Total de visualizações de página

quarta-feira, 1 de abril de 2015

2824 - nas barras da justiça


-------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5074                              Data:  28 de março de 2015

-----------------------------------------------

 

MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE XXIV

 

JULGAMENTOS - Em 1958, não havia muitas televisões, a grande mídia era exercida pela imprensa escrita. Os jornais, as revistas (O Cruzeiro despontando entre todas) só falavam do assassinato da Aída Curi. Eu estava com dez anos de idade e – eu ainda não era um leitor voraz – não via outra coisa nas manchetes. Também ouvia, e ouvi meu pai indignado com a afirmação do Dom Hélder Câmera que a vítima era uma santa.

-Ela entra num edifício com dois homens e é santa?!... - esbravejou.

Era um prato cheio para a imprensa o caso de uma moça de 18 anos de idade, que veio de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, que é convencida por dois rapazes, com jeito dos transviados que surgiam com o rock and roll, a acompanhá-los até um apartamento na Avenida Atlântica e de lá se atira para a morte para não ser estuprada,

Com o Diário de Notícias e o Globo em casa, com o meu pai emitindo opiniões incisivas sobre o assassinato da Aída Curi, não havia como eu me alhear desse caso. Captava tudo como uma esponja e ficava cada vez mais confuso.

Em 1958, nós tínhamos uma televisão de 14 polegadas, que meu pai comprou de segunda mão, cujo estado normal era estar escangalhada. Somente um técnico japonês conseguia endireitá-la, porém, ele dificilmente se encontrava disponível. Poucos dias antes do julgamento do crime, o japonês reapareceu com toda a sua habilidade em lidar com válvulas e fios entrelaçados e nós pudemos assistir a ele, o julgamento, na televisão.

Um dos assassinos com nome de boa família, Ronaldo Guilherme de Souza e Castro, e o porteiro, que franqueara a porta e, provavelmente, participou da curra, estavam no banco dos réus. Cássio Murilo, por ter 17 anos de idade, foi protegido por uma lei que não vigora nos países mais avançados do mundo, ficou fora, encaminharam-no para o S.A.M.

Quando as câmeras do canal do Assis Chateaubriand focalizava o rosto do criminoso transviado, eu não via a sua cara e sim os óculos escuros. Para mim, aquele Ronaldo não tinha rosto, tinha óculos escuros.

Quando o juiz proferiu a sentença, condenando-o a 38 anos de detenção, se não me trai a memória, meu pai se indignou. Ele, mesmo sendo jornalista, achava imprensa responsável por uma pena tão elevada.

Em 1958, nós morávamos na Rua Cachambi e, no final de 1961, na São Gabriel. Foi com a turma dessa rua, que o Reco veio com a notícia: o Cássio Murilo do crime da Aída Curi, servindo o Exército, matou um coronel com um tiro de 45, a arma cujo calibre, na época, assustava tanto quanto o fuzil AR 15 hoje em dia. 

Se a Aída Curi foi, de fato, santa, como proclamava Dom Hélder Câmera, aquele julgamento de 1958 não contemplou o diabo.

No ano de 1961, explodiu o caso Dana de Teffé, uma milionária tcheca que desapareceu quando viajava pela Via Dutra.  Foi um prato suculento para os jornalistas; um deles, creio que o Davi Nasser colocou a alcunha no principal suspeito, o causídico da vítima, Leopoldo Heitor, de “O Advogado do Diabo”.

Em 1963, dois anos depois, portanto, eu iniciei um tratamento dentário, e a sala de espera do consultório do dentista, meu tio, mais parecia uma sucursal da revista “O Cruzeiro”. Assim, tenho quase mil horas de leitura da publicação mais exitosa do megaempresário Assis Chateaubriand e as páginas que meus olhos mais percorreram foram sobre o sumiço da milionária que levou às barras do tribunal o “Advogado do Diabo”. Parecia que o crime se dera no dia anterior e que o cadáver da vítima, que nunca apareceu, ainda estava fresco,

Havia ainda espaço para notícias sobre o crime do Sacopã, que ocorrera há mais de dez anos, em 1952, precisamente.  Nesse assassinato, o dono da Luta Democrática, saiu em defesa do réu, o Tenente Bandeira.

Para os jornais e revistas, nada se esquecia, nada prescrevia, um indício novo sempre aparecia.

Os grandes crimes continuaram a acontecer, com a cobertura maior dos canais da televisão a partir da década de 70, mas longe do impacto que a imprensa escrita, nos seus áureos tempos, provocava.

 

TROTE – Quando entrei para o Visconde de Cairu, fui submetido com os demais calouros a um trote chapa-branca. Explico: o diretor do colégio enfileirou todos os alunos em fila, com a presença dos pais, no pátio e ordenou à banda que tocasse “O Bom Menino”, música infantil do palhaço Carequinha.

Depois, veio o trote dos veteranos - menos de dez alunos que se animaram a exercer o rito de iniciação dos novatos para que não fosse quebrada a tradição.

-Ordenaram-me que eu cuspisse quadrado. - contei para o meu pai, que riu, enquanto eu achava isso uma idiotice. Mais tarde, tomando conhecimento de trotes que provocam até mortes, como a ocorrida no curso de Medicina da USP, em 1999, percebi que os idiotas não eram aqueles garotos de 14, 15 anos de idade.

Também me mandaram fazer uma barra, como se estivéssemos na aula de Educação Física. Por que não exigiram de mim 10 flexões de braço? Eu não me sairia mal nessa modalidade de exercício, mas eles queriam que eu agarrasse a barra e erguesse o meu corpo com os braços até o meu queixo ficar sobre ela. Saltei e as minhas duas mãos se fecharam na barra como uma torquês. Na parte em que eu tinha de levantar o meu corpo, flexionando os braços, veio a dificuldade: trinquei os dentes, estufei a veia do pescoço, procurei ajuda das pernas soltas no ar... Ufa! Consegui. Antes que me pedissem bis, soltei as duas mãos e os meus pés tocaram a boa terra.

Voltei à barra, mas, dessa vez, numa aula de Educação Física, com o traje apropriado: tênis, calção e camiseta regata. O professor enfileirou a turma diante de outra barra ordenando que um por um se erguesse nela o máximo que pudesse. Aquilo, na verdade, era uma disputa. O grandalhão, entre nós, franco favorito, foi um desapontamento: não chegou a três barras. Ganhou o azarão, o menor da turma, que conseguiu subir e descer o corpo sem largar a barra por sete vezes. Quanto a mim, saí-me tão bem como no trote.

No ano seguinte, na segunda série, estava com um grupo quando avistamos a garotada que acabara de entrar para o colégio, alguém falou em dar trote, mas ninguém se animou, muito menos eu.

 

 

 

Um comentário: