----------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5259SX Data: 26 de janeiro de 2016
------------------------------------------
BOA CONVERSA COM COLE PORTER
- Biscoito!
- Cole Porter!
- Paulo Fortes me falou de
você... Disse que o amigo é fascinado pelas minhas canções... O que me deixa envaidecido...
- O que o Paulo disse é a pura verdade!
Adoro seus musicais! Especialmente aqueles que resultaram em grandes produções
para o cinema... Fred Astaire e Eleanor Powell dançando a trilha sonora de
"Rosalie"... Isso jamais me saiu da cabeça!
- Parabéns pelo bom gosto, Biscoito!
Que dupla de bailarinos era aquela! Mas vou te confidenciar uma coisa, pedindo
ao amigo, desde já, a devida reserva... Naquelas filmagens percebi que Fred
Astaire e Eleanor Powell não se suportavam!
- Não acredito, Sr. Porter! Como
pode ser? Não conheço nada que transmita maior paixão do que a dança daqueles
artistas maravilhosos...
- É o que parece, Biscoito. É o
que parece. Mas a realidade é outra. Posso explicar. "Rosalie", que o
amigo mencionou, foi uma comédia musical que alcançou incrível sucesso na
Broadway, em 1928. Sua grande estrela era Marilyn Miller, grande atração de
bilheteria na época. O enredo: uma princesa europeia visita os Estados Unidos e
se apaixona por um cadete da Academia Militar de West Point. Uma história
irresistível para as plateias norte-americanas! A música, produzida por George
Gershwin e Sigmund Romberg, também era belíssima. Nove anos mais tarde, os
chefões de Hollywood decidiram que "Rosalie" deveria chegar ao
cinema, com um elenco bastante reformulado e com músicas inteiramente novas,
que fiquei encarregado de compor.
Idiossincrasias hollywoodianas...
Afinal, a partitura de George Gershwin era maravilhosa... Mas, voltando
ao que interessa: o que todos na época perceberam é que os gigantescos
investimentos destinados a essa produção atendiam por um nome: Eleanor Powell.
Ela, que era considerada a maior sapateadora do mundo, assinara em 1935 um
contrato milionário com a Metro. Seus filmes rendiam rios de dinheiro. Para as
filmagens de "Rosalie" foram contratados os maiores cartazes da época:
James Stewart, Robert Taylor, George Murphy, Nelson Eddy, Robert Young... e
Fred Astaire. É claro que Fred Astaire, na condição de um quase coadjuvante, não
estava se sentindo confortável. Além disso, espalhou-se a lenda de que Eleanor
Powell era a única "partner" realmente temida pelo extraordinário
dançarino. Comentava-se que o dinamismo e a força dos movimentos da estrela
causavam-lhe medo. Muitos concluíram que somente ela conseguia se ombrear a
Fred Astaire em um número de dança. Começava aí uma incandescente rivalidade...
- Que história, Sr. Porter! Acho
que já tinha ouvido algo a respeito no "Rádio Memória", programa dos
meus amigos Jonas Vieira e Sergio Fortes...
- Jonas Vieira? Sergio Fortes?
Nunca ouvi falar...
- É verdade, Sr. Porter. O senhor
não os conhece. Mas posso lhe assegurar que também eles são seus fãs ardorosos.
Suas canções estão sempre presentes no programa que apresentam nas manhãs de
domingo, numa estação de rádio de minha cidade.
- Folgo em saber...
-Esteja certo disso! Mas,
satisfaça minha curiosidade: o Paulo Fortes é uma amizade recente? Vocês brilharam
em campos musicais diferentes...
- Mais ou menos, Biscoito. Mais
ou menos. Sempre lembrando que também sou um grande apreciador da música
clássica. Minha mãe, Kate Porter, propiciou-me uma formação musical
sofisticada. Queria que eu, em tenra idade, fosse reconhecido como gênio da
música. Uma espécie de Mozart norte-americano, entende?
Ela me fez aprender violino com
seis anos de idade. Piano, com oito. Com dez, alardeou que eu havia composto
uma opereta. Não disse para ninguém, mas é óbvio que esse trabalho foi quase
todo por ela realizado.
A danada chegou a alterar a data
da minha certidão de nascimento, de 1891 para 1893. Tudo para fazer valer minha
suposta "genialidade precoce". Mas o certo é que eu só comecei a me
destacar, musicalmente, quando cursei a Universidade de Yale. Minhas primeiras
músicas de sucesso tinham a ver com o incentivo ao nosso time de futebol
americano. Mas falávamos do Paulo Fortes, não é mesmo? Realmente nos
aproximamos por conta da nossa paixão pela música clássica. Somos amantes da
ópera, com uma queda especial pela obra de Giacomo Puccini, que ambos
consideramos um melodista insuperável. E, sobretudo, um gênio do teatro, em quem,
de certa forma, busquei inspiração anos mais tarde.
- Sua música "Bring me back
my Butterfly", com inserções de acordes da "Madame Butterfly",
deixa isso bem claro... O Sergio Fortes não pára de programar essa canção
lindíssima, na voz de Thomas Hampson, um grande barítono norte-americano.
-Também não conheço esse Thomas
Hampson. Muito menos, como já disse, esse tal de Sergio Fortes. O rei dos
barítonos americanos do meu tempo era o Lawrence Tibbett. Maravilhoso! Mas bebia
demais e sua carreira foi abreviada por isso. O Paulo Fortes não conhecia essa
música e ficou muito empolgado. Disse ele que "Madame Butterfly"
é a ópera favorita do público LGBT. Não sei bem o que é isso, mas acho que ele
estava fazendo alguma referência às minhas inclinações sexuais, que são
conhecidas...
-É, Sr. Porter, entendo que sim.
Mas, mudando um pouco de assunto, ocorre-me informá-lo que em minha cidade, o
Rio de Janeiro, estão encenando com muito sucesso "Kiss me Kate", um
marco na sua trajetória de imensos êxitos...
-Que bom! Fico feliz com isso.
Aliás, Biscoito, chame-me Cole. Realmente "Kiss me Kate" foi
importantíssimo na minha carreira. Na década de 1930 eu fazia muito sucesso na
Broadway. Foi quando apresentei três musicais bastante apreciados:
"Anything Goes”, "Du Barrie was a Lady" e "Panama
Hatie". Aí aconteceu um imprevisto terrível. Um acidente num passeio a
cavalo causou-me inúmeras fraturas nas pernas. Uma delas foi esmagada com o
peso do cavalo. Muito vaidoso, recusei-me terminantemente a aceitar a amputação
que os médicos recomendavam. Com isso, vi-me na contingência de conviver
durante anos com dores tremendas. Coincidência ou não, o sucesso dos anos 30
desapareceu na década seguinte. Isso perdurou até 1948. Foi quando apresentei
"Kiss me Kate", musical baseado num livro de Samuel e Bella
Spewak. Jamais comentei, mas fique você sabendo, Biscoito: aquela foi a minha
resposta ao sucesso extraordinário de "Oklahoma”, da grande dupla Rodgers
e Hammerstein II. Não gosto de me vangloriar, mas penso que o amigo sabe que
"Kiss me Kate" ganhou todos os prêmios imagináveis! A produção alcançou
mais de mil encenações na Broadway. E chegou às telas do cinema em 1953, numa
produção da Metro Goldwin Mayer que também fez muito sucesso. No elenco estavam Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller e Tommy
Rall. "So
in love" é minha música favorita desta trilha sonora que, modéstia à
parte, concebi em momentos de grande inspiração.
-Concordo plenamente, Cole.
Também sou apaixonado por "So in love". Tenho um CD em que essa
música extraordinária é cantada por Roberta Peters e Robert Merrill. Está
gasto de tanto eu ouvir...
- CD, Biscoito? O que é CD?
Se o Sergio Fortes continuar promovendo estes maravilhosos encontros didáticos do meu amigo Carlos com estas feras, vou acabar acreditando na vida eterna, cantando "BEGIN THE BEGUINE". Amen.
ResponderExcluirLuca
Suas preces foram atendidas.
ResponderExcluir