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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5252D Data: 05 de janeiro de 2016
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REI
DAS MULHERES
Fora
alguns reis europeus, jamais acreditei em outros reis. Tivemos aqui o Rei da Voz, o
Pelé, o Roberto Carlos. Brasileiros são pródigos em heráldica, mesmo depois de
120 anos sem Imperador.
Porém
há certos casos em que, por aclamação, é justo reconhecer um rei. A história
não é minha, presumo-a verdadeira, mas não apostaria meio dólar, afinal
trata-se de um aspirante a oficial de marinha, da reserva, coisa que já nem
existe mais. Por isso mesmo, segue na primeira pessoa, como se minha fosse:
De
aspirante a rei: em minha primeira viagem de instrução, parada em Salvador, a
dos soteropolitanos e eis que, no rodízio dos serviços, percebo que “filhos da
terra” constituem uma categoria especial de pessoas que não ficam meia hora a
bordo. Considerando que Salvador era o único destino do então glorioso Cruzador
Barroso, qualquer parentesco longínquo seria suficiente para por os pés fora
daquela nau cinzenta.
O
que era absolutamente recomendável, depois de 7 horas de perseguição a barcos pesqueiros
ilegais, enquanto o navio tremia de proa a popa e cheirava a óleo queimado de
alto a baixo, encharcando a tudo e a todos. Em vão tanto esforço, os perigosos
e famigerados pescadores russos – só podiam ser russos em 1970 – se evadiram a
tempo.
Passa-se um ano...
Passa-se um ano...
A
segunda viagem veio, o porto era o mesmo Salvador e me coloquei como filho
daquela terra colorida, uma lição bem aprendida. O parentesco não era sanguíneo,
era longínquo, mas amigável e logo na primeira noitada, fui parar com meus
parentes e parentas numa agradável boate, Casa Grande, sem senzala, ou
coisa assim. Estava realmente muito bom, a nossa conversa corria tão bem quanto
o chope e eu era uma espécie de atração, Marinha, universitário, Rio de Janeiro,
pode-se dizer, o melhor marketing que podia aparecer.
Estava
tão distraído que não vi a chegada de uma dezena de verdadeiros oficiais do
nosso navio, este a flor da nossa esquadra, o porta-aviões Minas Gerais, com
sua sorveteria fabulosa, confortável, camarotes de seis, em três beliches,
muito diferente dos beliches de cinco camadas do Barroso.
Mas
eles me viram e, ao saírem, o Continentino, que me conhecia melhor, fez um leve
e simpático cumprimento na minha direção. Segue
a viagem, vem o Continentino e me diz: “Você estava em boa companhia, garoto!”
Eu não perdi a viagem e respondi, meio verdade, pelo que aconteceu e meio
fantasia, para disfarçar: “Comigo é sempre assim, questão de sorte!”
Fico
sabendo que fora eleito por seus colegas mais chegados como o coordenador da
distribuição dos convites de uma super-festa que haveria a bordo, em nossa escala
em Porto Rico. Eu que soubesse, de antemão, que Porto Rico era considerada uma
praça dificílima para a paquera, bem ou mal intencionada e que a Marinha não
aceitaria mancas, vesgas ou desdentadas. Isso pode parecer incorreto agora, mas
nos anos 70 era dito às claras, para que ninguém tivesse dúvidas e que eu,
especialmente, obedecesse a regra à risca.
Aportamos
em Porto Rico, me desvencilhei de umas tarefas – ninguém pode ser filho da
terra em dois portos seguidos – e, com meus companheiros de camarote, alugamos
um baita carrão. E rapidamente descobrimos que aquele porto não era paquerável,
que não tinha ninguém nas ruas, que faltavam dois dias para a festa e eu estava com quase 70
convites. Cheiro de fracasso.
Acabando
a gasolina e a nossa grana, devolvemos o automóvel e partimos em carreira solo.
Perambulando como faz qualquer marinheiro em cidade nova, dei de cara com uma
Pornô-Shop. Ora, a festa que esperasse, no Brasil não tinha daquilo e eu não
poderia perder a chance de me aculturar.
Entrei
e, para quebrar o encanto, Pato Donald e Margarida me receberam em pôster gigante,
com um narguilé caído e os olhos vermelhos de doidões. Adiante uma propaganda
da United Airlines, com seu slogan Fly United, mostrando dois patos, ou melhor,
uma pata e um pato, engatados em voo idílico. E assim fui indo.
Numa
prateleira, vi uma caminha, com um casal deitado, cabelos pretos curtos sobre
uma loura cabeleira, ambos cobertos por um lençol. Achei pouca graça, mas empurrei
a caminha meio sem querer e a graça apareceu: a cama tinha um carretel debaixo
que acionava a cama para cima e para baixo; achei simpático e empurrei duas vezes, quando senti um olhar a mais, ou sobre mim, ou sobre a cama, olhar que
pesava o ar, que era para ser percebido.
Vi
então uma moça e falei qualquer bobagem em inglês acariocado, sendo
imediatamente tomado por alemão. Carioca deveria aprender a falar alemão e não
inglês, a pronúncia sairia melhor e daria mais certo. Virei algo exótico e
acabei contando para minha amiga de cinco minutos o meu grave problema dos 70
convites. Medido de alto a baixo, como se eu fosse o mais malandro de todas as
orlas, dela saiu o veredicto, com um sorriso: “Seu problema acabou, vamos à
faculdade resolver isso!” Um cheiro de sucesso flutuava no ar!
E
assim foi, na noite da festa, ótima, por sinal, animada pelo eletrizante
conjunto “Os Fuzinove”, que entrei a bordo com 48 garotas de acordo com a mencionada
especificação e mais a Mabel, que era um encanto e presidente do Diretório
Acadêmico da faculdade.
No
retorno do navio ao Rio, tive todas as regalias a meu favor, inscrição no panteão
de heróis da Marinha, junto com Tamandaré, eu, Domingos Rodrigues Gomes era o rei
que Porto Rico paquerou.
Não
era para se chamar esta história de Rei das Mulheres, seja ela ficção, ou seja documentário
e boto aqui a minha dúvida nesse conto da carochinha. Publico a lenda com o
título, fiel ao embalo que me fez sonhar. Fique o leitor confortável, para
disso tudo desconfiar.
"E assim foi, na noite da festa, ótima, por sinal, animada pelo eletrizante conjunto “Os Fuzinove”, que entrei a bordo com 48 garotas de acordo com a mencionada especificação (nunca manca, vesgas ou desdentadas) e mais a Mabel, que era um encanto..." É sempre assim, quando o filme tá bom e ameaça os detalhes (o diabo mora neles) contar, o letreiro de fim vem nos frustar. Esse BM merece uma continuação, não?
ResponderExcluirTerá, Pinta & Borda, reis sempre têm sucessores, ou não teriam sangue azul, é só esperar.
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