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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5257SX Data: 18 de janeiro de 2016
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PAPO DE ÓPERA
- Biscoito!
- Paulo Fortes!
- Não esperava encontrar o amigo
tão cedo... Através do “Biscoito Molhado”, sabia da sua vida metódica, dos
cuidados com a saúde... Daí o inesperado... Uma legião de amigos e admiradores
não se conforma...
- É a vida, Paulo... Mas,
finalmente, encontro o grande barítono, que sempre admirei muitíssimo...
- Obrigado, Biscoito! A admiração
é recíproca! Sou um leitor assíduo do “Biscoito Molhado”. Gosto de tudo,
especialmente seus escritos sobre o mundo da ópera. Sempre recomendo sua
leitura ao Mario Henrique Simonsen. Ele também gosta muito das tuas crônicas.
Vamos conversar muito sobre o mundo da ópera! Sinto falta desses papos...
- Mas como assim, Paulo? Não
falta gente com quem conversar! O próprio Simonsen...
- Não é bem assim, Biscoito.
Adoro o Mario, o conhecimento dele sobre o mundo da ópera é avassalador. Mas
ele anda sem tempo. É procurado por dezenas de pessoas que querem conhecer suas
opiniões e prescrições para a crise infernal em que a “Presidenta” enfiou nosso
país. Ele não está muito animado...
- É, Paulo, a situação está
realmente complicada. Acho que o Professor Simonsen tem razão para estar preocupado.
Devo imaginar que, por conta dessa agenda atribulada, vocês não devem encontrar
tempo para aquelas cantorias que costumavam promover nos restaurantes que
frequentavam. Ou até mesmo no gabinete do Professor, na Fundação Getúlio
Vargas. O que levava à loucura a secretária do nosso grande economista...
- É isso mesmo... Lembro-me de
uma ocasião em que, como de costume, o Brasil estava metido em uma tremenda
enrascada econômica. O governo editara um imenso pacote de medidas e todos os
jornalistas queriam ouvir a avaliação do Mario Henrique sobre as providências
tomadas. Por determinação de sua secretária, todos deveriam aguardar na sala de
espera. Segundo ela, o Professor estava super ocupado. O problema é que essa
espera já durava algumas horas e todos estavam preocupados com o “fechamento”
dos jornais. Para piorar, podiam ouvir a cantoria que estava acontecendo
na sala do Professor. Pela enésima vez, ensaiávamos o dueto de “Falstaff“ com ”Ford",
página singular de Giuseppe Verdi que envolve dois barítonos. Nunca vou esquecer
a expressão de ódio dos jornalistas quando finalmente demos nosso ensaio por
encerrado e saímos da sala do Mario, felizes da vida...
- E esse dueto, Paulo, não tem se
repetido por aqui?
- É como eu disse, Biscoito. Por
um lado, o Simonsen está sem tempo. Também não aguento mais cantar todo dia a
mesma coisa. E tem mais. Que ninguém nos ouça, mas a voz do Mario está
completamente quebrada. Ele continua a fumar desbragadamente!
- Que pena, Paulo... Mas não
existem alternativas para se perpetuar esse papo operístico? Sei que você fez
amizade com o Pavarotti...
- É verdade. Vou te apresentar a
ele. Mas devo te prevenir: não se anime muito! Acredite se quiser, Pavarotti
revela um monumental desconhecimento sobre o mundo da ópera. Ele não tem noção
do que aconteceu na arte lírica nos anos 40, 50 e 60. Isso, de certa forma, não
me surpreende. Estamos falando de um sujeito que morou vinte anos em Nova
Iorque e não aprendeu uma palavra de inglês...Um grandíssimo tenor. Mas um papo
muito limitado. Mas, e você, Biscoito? Como explica sua paixão pela lírica? O
Sergio, meu filho, ficou impressionadíssimo quando te conheceu...
- Bondade dele... O que posso
dizer é que a minha chegada ao mundo da ópera se deveu ao meu pai. Ele trabalhou
nos principais jornais, era um revisor muito competente. Tinha profundo
conhecimento sobre os mais diversos assuntos. Foi quem me inoculou o vírus da
música clássica. Ouvíamos as transmissões da Rádio MEC, diretamente do Teatro
Municipal. O Sergio quase caiu para trás quando me ouviu falar sobre as grandes
personalidades da época. Lamentavelmente, isso faz parte de um passado remoto,
concorda, Paulo?
- Você tem razão, Biscoito. Essas
transmissões eram maravilhosas! Para registrá-las, a MEC fazia uso de um
gigantesco gravador AMPEX. O técnico da emissora era o Joacir, um bom amigo,
casado com a Clara Marisi, soprano importante daquela época. Essas
gravações permaneciam guardadas nos arquivos da Rádio MEC. Um belo dia,
por lá apareceu um diretor que, alegando falta de espaço, jogou tudo no lixo!
Durante anos o grande tenor Mario Del Monaco me cobrou uma cópia do fantástico
"Guarany" que cantamos em 1951. Nunca tive coragem de lhe dizer que
ela não mais existia...
- Que barbaridade, Paulo! Uma
amostra do apequenamento que prevalece em vários segmentos da arte em nosso
país. No Brasil ou no mundo todo? Confesso que tenho dificuldades para avaliar
a dimensão desse fenômeno.
- Comigo acontece a mesma coisa,
Biscoito. Mas acho que, nesse campo, estamos na vanguarda do atraso. Saltam aos
olhos os exemplos: o que é, hoje, a programação das nossas rádios? Alguém se
lembra de que a Rádio Nacional possuía várias orquestras? Que tocavam os
arranjos de Radames Gnatalli, Lyrio Panicalli, Leo Perachi... E os cantores ?
Que timaço! Orlando Silva, Francisco Alves, Carlos Galhardo, Silvio Caldas...
Além disso, programas geniais produzidos pelo meu super amigo Max Nunes, pelo
Haroldo Barbosa... Isso para não falar na deliciosa PRK - 30.
- Terríveis comparações, Paulo. O
teatro de prosa também decaiu muito. Onde estão as grandes companhias, o Teatro
Brasileiro de Comédia, Teatro dos Sete, as companhias de Procópio Ferreira,
Dulcina, Eva Todor? Dá para pensar, nos dias de hoje, em encenações de terça-feira
a domingo? Com algumas matinés intercaladas?
- É isso mesmo Biscoito. Sobre a
ópera, tenho até problemas para falar. Eu cantava sessenta récitas de ópera
no Teatro Municipal, nos anos 50 e 60. O que acontece ali hoje em dia ? É uma
tristeza...
- Não sobrou nem para o futebol, Paulo!
Que milagre foi esse que reduziu a capacidade de espectadores do Maracanâ,
de 200 mil para 70 mil torcedores? Não quero nem falar nos 7 x 1 da Alemanha.
Isso não passa pela minha garganta...
- Biscoito, você quer um símbolo
maior de nossa derrocada futebolística do que a decadência do meu América?
- Acho que você tem razão, Paulo.
Pelo menos o meu Fogão está de volta à Série A do Campeonato Brasileiro.
- De futebol, Biscoito, vamos
falar em nosso próximo papo.
O espetáculo da vida me consola. Mas o "papo de ópera" entre Paulo Fortes e Carlos Eduardo Nascimento seria "imperdível", com certeza. Viraria compêndio. Bem sacado.
ResponderExcluirLuca
Bravos!!!
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