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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

2278 - falou, mas não disse


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4078                               Data: 03 de dezembro de 2012
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SABADOIDO DE CASABLANCA À BRASÍLIA
1ª PARTE

Cheguei à sessão do Sabadoido no exato momento em que o Luca lançava essa indagação:
-Vocês sabem quem foi cogitado para fazer o papel de Rick do Casablanca?
-Ronald Reagan. - respondemos eu e ele em uníssono.
-Ele era galã, na época, mas o papel foi para Humphrey Bogart e eu não vejo ator melhor para interpretar o Rick.
-E prosseguiu:
-Como a Ingrid Bergman era mais alta, Humphrey Bogart tinha de subir num caixotinho.
Ronald Reagan era de elevada estatura, não necessitaria de recursos para encompridá-lo, mas também não concebo outro Rick que não fosse Humphrey Bogart. - pensei com meus botões.
-E a mulher do Humphrey Bogart, que era ciumenta ao extremo, acompanhava as filmagens pronta para estragar as cenas de amor.
E continuou o Luca sobre o seu filme cultuado:
-Tudo concorria para dar errado, mas saiu aquela beleza que nos maravilha até hoje.
-Casablanca faz 70 anos. - disse o Claudio que, até então, só prestava atenção.
-Eu lhe enviei o e-mail sobre as curiosidades do Casablanca na comemoração dos seus 70 anos. - voltou-se para mim.
-Enviou-me, Luca, li tudo e repassei para os amigos cinéfilos.
Uma curiosidade não foi, porém, arrolada nessa mensagem eletrônica: o piano em que Sam toca As times goes by. Em 1988, foi vendido a um colecionador japonês por 154 mil dólares. Volta agora ao leilão, em Nova York e se prevê que não será arrematado por menos de 1 milhão de dólares.
-É um filme em que várias frases ficaram marcadas, até as que não foram ditas, como play it again, Sam.
E antes que o Vagner se pronunciasse, Luca acrescentou:
-“Ainda teremos Paris.”
-A Rosa – continuou, agora com um sorriso travesso – esculhamba a frase da Ilsa: “São os tiros de canhão ou o meu coração batendo?”
-Ela tem razão, parece trecho de letra de música brega. - manifestei-me.
-Muitos filmes são melhores, não discuto, mas Casablanca é a fita que mais me comove e nunca será esquecida. - arrematou o Luca.
Nesse instante, chegou meu irmão mais novo Lopo, que me entregou um pacote com doze mídias de DVD trazidos do Walmart.
-Lopo, você, como o último a aparecer, terá de se sentar na cadeira sem encosto. Se você tiver dores na coluna como o Carlinhos e o Joaquim Barbosa... - pilheriou o Claudio.
-Sem problemas. - garantiu.
Nesse instante, notei que havia uma garrafa de uísque sobre a mesa junto ao cavalo que substituía os ausentes, certamente um presente do Luca.
-Alguém assistiu aqui ao último “Roda Viva”?
-Eu durmo cedo. - justifiquei-me no meio de respostas negativas do Vagner, Lopo e Vagner.
-Entrevistaram aquele pianista...
Luca dedilhou um piano imaginário para acordar a sua memória.
-João Carlos Martins?...
-Isso, Claudiomiro: João Carlos Martins.
E foi adiante:
-Entre os entrevistadores, não havia curioso, não, só entendidos em música clássica.
-O João Carlos Martins é um exemplo de superação. - frisei.
-Pois é, Carlinhos, até isso eles questionaram, que ele exagerava nas alusões aos males que sofreu.
-Ora, ele tem de falar mesmo. - insurgiu-se o Claudio.
-Vejam bem: em momento nenhum eles colocaram em dúvida o seu talento. João Carlos Martins passou no piano toda a obra de Bach, é reconhecido no mundo.
E, depois de uma pausa, Luca prosseguiu:
-Eu tinha vontade de sair da frente da televisão, aquilo me incomodava...
-Era uma espécie de “Quem tem medo da verdade”. - reportei-me ao  programa dos anos 70 que massacrava os entrevistados levando às lágrimas Grande Otelo e Leila Diniz.
-Era. - confirmou o Luca.
-Uma entrevistadora perguntou ao João Carlos Martins se ele ia continuar entregando violinos para crianças pobres tocarem porque aquilo era horrível.
Nesse instante, aparteei.
-A Venezuela tem um programa de educação que leva as crianças carentes a ter contato com instrumentos da música clássica. Hugo Chaves nada tem a ver com isso, pois é anterior aos governos dele, pelo menos, não atrapalhou. Pois desse projeto, saiu o Gustavo Dudamel, um dos mais requisitados maestros do mundo que, com menos de 30 anos de idade, regeu a Filarmônica de Berlim, a maior orquestra sinfônica do mundo.
-E ele não reagia? - quis saber o Lopo.
-Creio que ele não esperava encontrar ânimos tão acirrados, não se preparou...
-Houve muita inveja, porque o João Carlos Martins é um exemplo. - falei com indignação.
Luca retomou a palavra:
-O que eles afirmaram que Villa Lobos, sim, teve um projeto que levava as crianças ao conhecimento da música.
-Nesse ponto, eu concordo. Estudei Canto Orfeônico, infelizmente só no primeiro ano ginasial.
-Eu também estudei Canto Orfeônico, Carlinhos. - animou-se o Luca.
-A professora tocava o diapasão, nós marcávamos o compasso com idas e vindas do braço.
-Sim, o diapasão era sempre tocado antes de nós cantarmos.
E o Luca se reportou, em seguida, aos hinos que cantava no seu tempo de estudante. Nesse momento, veio-me à lembrança uma observação do Juca Chaves, no programa do Jô Soares, em que aludia ao fato de as pessoas desconhecerem a boa música porque não se canta mais os nossos hinos nas escolas e se referiu especialmente ao Hino da Bandeira, que considera belíssimo.
-Quando um aluno desafinava, a professora logo o identificava no meio daquela turma toda.
-Contava meu pai que, quando Villa Lobos regia o coro de milhares de estudantes, no estádio do Vasco da Gama, demonstrava um ouvido apuradíssimo, pois descobria quem estava desafinando. Ele, então, se transformava no Vira-Lobo.
Luca sorriu com o trocadilho, enquanto o Claudio imaginava o quanto o compositor deveria ficar irado com as notas desafinadas.
-O João Carlos Martins é de São Paulo? - quebrou Vagner o seu prolongado silêncio.
-Sim, ele foi homenageado por uma escola de samba paulista, a Vai-Vai. - respondeu o Claudio.
-Que ganhou o desfile de escolas de samba de 2011. - acrescentou.
-E eles, no Roda Viva, mencionaram isso?- voltei-me para o Luca.
-Mencionaram, mas em momento algum para enaltecer o João Carlos Martins.




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