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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4880 Data: 02 de junho de 2014
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O RÁDIO MEMÓRIA ESTENDE O TAPETE VERMELHO...
1ª PARTE
Pronto: já havia um grande acontecimento
para o Rádio Memória no dia 1º de junho, por isso, não houve necessidade de o
Homem-Calendário trabalhar nesse domingo.
-Hoje nós recebemos... - salientou o
Jonas Vieira a surpresa nas reticências.
-É o nosso recorde. - sublinhou o Sérgio
Fortes.
-Quem é a fera?... Descreve, Sérgio? -
continuaram sustentando o suspense.
-Bem, depois que nós, brasileiros,
ficamos sabendo que o curriculum vitae do Ricardo Lewandowski
preenche 123 páginas e o do Joaquim Barbosa, apenas uma, a quantidade ficou
desmoralizada; talvez, por isso, os dois apresentadores do programa não se
alongaram nas múltiplas funções exercidas pelo Ferreira Gullar até hoje.
Mas o seu primeiro cargo não deixou de
ser citado: locutor da Rádio Timbira em São Luís. Foi a brecha para Ferreira
Gullar discorrer, no Rádio Memória, sobre o primeiro dos muitos casos que viveu.
Foi demitido da emissora porque se negou
a repercutir uma notícia mentirosa para ser readmitido, posteriormente, devido
aos ventos políticos favoráveis. Tudo isso contado de uma maneira descontraída,
que arrancava gargalhadas de todos.
-Hoje, muitas notícias mentirosas são lidas.
- não deixou o Sérgio Fortes, sem sair do clima de humor, de alfinetar a mídia.
E veio, não uma atração musical, mas
poética. Ferreira Gular pôs-se a ler seu poema “Fica o dito por não dito”, não
deixando dúvidas que um dia trabalhara na locução.
“... o poeta
que grita
erra
e como sabe
bom poeta (ou cabrito)
não berra.”
E como Ferreira Gullar, apesar dos
muitos anos atribulados da sua vida, não berrou, passou a ser tratado por
poeta, muitas vezes, no programa.
-Qual o impacto de um maranhense, com 21
anos de idade, chegando ao Rio de Janeiro?- expressou o Sérgio Fortes a sua
curiosidade.
-Fiquei apavorado com a quantidade de
carros. - confessou.
-Quase voltou para o Maranhão. - brincou
o Sérgio Fortes.
E Ferreira Gullar apresentou as razões
de ter vindo para a Capital Federal do Brasil, que pode ser resumida nessas
suas palavras: “São Luís não satisfazia mais a minha curiosidade cultural”.
-Você pegou um ita do norte?- reportou o
Jonas Vieira a outro ilustre brasileiro que deixou sua terra natal pelo Rio de
Janeiro.
Quando Ferreira Gullar informou que
viera no Lóide Aéreo, companhia aérea fundada em 1938, foi interrompido pelo
Jonas Vieira:
-Que coragem!
E por um abismado Sérgio Fortes:
-Dez horas de voo!...
Arrancando mais risos, Ferreira Gullar
disse que, hoje, quando as aparelhagens dos aviões são mais sofisticadas, o seu
medo aumentou.
Na despedida, contou que recebeu do pai
um anel para ajudá-lo em caso de passar por agruras na capital do Brasil.
Tratava-se de um amuleto da sorte, mas o poeta viu o presente como uma joia e
quando, precisando de dinheiro, intentou vendê-lo, descobriu que as pedras eram
falsas.
Com histórias tão hilariantes e
inusitadas, Jonas Vieira não resistiu à tentação e lhe perguntou sobre a sua
intenção em escrever as suas memórias.
-Não escreverei a minha autobiografia em
hipótese alguma. - disse taxativamente.
E prosseguiu:
-Tudo o que teve interesse para mim está
nos meus poemas. A realidade (ou o dia a dia) era uma chatice. Eu vou escrever
sobre a quitanda do meu pai?...
Como
é um democrata, não impediria quem se disponibilizasse a escrevê-la.
-Gullar escreve todos os domingos na
Folha de São Paulo e a sua crônica é uma das minhas leituras obrigatórias. -
frisou o titular do Rádio Memória.
E continuou:
-E lá escreveu sobre o seu exílio em
Buenos Aires.
Seduzido pelo esoterismo, pediu-lhe que
falasse da vidente que conheceu lá. O poeta teve, então, de aludir a seu filho
esquizofrênico, Paulo, mas sem deixar que, embora tenha vivido um drama, as
cores escuras da vida prevalecessem.
Devido a um surto psicótico, seu filho
sumiu em Buenos Aires. Uma militante do partido comunista lhe indicou uma
vidente (não sei se Marx aprovaria esse flerte com o sobrenatural). A vidente
conseguiu localizar o rapaz.
-Depois, o Vinícius de Moraes se
apresentou em Buenos Aires e o pianista que o acompanhava, Tenório Júnior, foi
comprar cocaína e sumiu. Vinícius acionou a embaixada do Brasil para
encontrá-lo, e nada.
Ao saber do caso, Ferreira Gullar se
lembrou logo da vidente que descobrira
seu filho.
A filha do Drummond, Maria Julieta, que
casara com um argentino e vivia em Buenos Aires, na época, também procurou
ajudar o Vinícius de Moraes na sua busca. Então, com a presença da namorada do
desaparecido, Ferreira Gullar telefonou para a vidente e lhe contou o caso.
-A voz da vidente logo mudava. - frisou.
-Ela descobriu que a namorada do Tenório
Júnior estava lá, comigo...
-Que coisa!... intervieram para
expressar o seu espanto o Sérgio Fortes e o Jonas Vieira.
-A
primeira coisa que a vidente disse foi que a namorada do Tenório Júnior voltasse
imediatamente para o Brasil; procurei, então, o Vinícius que tomou logo todas
as providências para esse retorno.
A vidente lhe disse que se comunicava
mentalmente com as pessoas distantes e que, no caso do pianista, ela não
conseguia, o que significa que ele estivesse morto ou inconsciente.
Em novo contato, a vidente lhe informou
que Tenório Júnior fora espancado até a morte.
-O que certamente aconteceu, pois ele
nunca foi encontrado. - concluiu o Ferreira Gullar.
-O que é extraordinário é essa
vidente!... - exclamou o Jonas Vieira.
Mais uma vez se impunha a observação que
Hamlet fez a Horácio:
“Há mais coisas entre o céu e a terra do
que sonha nossa vã filosofia.”
Sem dúvida alguma, Ferreira Gullar é uma
personalidade solar, pois ao se referir à nova abordagem sua à vidente, porque
seu filho sumira de novo, arrancou risos de todos.
-Ela me pediu uma peça de roupa do Paulo
e eu levei. A vidente me disse, então,
que ele saía da Argentina e entrava no Brasil.
Transcorrido um tempo, o poeta recebeu
uma carta e ficou sabendo que, em São Paulo, seu filho ficara ao relento, sob
chuva, num terreno baldio. Um bom samaritano o socorreu, levando-o para casa e
conseguiu obter dele um endereço de contato, o que justificava a carta que
recebera.
-Sabendo que seria localizado, ele fugiu
no dia seguinte.
E prosseguiu contando que o rapaz estava
à beira de uma estrada, com pneumonia, quando foi ajudado por freiras que o
abrigaram num convento. Dessa vez, ele deu um endereço do Rio de Janeiro, e
para cá foi trazido e posteriormente internado.
Era um dolorido drama, mas foi narrado
de um modo que não deu brecha para a tristeza entrar e se estabelecer.
E, de imediato, entrou a voz do poeta
recitando o poema “Desordem”.
E a segunda parte, quando vem?...
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