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segunda-feira, 2 de junho de 2014

2624 - Falta alguém no SAMDU



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4874                                        Data:23  de  maio de 2014
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ALGUÉM VOOU DO NINHO NO SABADOIDO

-Como o Ney Matogrosso está sendo patrulhado! - exclamou meu irmão depositando o Globo sobre a mesa.
-Por causa da entrevista que ele concedeu em Portugal?!... Não disse mentiras. - manifestei-me.
-Colocaram o vídeo dessa entrevista na internet; não vi, mais sei o que ele falou. - disse o Claudio.
-Depois de o Lula ter ido lá para distorcer a realidade brasileira, dizendo, inclusive, que não houve mensalão, era preciso que alguém mostrasse aos portugueses algumas das mazelas deste país. - assinalei.
-Ele falou da saúde, não foi?
-Falou, Cláudio; disse que, nos anos passados, a saúde no Brasil era até um modelo a ser imitado pelos outros países sul-americanos, e que, hoje, está abandonada.
Meu irmão, com um menear de cabeça, não desconcordou e eu prossegui.
-Sobre essa questão de atendimento hospitalar, posso falar de cadeira... ou de maca. Quando você quebrou o meu dente com um tamanco...
-Eu quebrei o seu dente?...
-Claudio, a mamãe tinha acabado de me dar banho. Eu tinha uns 5 anos, estava enrolado na toalha no colo dela. Você pegou o tamanco do papai e varejou sobre mim. Com o dente engolido, parei no SAMDU, onde fui prontamente atendido.
-Ainda não me lembro. - fez-se de desentendido com um sorrisinho no canto da boca.
-Outra vez, brincávamos de mocinho e bandido com revólver de espoleta num terreno baldio. A mamãe, fora de si com a nossa arte, não notou que pegara o cinto pelo lado errado, quando correu atrás de nós e me quebrou a cabeça com a fivela do dito cujo. Ela, desesperada, me carregou para o hospital, por causa de um fiozinho de sangue e logo os médicos me atenderam; ainda perguntaram à mamãe se ela costumava me bater com a fivela do cinto e eu tive de intervir para dizer que aquilo foi um acidente, que ela nem me batia.
-Foi no Salgado Filho?
-Claudio, esse hospital foi inaugurado pelo governador Carlos Lacerda e, se a memória não me trai, em 1963. Esse acidente ocorreu por volta de 1958, 1959...
-E ainda veio o Salgado Filho além do SAMDU e outros postos de atendimento. Hoje, temos, praticamente, só esse hospital para socorrer a população do Méier, Todos os Santos, Engenho Novo, Cachambi, Del Castilho... - comparou.
-O Ney Matogrosso deu uma pálida ideia, aos portugueses, do descalabro da saúde do Brasil de hoje. - frisei.
Na década de 70, quando eu namorava a Gina, ela não se sentiu bem, quando estávamos na zona sul; fomos ao Miguel Couto e ela foi bem atendida.
-O que vocês estão falando de mim?- perguntou ela adentrando a cozinha.
-Lembrei o dia em que você foi ao Miguel Couto.
-Depois, só fui como paciente a hospital quando aquele papagaio neurastênico que você arrumou, encheu-me de bicadas.
-O Coronel?!... - citei o nome da ave irritadiça.
-O saudoso Coronel. - disse o Claudio com uma fingida nostalgia.
-Também, o Claudio escolheu logo esse nome para batizar o papagaio... - entrei no espírito da galhofa.
-Ele era doido. - bradou a sua vítima.
Mas o meu irmão também foi sua vítima.
-O Coronel não o atacou com uma fúria demoníaca, certa vez, Claudio? - indaguei.
-Consegui agarrar o seu pescoço com as duas mãos e apertei com força; era ele ou eu.
-Se esse Coronel estivesse vivo, seria chamado para depor na Comissão da Verdade. - não perdi a piada.
-E o Daniel? - quis saber, pois desde que aparecera na casa do meu irmão não ouvi ruido algum que denunciasse a sua presença.
-Foi a Lagoa pedalar. Não sai de lá. - reclamou a Gina visivelmente enciumada.
-Voou do ninho. - disse-lhe.
-Bateu asas e foi pra longe. - acrescentou meu irmão.
-Claudio, você se lembra do “Estranho no Ninho”. - mudei o tema da conversa para o cinema.
-Bem, vocês ficam com os malucos que eu tenho de dar um telefonema. - disse ela, caminhando pela casa adentro.
-É um filme marcante. Como vou esquecer?
-Esses documentários sobre clássicos do cinema são ótimos porque, além de refrescar nossa memória, nos faz saber de fatos que desconhecíamos. - salientei.
-Não sei como os americanos abriram a porta para a produção de um filme sobre doentes mentais.
-E não abriram. Kirk Douglas comprou os direitos do livro e teve de viajar à Tchecoslováquia, onde contatou o Milos Forman, que lhe pediu para ver a história. A polícia comunista apreendeu o roteiro sem que os dois soubessem. Anos depois, o filho do ator, Michael Douglas, procurou o mesmo Milos Forman, com o roteiro, para transformá-lo em filme. Ele sentiu que estava predestinado a dirigir a fita e aceitou logo a incumbência. - tagarelei.
-Você assiste ao “Estranho no Ninho” e não sabe distinguir quem está internado no hospício, ou não. - assinalou.
-Um psiquiatra, responsável por um sanatório, em Salem, contrário a eletrochoques e, mais ainda, a lobotomias, cedeu o lugar para as filmagens.
-Então, esse era o mais louco de todos. -brincou meu irmão.
-O Jack Nicholson estava preso por um compromisso profissional, e tiveram de esperar seis meses por ele.
-Não pensaram em outro protagonista, Carlinhos?
-Pensaram no Marlon Brando, apenas, que nem quis ler o roteiro.
-”Estranho no Ninho” é de 1975 – refletiu - não ele ficou obeso depois, no “Apocalypse Now”, que é de 1979.
-O Michael Douglas conta, nesse documentário, que ele não abria mão de um ator igual ao do livro: o índio imenso e forte como uma árvore.
-Para arrancar um bebedouro do chão, arremessá-lo de encontro a janela para fugir, só mesmo um índio como aquele que a gente vê no filme- interveio.
-Procuraram e procuraram, porque nos Estados Unidos não se vê índios enorme como os negros. Ele foi encontrado no Canadá, e nem ator era; pintava.
-Mas os pacientes desse hospital trabalharam mesmo? - quis saber.
-Uns trabalharam como figurantes e outros com os equipamentos de  filmagem.  O Michael Douglas disse que um deles, não souberam na hora, era piromaníaco e mexeu com o equipamento elétrico, mas tudo esteve bem, porque foi uma terapia para todos.
-O personagem do Jack Nicholson nada tinha de doente. - salientou o Claudio.
-Ele cometeu um crime e, para fugir da penitenciária, fingiu-se de desequilibrado mental. Não sabia que uma enfermeira, inteiramente malévola e sádica, provocaria a sua lobotomia.
-Essa enfermeira é uma das maiores vilãs da história do cinema. Eu vi a plateia aplaudir quando o Jack Nicholson tentou esganá-la. - manifestou-se meu irmão.
-O Milos Forman afirmou a sua identificação com a história, porque aquela enfermeira era como o regime comunista, na Tchecoslováquia, que ditava o que se devia fazer, o que se devia pensar.
-Boa comparação. - aprovou.
-Eu perguntei, na época, 1975/1976, a um médico, se uma enfermeira tinha todo aquele poder. Ele me disse que há enfermeiras que mandam no hospital.
-Esse filme, Carlinhos, ganhou os cinco principais Oscars: melhor diretor, melhor ator, melhor atriz, melhor roteiro adaptado e melhor filme. Até, então, só o “Aconteceu naquela noite” obtivera tal triunfo.
-O documentário diz que o Frank Capra enviou uma carta para o Milos Forman como os dizeres: “bem-vindo ao clube”.

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