompi.
-Em 1891, com a dissolução do parlamento e a posse do Marechal Floriano Peixoto, o cenário político nublou. Eu escrevia n' “O Combate”, órgão antiflorianista. Com a instalação do estado de sítio, prenderam-me, e passei quatro meses na Fortaleza da Laje, no Rio de Janeiro.
-Recebeu uma bolsa em dinheiro do estado por essa violência?
-Sou do tempo em que se fazia política por idealismo, não por investimento.
-Li, alhures, que você passou uma temporada de confinamento em Ouro Preto, e lá provocou uma confusão dos diabos porque disse que as moças dormiam com as galinhas e acordavam com os galos.
-Atribuíram frases a mim, sonetos satíricos... Houve um soneto em que Raul Braga era chamado de bêbado e pateta, além de outros elogios, que disseram que era da minha lavra. O ofendido andou no meu encalço para me matar.
-Graças a você, a rapaziada de 18 anos tem de servir o Exército.
-Não é bem assim. O serviço militar obrigatório era matéria de lei desde 1907, e foi discutido em 1915. Eu liderei a campanha em prol do serviço militar e convenci os jovens a se alistarem em diversas palestras.
-Teceram loas e mais loas ao seu talento de conferencista.
-Foi meu amigo Medeiros e Albuquerque que, retornando de Paris, em 1906, que tratou de pôr em moda as conferências literárias remuneradas no Rio de Janeiro. Eu, ele e Coelho Neto amealhamos alguns cobres.
-Ele escreveu que você superava a todos, mas que essas conferências eram frequentadas também por senhoras e mocinhas que pouco ou nada entendiam de literatura, eram catedráticas em ler as vitrines das lojas da rua do Ouvidor, o que obrigava ao palestrante não elevar o nível, pois não seria entendido por todos.
-Isso não impedia Coelho Neto de retirar palavras do fundo do baú, espanar a poeira e lançá-las nas suas conferências. - sorriu Olavo Bilac.
-Eu sei; ele colocou um “crisol” no hino do Fluminense que ninguém canta porque não entende.
-Coelho Neto era fanático pelo clube das Laranjeiras. - frisou o botafoguense Olavo Bilac.
-No seu livro de estreia, encontra-se o soneto “Lendo Homero”.
-E eu nunca tinha lido Homero. Mais tarde, tentei ler o consagrado poeta grego, mas não consegui.
-”O poeta é um fingidor”, como escreveria mais tarde Fernando Pessoa?
-Se o poeta não fingisse, haveria um estrago para as artes maior do que dez incêndios da biblioteca de Alexandria.
-Afinal, foi você ou Santos Dumont quem dirigiu o primeiro carro no Brasil?
-Santos Dumont era filho de um abastado proprietário de fazenda de café e vivia em Paris. José do Patrocínio trouxe para o Rio de Janeiro um automóvel da marca Serpollet, em 1897 e eu o dirigi na Estrada da Tijuca.
-Muita coragem a sua.
-Mesmo possuindo os tentáculos de um polvo, eu não conseguia manejar todas aquelas peças do carro à minha disposição, assim, abalroei uma árvore. Fui, com toda certeza, o primeiro brasileiro a sofrer um acidente automobilístico.
-Voltando ao seu amigo Medeiros e Albuquerque, ele escreveu que José do Patrocínio, “um grande corruptor”, exerceu uma influência nefasta sobre muita gente e que você, na sua mocidade, foi uma delas.
-Eu não esvaziei copos de bebida alcoólica porque José do Patrocínio era dado a bebedeiras.
-Ele disse que quando você foi inspetor escolar, sendo ele Diretor de Instrução, você se portou como um excelente funcionário, exato, pontual, metódico. Declarou que, como membro da Academia Brasileira de Letras, você se incumbiu de pôr em ordem o arquivo de lá, que era um verdadeiro caos, e que você se desempenhou admiravelmente nessa tarefa.
-O meu dicionário analógico também colocou à prova o meu espírito de método. Eu tinha pastas em que se classificavam as seções já escritas, tudo ordenado, arranjado, arrumado.
-Conte como recebeu o título de Príncipe dos Poetas do Brasil.
-Eu estava em Paris, quando fui informado que a revista Fon-Fon patrocinou a eleição para Príncipe dos Poetas. Enviei, então, o meu voto em Alberto de Oliveira. Computados os votos, tive a satisfação de saber que os meus pares foram generosos comigo e recebi esse título.
-Soube-se, anos depois, que o mais votado foi Alberto de Oliveira, ficando você em segundo lugar. A direção da revista considerou que o público não aprovaria essa decisão e, assim, inverteu a colocação. Não resta dúvida que Alberto de Oliveira se destacou como poeta, mas os versos parnasianos que ainda são lembrados, com 100 anos transcorridos, são os seus.
-Muitos foram esquecidos.
-Recordo-me que, no curso ginasial, a professora se referia à sua paixão pela irmã do poeta Alberto de Oliveira, Amélia de Oliveira.
-Chegamos ao noivado, mas um irmão dela, não o poeta, se opôs ao casamento. Fiquei, depois, noivo da filha de um violonista, Maria Selika, mas não deu certo. Eu, na verdade, não me ajustava à vida a dois.
-Sua amizade com Alberto de Oliveira prosseguiu, apesar do rompimento com a irmã dele?
-Sim, ele, além de grande poeta era farmacêutico. Certa vez, Alberto de Oliveira entrou no bonde e teve como vizinho Catulo da Paixão Cearense, autor de letras para modinhas, algumas delas surrupiadas. Vendo o poeta ao seu lado, Catulo da Paixão Cearense o chamou de “colega”, Alberto de Oliveira, fingindo ingenuidade, lhe perguntou: “O senhor também é farmacêutico?”
-As pessoas que privavam da sua intimidade diziam que você era morbidamente impressionável. Se alguém o achasse mais pálido ou mais magro, você se julgava gravemente doente. Também sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo, caso estivesse numa sala com os quadros mal pendurados, não se continha e pedia licença para ajeitá-los na parede.
Como resposta, Olavo Bilac rumou até a janela e a abriu, deixando o radiante sol entrar.
-Foi com um tempo igual e esse que escrevi o poema “In Extremis”.
E recitou:
“Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim!  De um sol assim!”
-Você era hipocondríaco, e ainda encontrou médicos sem a menor psicologia para alarmá-lo ainda mais.
-Um deles, o Dr. Bensaúde (o nome já é uma ironia amarga) disse-me à queima-roupa que eu poderia morrer a qualquer momento. Meus amigos Manoel Bomfim e Medeiros e Albuquerque me socorreram levando-me a outro médico. Fizeram o possível e o impossível para me ajudar, mas a sentença estava assinada: eu tinha um aneurisma na artéria subclávia. Em 1918, com 53 anos, eu morri.
Depois de dizer que faltava um minuto para partir, pôs-se a recitar, com a sua bela voz, o poema que interrompera minutos antes:

In Extremis


Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
E arredar-me de ti, cada vez mais, a morte...

Eu, com o frio a crescer no coração, — tão cheio
De ti, até no horror do derradeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!

E eu morrendo! e eu morrendo
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! a delícia da vida! 

http://www.freefoto.com/images/21/64/21_64_45---1900-Gardner-Serpollet--steam-D-5633--London-to-Brighton-Veteran-Car-Run-2002_web.jpg

O Serpollet de José do Patrocínio antes de Olavo por as mãos.

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