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O
BISCOITO MOLHADO
Edição 4084 Data: 09 de
dezembro de 2012
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CONVERSAS NO TÁXI nº 150
-Quantas conversas realizadas com os taxistas
da Metrô Táxi eu reproduzi nos BMs? Vejamos, primeiramente, a partir de quando
eu passei a vir de Maria da Graça para casa de táxi. Isso aconteceu assim que furtaram o meu
carro. Em que ano ele foi roubado? Lembro-me do dia: São Cosme e Damião; a
garotada corria atrás de doce. Mas o
ano?... Sim, 2008; um ano antes de o
chefe da milícia de Del Castilho, provável mandante do furto, receber duas
azeitonas na cabeça.
Fiz umas 600 viagens e devo ter gasto uns 4
mil e 800 reais. O leitor deve estranhar esse cálculo, mas eu me explico: neste
período sempre paguei 8 reais por corrida; desde que o taxímetro marcava pouco
mais de 6 reais até hoje, que marca 7,75 reais. Eu entrego uma nota de dez e
recebo uma de dois. Bob Esponja já saca os dois reais antes de eu lhe pagar.
Outros taxistas, como o 081, nem acionam o taxímetro quando sabem que eu sou o
passageiro.
Calculo que de quatro em quatro viagens
eu tinha material para confeccionar uma edição do Biscoito Molhado, assim, este
vai com o número 150, porque não tenho mais ideias para criar títulos.
Isso posto, sigamos adiante.
Percebi a poucos metros do ponto da
Domingo de Magalhães que o táxi que me levaria até a Rua Modigliani era o 009,
do Gaguinho. Na última vez que me levou, há uns dez dias, informou-me que o
filho seria submetido ao teste de jogador de handball do Colégio Castelo
Branco em que estava em jogo uma bolsa de estudo que adiantaria em muito a vida
de pai e filho. E se o garoto não passou?... Seria, nesse caso, uma
indelicadeza da minha parte tocar no assunto, por isso, entrei no seu táxi
falando do calor senegalesco que nos castigava, Ele não quis saber da quentura.
-Sabe que o meu filho foi selecionado
pelo técnico de handball?
-Que bom.
A emoção acentuava ainda mais a sua
gagueira, parecia, guardadas as devidas proporções, o pai da Rainha Elizabeth
II falando da guerra contra Hitler antes de passar pelo tratamento de um milagroso
fonoaudiólogo.
-Ele e um monte de garotos passaram pelo
teste e, depois do jogo, o técnico selecionou os doze melhores e, entre eles
estava meu filho.
-Então, ele está aprovado. - expus o meu
otimismo.
-O técnico não assegurou nada, mas eu
acredito que uma parte dessa bolsa de estudos na Universidade Castelo Branco
está praticamente certa.
-Isso será ótimo.
-Claro.- apenas nesse momento ele não
enfrentou uma frase longa.
Eu olhava para o seu carro novo e
percebia que ele, como tantos outros taxistas, entrara num financiamento a
juros atraentes, esquecendo-se que os impostos praticados no Brasil jogam os
preços na estratosfera, Não teria, provavelmente, folga no orçamento caso
tivesse de pagar uma mensalidade cara do colégio do filho.
-Você não pressionou o garoto para
conseguir essa bolsa de estudos?
-Não, isso eu não faço.
-A minha sobrinha-neta, Ana Clara,
estuda num colégio onde o relacionamento social entre alunos e professores é
ótimo, mas o estudo, não, Assim, a sua mãe resolveu colocá-la num colégio mais
puxado em que, naturalmente, a mensalidade é mais cara. Antes da matrícula, ela
se submeteria a uma prova onde poderia obter uma bolsa de 40%.
-Uma ótima bolsa de estudos. -
manifestou-se.
-Sim, mas não se esqueça que ela não
vinha com uma boa bagagem para essa prova. Então, falei com a mãe dela: “Nada
de pressioná-la, se não conseguir, paciência, porque terá tempo de sobra para
se recuperar”.
-E eles têm mesmo. - concordou.
-Contei um caso que sofri na pele. Saí
da Escola Manoel Bomfim e fui enfrentar uma prova de admissão ao Colégio
Militar do Rio de Janeiro. Deparei-me com sujeitos, predicado e outras questões
que eu nunca tinha visto na vida. Ainda me apareceu um aumentativo de incêndio,
e, para mim, até aquele concurso, bastava acrescentar um “ão”...
-Você respondeu “incendião”.
-No meio da minha ignorância, percebi
que não cabia um “âo”, e inventei “incendiadez”.
-Qual era a resposta certa? - mostrou
curiosidade.
-Incêndio grande. Era uma forma de
aumentativo que não me foi ensinada no meu curso primário.
-E qual foi a reação dos seus pais?
-Minha mãe não disse nada, apesar do
grande sonho dela, alimentada pela minha avó, que tinha pais e irmãos oficiais
do Exército, de me ver no Colégio Militar. Quanto a meu pai... Bem, eu já me
deitara para dormir, quando ele chegou do jornal em que trabalhava. Minha mãe lhe
deu a notícia do meu fracasso e ele se alterou. Disse que não tinha dinheiro
para pagar escola, que eu deveria ter estudado mais...
-E você?
-Fingi que dormia. A criança é muito
vulnerável; eu fiquei com um sentimento de culpa profundo, como se tivesse cometido
um crime. Aquelas palavras me feriram mais do que qualquer surra que ele tenha
me dado.
-E seu pai lhe bateu muito?
-Ele nunca me bateu, mas aquelas
palavras valeram por mil surras.
-E você se recuperou?
Meu pai, na realidade, agia por impulso.
Desembolsou 500 cruzeiros mensalmente para eu e minha irmã estudarmos num
explicador da Rua Rocha Pita, que dava aulas de matemática no Colégio Pedro II.
Gastava, no total, mil cruzeiros. No segundo semestre daquele ano, fez-me
estudar de manhã e de tarde, assim, a minha mensalidade dobrou.
-A sua irmã passou também para o horário
integral?
-Em 1960, a sociedade era muito
mais machista do que hoje, quase todas as fichas foram apostadas em mim, não na
minha irmã, que prosseguia nos estudos só pela tarde.
-Você estava, agora, pronto para
enfrentar os sujeitos e predicados do Colégio Militar?...
-Além do aumentativo de incêndio. -
acrescentei.
-E como se saiu?
-Rapaz, o primeiro colégio a chamar para
as provas de admissão foi o Colégio Visconde de Cairu. E lá fui eu, com minha
mãe, ser inscrito. Tomei um susto quando li a placa, sobre um balcão, com as
palavras 70 vagas, pois se falava em milhares de candidatos.
-A relação era uns 300 candidados por
vaga... - calculou de cabeça.
Na época, o Carlos Lacerda se tornou
governador do Estado da Guanabara e abriu a porteira; as vagas subiram para
400, por aí.
-E você passou.
-Passei; o Colégio Visconde de Cairu
gozava da fama de ser o melhor colégio estadual. Como os mestres tinham, na
época, matrículas do governo federal e estadual, os meus professores também
davam aulas no Pedro II.
-E depois, você tentou o Colégio
Militar?
-Que nada! Minha mãe já pretendia me
levar à escola e trazer, e, percebendo que o Maracanã ficava longe do Cachambi,
deu-se por satisfeita com o Visconde de Cairu do Méier. Meu pai aprovou.
Antes de saltar do seu táxi, desejei
sorte ao filho do Gaguinho na obtenção da bolsa de estudos através do esporte e
me dirigi para casa.
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