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O BISCOITO MOLHADO
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180ª CONVERSA
COM OS TAXISTAS
-Será que vamos ter mais uma greve de
ônibus amanhã?... A assembleia dos rodoviários é hoje.
O taxista 014 reagiu às minhas palavras
com revolta:
-Deveria parar o Brasil todo.
-Uma greve geral?
-Sim, mas por tempo indeterminado,
porque a roubalheira neste país é demais.
-Discordo de atitudes drásticas, porque
os políticos que estão no poder foram eleitos pelo povo. Se votaram na Dilma,
entre outros candidatos, como castigo pelo voto errado, devem aguentá-la até o
fim do seu mandato. - argumentei. (*)
-Você votou nela?
-Não.
-Eu votei e estou indignado, e você, que
não votou, não está indignado?- apresentou a sua lógica.
-Mas eu estou tomado pela irritação
desde o governo do criador dela.
-No Lula, então, você não votou?
-Não; havia vários exemplos de desvio de
caráter no currículo dele. Bastava-me seguir o que o Nélson Rodrigues pregava:
ver o óbvio ululante.
-Eu ainda penso que devem tirar a Dilma.
Não tiraram o Collor?...
-Ele desagradou, não porque fosse
honesto, aos políticos poderosos, aos empresários; esses, sim, o
derrubaram.
-Amigo, tem-se de fazer o que o Joaquim
Barbosa sugeriu: um recall.
E prosseguiu:
-O candidato é eleito, passa um tempo e
se ele apresenta defeito; convocam-se, então, novas eleições.
-Um recall como os dos carros. -
manifestei-me.
-Eu confio mais nos carros do que nos
políticos.
-Eu também; não tenho confiança de que
eles nos levem para um Brasil melhor, mas confio que você me levará até a Rua
Modigliani. Falando nisso, chegamos.
-De uma coisa, estou certo: eles vão nos levar mesmo
para o buraco. - vaticinou, enquanto eu saltava do seu carro.
O Albino falava ao celular, quando se
deparou comigo acionando a maçaneta do seu táxi. Disse alguma coisa rapidamente
ao seu interlocutor, deu um “ciao” e sua atenção se voltou para mim.
Houve um minuto de silêncio depois da
partida, embora todos estivessem vivos, até que um carro, extremamente lento, o
obrigou a diminuir a velocidade na Rua Domingos de Magalhães. Com alguma
dificuldade, pois o trecho da rua se estreitara por causa de carros mal
estacionados, fez a ultrapassagem, enquanto dizia que as mulheres são burras.
Com aquele insulfilm mais escuro
do que uma burca, como ele sabe que se trata de uma motorista? - perguntei-me.
Logo tudo se esclareceu:
-Eu já disse à minha mulher para não
telefonar, enquanto estou dirigindo. Disse isso agora, mas não adianta. É
burrice.
Certamente, seu celular tremeu no bolso
da sua calça, pois nada escutei.
-Por coincidência, ouvi no rádio, hoje,
que a atenção dada ao celular retarda os reflexos do motorista em décimos de
segundo preciosos para se evitar um acidente.
-Eu, mesmo, não bati num carro por muito
pouco por causa do diabo do celular. Ainda assim, minha mulher teima em ligar.
Já lhe disse que só atendo se estiver no ponto de táxi, como há pouco.
Levei o assunto para as ocorrências do
metrô, pois sei que são do seu interesse.
-Os passageiros do metrô pouco falam; ou
estão dormindo, ou estão hipnotizados pelos visores dos celulares.
-Não há os que fingem que dormem para
não ceder o lugar para as gestantes, os idosos, os deficientes físicos e as
pessoas com crianças de colo?
Respondi afirmativamente e prossegui:
-Postaram no Facebook duas fotos
montadas lado a lado com o objetivo de compará-las; uma, antiga, mostrava uma
fila de ônibus com todos fixados em seus respectivos jornais, a outra, atual,
mostrava um monte de pessoas absorvidas com os visores dos seus celulares.
-Como no metrô e em todos os lugares. -
manifestou-se.
-O título que encimava essa imagem
estragou tudo.
-E qual era? - quis saber.
-“Antissocial”.
Enquanto ele ruminava a palavra, dando a
entender que o seu raciocínio fora acionado, eu me antecipei.
-Tudo bem; aquele que se perde diante de
um instagram, ou lá o que seja, parece que se interessa mais pelos
relacionamentos virtuais...
-E muitos se esquecem da vida com
joguinhos eletrônicos. - interferiu.
-Agora, quem lê jornal, na maioria das
vezes, busca informações para que tenha assuntos para posteriores conversas nas
praças, nos restaurantes, nas conduções, ou seja lá onde for.
-São sociáveis. - arrematei.
-E no metrô, há passageiros lendo
jornal?
-Há, geralmente, lendo as páginas
esportivas.
-Não resta dúvida que, depois, vão
discutir futebol com os amigos.- conclui.
E a nossa conversa findou com a chegada do seu táxi na
Modigliani.
Rarearam as conversações entre os
passageiros do metrô, mas numa das minhas idas ao trabalho, ouvi quatro pessoas
falando sem pausas. E era essa conversa que eu reproduzia para o 140 na minha
volta de táxi para casa.
-E a senhora, que estava de pé, de
costas para mim, às vezes se empolgava e dáva-me uns esbarrões.
-Empolgava-se com a saúde do Brasil? -
espantou-se.
-Ela dizia para os dois, um senhor e um
moço de muleta, que estavam sentados, que, onde trabalhava, os doentes, mesmo
não havendo emergência, não esperavam muito tempo para serem atendidos.
-E onde ela trabalhava?
-Só sei que saltou na estação de São
Cristóvão.
-E o que eles diziam.
-O senhor disse que se esperava, e
muito, que a esposa dele ficou horas sem atendimento quando precisou de médico.
E prossegui:
-Depois, ela afirmou que os médicos, com
quem trabalha, além de atenciosos, recebem mais de 10 mil reais. Esse senhor,
que se dizia espanhol, mas tinha pouco sotaque, ironizou dizendo que eles
deviam dar uma parte desse dinheiro para os muitos médicos que ganham
pouquinho.
-Coitado de quem necessita de hospital. -
comentou o taxista.
-Ela elogiava e os dois rebatiam, mas,
justiça seja feita, em momento algum ela se irritou com os opositores que, na
maioria das vezes, eram mordazes.
E continuei:
-Depois que ela saltou do metrô, uma
senhora se juntou a esses dois, que ainda comentavam o que ouviram. Ela, então,
disse que levava as filhas para atendimentos periódicos no Hospital dos
Servidores do Estado, mas, de uns anos para cá, nem pensar.
-O Hospital dos Servidores do Estado já
recebeu presidente da República enfartado, hoje, as filas para entrar lá já são
enormes às cinco horas da manhã. - aduziu o espanhol.
-E você, disse alguma coisa?- quis saber
o 140.
-Sou melhor ouvinte do que falante.
E a nossa prosa se encerrou com a
chegada do táxi na Modigliani.
(*) Certos
argumentos do redator do seu O BISCOITO MOLHADO são difíceis de entender, com
prova a continuação do diálogo com o taxista. Nós temos que
aguentar a Dilma porque ela foi eleita democraticamente, mas podemos e até devemos
assumir atitudes tão drásticas quanto um discurso dela. Greve geral, repúdio à
Copa, vale tudo, menos quebrar agência de banco e nem banco da praça.
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