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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4086 Data: 11 de
dezembro de 2012
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ASMODEU
Entrei num bar onde todos os presentes
rodeavam uma mesa de sinuca, menos uma figura que se sentou a uma mesa com um
copo e uma garrafa. Olhei-o fixamente e fui até ele, pois o reconheci,
-Asmodeu.
Ao ouvir a minha voz, fez um gesto de
contrariedade.
-Tomei um banho de perfume; coloquei
botas para esconder meus pés e, ainda assim, você descobre a minha identidade.
-Li todos os contos do Tchekhov. -
exagerei.
-Sente, então, nesta cadeira. -
indicou-me um lugar à sua mesa.
E prosseguiu:
-Estive uma boa época no seu país.
-Você aconselhou os dirigentes
brasileiros a contrair empréstimos no exterior a juros flutuantes.
-Entre outras coisas. - riu com sadismo.
E foi adiante.
-Tempo, muito tempo atrás, eu pretendia
que todo o petróleo brasileiro ficasse à flor da terra, mas perdi a batalha para
o Inimigo, que o colocou a mil, a 3 mil, até a 7 mil metros do fundo do mar.
-Você queria que o nosso petróleo fosse
retirado por cavalos de pau, como no Texas.
-Sim, vocês teriam exportado a 3 dólares
o barril. Lembre-se que só no fim de 1973, o preço do barril saltou para 12
dólares, depois, em 1979, foi a 40. Hoje, passa dos 100 dólares.
-Houve um país, não me lembro agora o
nome, que exportou o petróleo que possuía a 3 dólares e, agora, importa a mais
de 100.
-Lá, eu fiz um bom trabalho. - esfregou Asmodeu
as mãos de contentamento.
-Os Estados Unidos não exportaram o seu
petróleo.
-Eles são mais espertos do que vocês.
Eles nunca construiriam uma Capital em três anos, apesar de serem bem mais
ricos. Os governantes brasileiros, com o petróleo brotando da terra, gastariam
o dinheiro desbragadamente.
-Mas você não pode se queixar. O Brasil,
em 1982, amortizava a dívida externa com juros de 21% e importava 80% do
petróleo que consumia, então, o cofre se esvaziou e o país quebrou.
-Mas fica um consolo para o Brasil: o
México quebrou primeiro. - riu cinicamente.
-Quantos cidadãos perderam o emprego e
se tornaram camelôs! - lamentei.
-E os que continuaram empregados pouco
dinheiro tinham para comprar, ainda mais que deixei a hiperinflação
engatilhada.
-Você já engatilhou quando deu aquele
conselho de colocar a correção monetária em tudo, não apenas nos títulos
públicos.
-Sim, mas houve a construção da cidade
de que falei antes.
-E você permaneceu aqui um bom tempo,
Asmodeu.
-Dei um pulo à Argentina e aconselhei
aos militares de lá a invadir as Malvinas.
-E eles invadiram com o apoio popular. -
acrescentei.
Soltou uma gargalhada e concluiu:
-1982 foi um ano glorioso para mim.
-E você não tira férias?
-Não sou como meu Inimigo que descansa
aos domingos, eu trabalho todos os dias.
-Você não ficou só no Brasil, é
evidente,
-Eu rodo o mundo inteiro. Eu me fixo,
muitas vezes, na África.
-No continente onde surgiu o gênero
humano, você nunca se decepciona.
-Não, nos séculos passados, os africanos
lutavam entre si, prendiam os derrotados e, em seguida, vendiam para os
europeus como escravos.
-O último país a apagar essa nódoa foi,
infelizmente, o Brasil. - lastimei.
-A classe dominante não podia ser
contrariada. - sorriu Asmodeu.
-Mesmo a Catarina da Rússia, com todos
os livros de Voltaire e Diderot que leu, foi um grande exemplo de déspota
esclarecida, não conseguiu banir a servidão na Rússia.
-Rapaz, você precisava ver a cara do
Johann Strauss II, do Danúbio Azul, quando se apresentou na Rússia e de deparou
com um servo enforcado pelo senhor da terra.
-Você estava próximo de Strauss naquela
época?... Pensei que preferisse Offenbach com o seu “Orfeu no Inferno.”
Asmodeu engoliu meio copo de uísque,
criando certa expectativa com essa pausa. Aguardei o que ele tinha a falar.
-Na verdade, a música que me atrai é
feita hoje, com ruídos, muitos ruídos... Não quero ouvir nada que siga os
padrões do divino Mozart.
A palavra “divino” saiu da sua boca com
um esgar pavoroso.
-Admiro muito o funk.
-Eu já suspeitava disso. Você deve pedir
aos seus DJs que a toquem, pois me
parece a trilha sonora do inferno.
-É um gênero musical, mas sempre aparece
um maldito compositor de talento que consegue criar alguma coisa agradável aos
ouvidos. Ordeno, então, que obras assim sejam descartadas do nosso repertório.
Nesse instante, Asmodeu se ergueu e
rumou para a mesa de sinuca, juntando-se aos demais frequentadores do bar.
Observei-o com atenção. Não me surpreenderia se ele pegasse um dos tacos e
encaçapasse todas as bolas arrancando aplausos de admiração. Nada disso aconteceu: ele olhou por cinco,
seis minutos e retornou;
-Estava certo de que você participaria
do jogo.
-Pensei em jogar duas partidas, a
primeira, mostrando-me um jogador bisonho, com apostas baixas e, na segunda
partida, elevando ao máximo o dinheiro disputado, eu mostraria o tamanho real
do meu taco.
-Resultaria em briga.
-Por isso eu desisti; teria de recorrer
aos meus poderes.
-Que não são poucos.
-Eu não sou tão exibicionista quanto o
Goethe me retratou.
-Mas você falava da África.
-Você quer ouvir mais alguma coisa desse
continente? - fez um gesto de enfado.
-Não, fale agora da Europa.
-Tenho muitas saudades daqueles quatro: Hitler,
Stalin, Mao Tse Tung e Mussolini. Quatro grandes discípulos meus, fizeram um
excelente trabalho.
-O Rei Leopoldo, da Bélgica, também fez
um estrago enorme no Congo.
-Outro dos meus discípulos que merece
ser lembrado. Evito citar meus discípulos mais atuantes porque não quero
cometer injustiça esquecendo alguns nomes.
-Mas a Europa se recuperou ainda no
século XX, muitos cidadãos passaram a usufruir um bom e até ótimo, padrão de
vida. - falei com uma expressão de felicidade na fisionomia para irritá-lo.
-Não tivemos mais líderes políticos lá
como na década de 30. - deplorou.
Em seguida, mostrou um pouco de
entusiasmo.
-Bem, há uma crise econômica por lá e eu
espero que a alegria acabe. Confio nos gregos.
-Mas por que o vejo de volta ao Brasil,
Asmodeu?
-Vim me reciclar. Soube que há um
partido político aqui, onde desponta um barbudo que é um gênio.
Em seguida, ergueu-se para sair, mas
antes repetiu:
-Vim me reciclar.
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