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quarta-feira, 4 de junho de 2014

2630 - vidente exata



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4880                                   Data:  02  de  junho de 2014
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O RÁDIO MEMÓRIA ESTENDE O TAPETE VERMELHO...
1ª PARTE

Pronto: já havia um grande acontecimento para o Rádio Memória no dia 1º de junho, por isso, não houve necessidade de o Homem-Calendário trabalhar nesse domingo.
-Hoje nós recebemos... - salientou o Jonas Vieira a surpresa nas reticências.
-É o nosso recorde. - sublinhou o Sérgio Fortes.
-Quem é a fera?... Descreve, Sérgio? - continuaram sustentando o suspense.
-Bem, depois que nós, brasileiros, ficamos sabendo que o curriculum vitae do Ricardo Lewandowski preenche 123 páginas e o do Joaquim Barbosa, apenas uma, a quantidade ficou desmoralizada; talvez, por isso, os dois apresentadores do programa não se alongaram nas múltiplas funções exercidas pelo Ferreira Gullar até hoje.
Mas o seu primeiro cargo não deixou de ser citado: locutor da Rádio Timbira em São Luís. Foi a brecha para Ferreira Gullar discorrer, no Rádio Memória, sobre o primeiro dos muitos casos que viveu.
Foi demitido da emissora porque se negou a repercutir uma notícia mentirosa para ser readmitido, posteriormente, devido aos ventos políticos favoráveis. Tudo isso contado de uma maneira descontraída, que arrancava gargalhadas de todos.
-Hoje, muitas notícias mentirosas são lidas. - não deixou o Sérgio Fortes, sem sair do clima de humor, de alfinetar a mídia.
E veio, não uma atração musical, mas poética. Ferreira Gular pôs-se a ler seu poema “Fica o dito por não dito”, não deixando dúvidas que um dia trabalhara na locução.
“... o poeta
que grita
erra
e como sabe
bom poeta (ou cabrito)
não berra.”

E como Ferreira Gullar, apesar dos muitos anos atribulados da sua vida, não berrou, passou a ser tratado por poeta, muitas vezes, no programa.
-Qual o impacto de um maranhense, com 21 anos de idade, chegando ao Rio de Janeiro?- expressou o Sérgio Fortes a sua curiosidade.
-Fiquei apavorado com a quantidade de carros. - confessou.
-Quase voltou para o Maranhão. - brincou o Sérgio Fortes.
E Ferreira Gullar apresentou as razões de ter vindo para a Capital Federal do Brasil, que pode ser resumida nessas suas palavras: “São Luís não satisfazia mais a minha curiosidade cultural”.
-Você pegou um ita do norte?- reportou o Jonas Vieira a outro ilustre brasileiro que deixou sua terra natal pelo Rio de Janeiro.
Quando Ferreira Gullar informou que viera no Lóide Aéreo, companhia aérea fundada em 1938, foi interrompido pelo Jonas Vieira:
-Que coragem!
E por um abismado Sérgio Fortes:
-Dez horas de voo!...
Arrancando mais risos, Ferreira Gullar disse que, hoje, quando as aparelhagens dos aviões são mais sofisticadas, o seu medo aumentou.
Na despedida, contou que recebeu do pai um anel para ajudá-lo em caso de passar por agruras na capital do Brasil. Tratava-se de um amuleto da sorte, mas o poeta viu o presente como uma joia e quando, precisando de dinheiro, intentou vendê-lo, descobriu que as pedras eram falsas.
Com histórias tão hilariantes e inusitadas, Jonas Vieira não resistiu à tentação e lhe perguntou sobre a sua intenção em escrever as suas memórias.
-Não escreverei a minha autobiografia em hipótese alguma. - disse taxativamente.
E prosseguiu:
-Tudo o que teve interesse para mim está nos meus poemas. A realidade (ou o dia a dia) era uma chatice. Eu vou escrever sobre a quitanda do meu pai?...
  Como é um democrata, não impediria quem se disponibilizasse a escrevê-la.
-Gullar escreve todos os domingos na Folha de São Paulo e a sua crônica é uma das minhas leituras obrigatórias. - frisou o titular do Rádio Memória.
E continuou:
-E lá escreveu sobre o seu exílio em Buenos Aires.
Seduzido pelo esoterismo, pediu-lhe que falasse da vidente que conheceu lá. O poeta teve, então, de aludir a seu filho esquizofrênico, Paulo, mas sem deixar que, embora tenha vivido um drama, as cores escuras da vida prevalecessem.
Devido a um surto psicótico, seu filho sumiu em Buenos Aires. Uma militante do partido comunista lhe indicou uma vidente (não sei se Marx aprovaria esse flerte com o sobrenatural). A vidente conseguiu localizar o rapaz.
-Depois, o Vinícius de Moraes se apresentou em Buenos Aires e o pianista que o acompanhava, Tenório Júnior, foi comprar cocaína e sumiu. Vinícius acionou a embaixada do Brasil para encontrá-lo, e nada.
Ao saber do caso, Ferreira Gullar se lembrou logo da vidente que descobrira  seu filho.
A filha do Drummond, Maria Julieta, que casara com um argentino e vivia em Buenos Aires, na época, também procurou ajudar o Vinícius de Moraes na sua busca. Então, com a presença da namorada do desaparecido, Ferreira Gullar telefonou para a vidente e lhe contou o caso.
-A voz da vidente logo mudava. - frisou.
-Ela descobriu que a namorada do Tenório Júnior estava lá, comigo...
-Que coisa!... intervieram para expressar o seu espanto o Sérgio Fortes e o Jonas Vieira.
 -A primeira coisa que a vidente disse foi que a namorada do Tenório Júnior voltasse imediatamente para o Brasil; procurei, então, o Vinícius que tomou logo todas as providências para esse retorno.
A vidente lhe disse que se comunicava mentalmente com as pessoas distantes e que, no caso do pianista, ela não conseguia, o que significa que ele estivesse morto ou inconsciente.
Em novo contato, a vidente lhe informou que Tenório Júnior fora espancado até a morte.
-O que certamente aconteceu, pois ele nunca foi encontrado. - concluiu o Ferreira Gullar.
-O que é extraordinário é essa vidente!... - exclamou o Jonas Vieira.
Mais uma vez se impunha a observação que Hamlet fez a Horácio:
“Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.”
Sem dúvida alguma, Ferreira Gullar é uma personalidade solar, pois ao se referir à nova abordagem sua à vidente, porque seu filho sumira de novo, arrancou risos de todos.  
-Ela me pediu uma peça de roupa do Paulo e eu levei.  A vidente me disse, então, que ele saía da Argentina e entrava no Brasil.
Transcorrido um tempo, o poeta recebeu uma carta e ficou sabendo que, em São Paulo, seu filho ficara ao relento, sob chuva, num terreno baldio. Um bom samaritano o socorreu, levando-o para casa e conseguiu obter dele um endereço de contato, o que justificava a carta que recebera.
-Sabendo que seria localizado, ele fugiu no dia seguinte.
E prosseguiu contando que o rapaz estava à beira de uma estrada, com pneumonia, quando foi ajudado por freiras que o abrigaram num convento. Dessa vez, ele deu um endereço do Rio de Janeiro, e para cá foi trazido e posteriormente internado.
Era um dolorido drama, mas foi narrado de um modo que não deu brecha para a tristeza entrar e se estabelecer.
E, de imediato, entrou a voz do poeta recitando o poema “Desordem”.


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