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quinta-feira, 30 de abril de 2015

2843 - Rock Around the Clock


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5093                                     Data:  26  de abril de 2015

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XXXII  MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

 

LOROTA – Conheci muitos loroteiros na vida, mas vou destacar dois, pois eles me levavam ao Barão de Münchausen por causa da fertilidade de imaginação, tamanha que dela brotavam mentiras para o mercado interno e externo.

Um deles foi o meu professor de Moral e Cívica do primeiro ano ginasial do Visconde de Cairu. Ele portava uma perna mecânica que arrancava uma atenção mórbida de mim. Até aquele momento, eu só conhecia as pernas de pau dos piratas de gibi e do cinema. Quanto à vida real, conhecia o manquejar daquele que se anunciava pelo Cachambi com uma voz abaritonada e de extensão operística: “Leopoldo Sapateiro”. A sua prótese era um cotoco de pau que lhe saía da canela e substituía o pé; carregava sempre, pelas ruas, um saco de sapatos às costas que desequilibrava o seu corpo ainda mais.

Perna mecânica eu só fui ver mesmo, pela vez primeira, nesse meu professor de Moral e Cívica. Algumas vezes, desci as escadarias do colégio com ele à minha frente. Cada degrau que ele superava, apoiado na sua inseparável bengala, a perna mecânica traçava um semicírculo. No instante em que seus sapatos se juntavam no degrau, eu podia deixá-lo para trás, mas, por delicadeza e curiosidade, freava a minha pressa e o observava com discrição.

Na sala de aula, reinado dos professores nas décadas passadas, a classe silenciava para ouvi-lo. Não falava em acontecimentos funestos quando se desviava da matéria escolar, nunca nos contou como perdera a perna e nenhum de nós ousou perguntar-lhe. O drama que viveu, talvez desde garoto, não anuviou o seu espírito, pelo contrário, falava de coisas alegres. E um dia contou aos seus alunos como enfrentou a Turma do Imperator.

Em meado dos anos 50, surgiu nos Estados Unidos o rock and roll e, com ele, rapazes que faziam questão de ostentar a sua rebeldia em relação aos adultos, a chamada juventude transviada. O Brasil, como os demais países do mundo ocidental, não era, depois da Segunda Grande Guerra Mundial, imune à influência americana.

Quando se ouviu “Rock Around The Clock”, no filme “Sementes da Violência”, em 1955, moças e rapazes se agitaram e os distúrbios nas salas de cinema chegaram aos jornais.

Em 1956, a explosão foi incontrolável nos cinemas quando chegou à tela o filme “Ao Balanço das Horas”, no original, “Rock Around The Clock”, com o conjunto de rock Bill Haley & His Comets. Em São Paulo, o Governador Jânio Quadros pediu a proibição desse filme alegando o tumulto que aquele ritmo selvagem provocava.

Nessa esteira, espalharam-se patotas de transviados, uma delas era a Turma do Imperator. Encontravam-se na galeria do cinema Imperator e se diferenciavam da mocidade bem comportada pelos topetes, calças jeans apertadas, blusões à James Dean ou à Marlon Brando do filme  “O Selvegem”, e também, no caso daqueles que tinham pais endinheirados, pelas lambretas. Nem todos eram moradores do Méier, lá se juntavam até gente da zona sul; nem todos eram desordeiros. Integravam a Turma do Imperator rebeldes sem causa que se sobressairiam, anos depois, na vida artística, como Nélson Mota, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Tim Maia, Wanderléa. Porém, a fama deles era de arruaceiros que entravam em conflito com outras patotas como a Turma da Urca.

Assim, a garotada bem comportada, os cidadãos de respeito evitavam o contato com aquela gente transviada, não foi o caso do nosso professor de Moral e Cívica. Na sala de aula, sentado à sua mesa, exigiu silêncio absoluto dos seus súditos e passou a contar a sua história.

Ele pretendia assistir a um filme no Imperator e, inevitavelmente, viu-se obrigado a passar por aqueles transviados que formavam uma espécie de corredor polonês. Seguia sossegadamente no seu caminho quando ouviu uma piada dirigida a ele, ocultou-nos a piada, não revelou se era referente ao seu defeito físico. Disse-nos, apenas, que parou, dirigiu-se, decidido, ao grupo de onde partira a chacota, mas ninguém se identificava. Passou, então, uma descompostura em todos, disse-lhes palavras duras que tinham de ouvir dos pais. Houve reação dos transviados, julgaram que ele ia recuar, mas não, avançou.

-Coloquei a Turma do Imperator para correr. - bradou brandindo a bengala que pegara de sobre a mesa de aula.

Outro mentiroso, mas que tecia fantasias ainda mais delirantes, era um primo meu de primeiro grau. Para que não surjam problemas na família, usarei um nome fictício; vai lá Marcelinho, já que não tenho parente algum próximo que assim seja nomeado.

A lorota que contou e não me saiu da mente, embora não a tenha decorado em sua inteireza, pois quando ele dava asas à imaginação nem avião conseguia acompanhá-lo, se deu também no início da década de 60.

Marcelinho era bem mais velho do que eu; tinha uns 20 anos de idade, enquanto eu não chegava aos 13.

Um dia, numa visita à nossa casa, percebeu que havia plateia na sala: meus pais, eu e minha irmã; e pôs-se, então a narrar a sua aventura.

Arrumara uma namorada, moça de boa família, que tinha ojeriza a transviados.

-Vejam vocês, os pais dela não permitiam namoro no portão, tinha de ser no sofá, sentados sob a vigilância ou do pai ou da mãe, mas, geralmente, dos dois. Segurar a mão do broto podia, mas beijar estava fora de cogitação. Eu tinha de ser rápido nas beijocas.

Se Marcelinho era interrompido por nós, ignorava o aparte e prosseguia a narrativa de onde parou.

-Eu podia partir para outras namoradas, mas ela era tão formosa que mantive o namoro. E assim foi quando, num sábado, avisei a ela que não apareceria para namorar e, evidentemente, tive de deixar os seus pais também informados.

Sem pausas, prosseguiu:

-De noite, nesse sábado, os pais dela ligam a televisão, sintonizam a TV Rio e me veem dançando rock no programa “Hoje é Dia de Rock”, do Jair de Taumaturgo.

-Quando apareci lá, eles me espinafraram, disseram que não permitiriam o namoro da filha com um transviado. E mais: estava com eles o Carlos Lacerda, que era tio da moça. Tive, então, de debater com os três, de defender a minha posição. No fim, os dois desistiram e só ficamos eu e o Carlos Lacerda discutindo. Depois de um tempo Carlos Lacerda apertou a minha mão e disse:

-Rapaz, eu não queria ser o seu adversário na política.

O fecho da sua aventura foi surpreendente, e, quando ele se foi, meu pai comentou:

-Marcelinho mente mais do que um colega meu de jornal.

 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

2842 - briga chocante


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5092                                     Data:  25  de abril de 2015

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119ª VISITA À MINHA CASA

 

-Nikola Tesla, o homem que, para muitos, criou a modernidade.

-Aposto que, nas escolas do seu país, eu nunca sou lembrado.

-Certamente que, nas faculdades de engenharia eletrotécnica, você é tão estudado quanto Keynes nas faculdades de economia.

-Não me fale em economia que eu perdi tudo enquanto vivia.

-Deus o chamou em 7 de janeiro de 1943 para iluminar o paraíso.

-O inferno já estava bem aceso, e não precisaram de mim, mas a sua imagem foi horrível. - criticou.

-A sua presença é tão surpreendente que me deixou em estado de choque, atordoou-me, essa é a razão de eu falar bobagens.

-Não se desvalorize; o que eu vi de gente falando bobagens... e pior, colocando-as em prática. Se eles se limitassem apenas à teoria...

-Eu tenho um amigo, o Sérgio Fortes, que é trocadilhista militante e ele, se o visse, diria que você foi um homem iluminado.

-Tive meus apagões. - não perdeu a piada.

-O momento mais agitado da sua vida foi “A Guerra das Correntes” contra Thomas Edison?

-Foram tantos os momentos agitados que vivi, essa guerra foi uma delas.

-Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica e pretendia ganhar um oceano de dinheiro iluminando o mundo, Nova York em primeiro lugar. Para isso, ele queria geradores de corrente contínua, porém, eles teriam de ser muitos. A corrente alternada, que você, Nikola Tesla, concebeu era bem mais eficiente e viável economicamente para o consumo da eletricidade.

-Eu apresentei, em 1887, um pequeno protótipo de motor de indução bifásico com rotor em curto-circuito. Era um tanto tosco, não era ainda o ideal, mas George Westinghouse me deu um milhão de dólares pela patente além de se comprometer a me pagar 1 dólar por HP que viesse a produzir no futuro.

-Você não precisava se preocupar com dinheiro mesmo que vivesse 100 anos.

-Como falei antes, perdi tudo ou quase tudo, mas eu me preocupava mesmo era com a ciência.

-Com a sua patente, foi deflagrada a terrível batalha entre George Westinghouse e Thomas Edison, este, querendo a corrente contínua e aquele, a corrente alternada.

-Eles se preocupavam mais com os ganhos financeiros, iluminando Nova York, os Estados Unidos e o mundo, do que com a ciência propriamente dita. 

-Para provar que a corrente alternada era um perigo, Thomas Edison pagou à molecada pelos cachorros que eles lhe traziam. Depois, esses cães, em exibições públicas, eram eletrocutados pela corrente alternada para mostrar o perigo para a vida humana que ela representava. Ele chegou ao ponto de eletrocutar elefantes...

-E, assim, Thomas Edison inventou a cadeira elétrica.

E prosseguiu:

-Edison estava brigando com os fatos e, mesmo que eletrocutasse todos os animais da África, perderia a guerra. - observou.

-George Westinghouse convenceu o governo dos Estados Unidos a adotar o modelo-padrão de corrente alternada como o meio mais eficaz de distribuição de energia elétrica. O investimento que ele fez na sua criação lhe deu um retorno financeiro em números siderais. Thomas Edison perdeu essa parada.

-Mas ele soube ganhar muito dinheiro com a lâmpada elétrica. A G&E não me deixa mentir. - disse-me.

-Você tinha trabalhado com ele?

 -Cinco anos antes, ou seja, 1882, fui para Paris e lá trabalhei, como engenheiro, na “Continental Edison Company, desenhando aperfeiçoamentos em equipamentos elétricos. Em 1884, eu me transferi para Nova York e me tornei assistente do renomado Thomas Alva Edison. Eu tinha de receber um poupudo bônus dele, por algumas descobertas e ele não me pagou alegando que se tratava de um chiste.

-Na chamada “Guerra das Correntes”, você se vingou.

-Pelo menos, ficou menos bilionário.

-Marconi, que não era cientista e sim empresário, enriqueceu também com a sua invenção, o rádio.

-Eu já fazia transmissões sem fios desde 1894.

Peguei uma apostila na estante de livros, enquanto Nikola Tesla observava os pombos no parapeito da janela e lhe disse com os papéis nas mãos.

-Aqui, registraram que você viajou, poucos depois dessa “guerra”, pelos Estados Unidos e pela Europa, apresentando novos ensaios científicos, detalhando aplicações nunca imaginadas sobre a aplicação da corrente alternada de alta frequência, além de outras descobertas relacionadas com ela. Mais ainda: você desenvolveu um conjunto extenso de inventos para produção e uso da eletricidade, como o motor elétrico, e registrou incontáveis patentes, como o acoplamento de dois circuitos por indução mútua, princípio adotado nos primeiros geradores industriais de ondas hertz....

-... O princípio e metodologia de criação de energia através de campo magnético rotativo, o motor assíncrono de campo giratório. - interrompeu a minha fala com esses acréscimos.

-Neste papel, lê-se que você também inventou a corrente polifásica, comutadores elétricos e ligação em estrela, novos tipos de geradores e transformadores, comunicação sem fio, a lâmpada fluorescente, o controle remoto por rádio e protótipos de transmissão de energia.

Respirei e concluí:

-Sou analfabeto na sua ciência, apenas usufruo da sua genialidade, como todo o mundo.

-Tudo bem; não gosto daqueles que usaram as minhas criações como apoio de pseudociências, com teorias sobre OVNIs e quejandos.

-Você era croata?

-Sim, nasci na aldeia de Smiljan que, em 1856, pertencia ao império austríaco.

-Você era filho de um padre presbítero da Igreja Ortodoxa e sua mãe, por sua vez, também era filha de padre.

-Minha mãe era por demais talentosa; embora analfabeta, memorizou uma miríade de poemas épicos. Creio que herdei o seu talento e a sua memória.

-O seu poder de memorização, Nikola Tesla, é lendário, afirmam que você decorava livros inteiros. E como foi você na escola?

-Estudei engenharia elétrica no Politécnico Austríaco na cidade de Graz, mas não concluí o curso. Tive dificuldades de adaptação. Quando garoto, deixaram-me fazer um curso de quatro anos em três, adulto, não. No terceiro ano, deixei de assistir às aulas e sumi, imaginaram que eu tivesse me afogado no rio. Reapareci, arrumei o meu primeiro emprego como engenheiro assistente, mas meu pai me convenceu a frequentar uma universidade na cidade de Praga. Fui, depois, para Budapeste, creio que em 1880.

-Lá você inventou o amplificador de telefone?

-Ou alto-falante.

-Tesla, falam que você era misofóbico.

-De fato, eu queria tudo limpo e higienizado. Já que vamos falar das minhas idiossincrasias, eu não suportava o número 3 e seus múltiplos. Não aguentava olhar para uma pessoa obesa, principalmente mulher.

-Mas amava os animais.

-Sim, nunca me esqueci do “Magnífico Macak”, o gato que tive quando garoto. Como eu adorava os pombos do Central Park, que eu alimentava diariamente, eles me adoravam também.

-Você teve uma doença rara na sua infância; clarões de luz o cegavam e você tinha alucinações.

-Eu visualizava, no meu cérebro, as invenções na sua forma exata antes de elas se tornarem concretas.

-Pensamento visual.

-Também, desde garoto, tinha visões de acontecimentos anteriores ao meu nascimento.

-Não se casou?

-Não daria certo eu viver intimamente com outra pessoa. Vivi meus últimos anos num quarto de hotel com o pouco dinheiro que me restou. Viam-me como um cientista maluco. Bem, hora de ir.

Antes de partir, disse espirituosamente:

-Espero que o caminho esteja iluminado.

 

 

 

 

 

 

 

2839 - um tubarão na cesta


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5089                                     Data:  19  de abril de 2015

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SABADOIDO DO TUBARÃO AOS TESTES

 

-Claudio, assisti, ontem, pela primeira vez, ao “Tubarão” de Spielberg.

-Só agora?!... Esse filme é de 1975, se não me engano.

-O Luca me enviou um e-mail com fotos dos cinemas de rua, e uma delas, por coincidência, foi tirada na estreia do “Tubarão”.

Meu irmão se pôs a enumerar os cinemas desse bairro, começando pelo Astor, mas eu o interrompi para falar da fita.

-Na parte final, o “Tubarão” se assemelha à história do “Moby Dick”, mas o Spielberg estraga tudo, a meu ver, com o final hollywoodiano.

-O álcool faz bem a saúde. No início, aquele cara escapa do tubarão porque, de tão bêbado, não conseguiu entrar na água com aquela mulher nua que o chamava. - lembrou.

-A cena em que ela é comida pelo tubarão é inverossímil, pois ninguém consegue se apoiar numa boia sinalizadora depois de uma dentada de um tubarão de 8 metros de comprimento.

Nesse instante, entraram a Gina e o Daniel na cozinha.

-Daniel, recebi, ontem, às 7h 45min da noite, exatamente, o sedex com o filme Barry Lyndon. Estranhei o horário com a moça do Correio e ela me disse que se atrasou. Ouvi falar que muitos funcionários dos Correios e Telégrafos estão procurando outro emprego.

-Carlão, ela se atrasou mesmo.

-Daniel, com esse aumento para 26% no Postalis, devido à má gestão petista, é para pedir o boné e ir embora.

-Carlinhos, eles têm um bom plano de saúde, estabilidade, e o desemprego está batendo à porta, não vão dar um salto no escuro. - argumentou a Gina.

-O fundo de pensão da Petrobras corre o mesmo risco. - acrescentou o Claudio.

-Os professores reclamam que ganham pouco, mas vê se algum deles quer ir embora? Eles não querem perder os benefícios. - insistiu a Gina.

-E nessa semana com feriado de Tiradentes e São Jorge, o governador e o prefeito deram a semana toda de folga.

-Deram nada. - informou ela.

-Então, eles surpreenderam, pois estender feriados é com eles mesmos. Eu terei de trabalhar segunda e quarta-feira,

-A Casa da Moeda deu para gente a semana inteira. - disse o meu sobrinho um tanto envergonhado.

-Daniel, é bom que dê mesmo, assim vocês não emitem moeda para aumentar a inflação.

-Carlão, em 2013 a Casa da Moeda emitiu tanto, que a ordem é parar.

Retornei as películas.

-Com o Barry Lyndon, Stanley Kubrick mostra que o cinema pode ser degustado com os olhos.

-Carlão, não se degusta com o paladar? - indagou meu sobrinho em tom galhofeiro.

-Degusta-se devagarzinho gole a gole para sentir mais prazer, e, nesse caso, degusta-se o filme cena a cena.

-Viu mais outro filme? - quis saber o Claudio.

-”Mash” do Robert Aldrich.

-Pela primeira vez?... Isso foi filmado em 1969. - reagiu.

-Eu revi, é uma fita de se rever. Soube, agora, que apesar do triunfo obtido, o diretor foi hostilizado pelos dois principais atores: Donald Sutherland e Elliott Gould; com este, ele se reconciliou, mas nunca mais filmou com o      Donald Sutherland.

-Você tem visto alguma coisa no Facebook, Carlão?

-Daniel, eu compartilhei o vídeo da final do campeonato carioca de 1969, o Fla x Flu, com a crônica do Nélson Rodrigues lida pelo Paulo César Pereio.

Gina, com a sua memória privilegiada, citou todos os conhecidos, destacando os casais, que foram ao Maracanã assistir a essa decisão.

-Foi o melhor Fla x Flu que vi, não sei se o de 1941 foi superior. - elevou o Claudio a voz, mantendo o comedimento.

-Eu estranhei que nem você nem o Daniel curtiram a minha postagem. - dirigi-me aos dois, porque meu irmão não é afeito a computadores.

-Eu escrevi um comentário sobre esse Fla x Flu, até longo, mas apaguei tudo sem enviar.

-Ficou com medo do Porreca? - provoquei a minha cunhada tricolor.

Daniel soltou uma gargalhada.

Cabe aqui um esclarecimento. Leandro Porreca foi colega do meu sobrinho nos Correios, e continuam amigos e polemistas até hoje. Como os dois debatem, agora, pelo Facebook, a Gina, às vezes, substitui o filho nas discussões. Ele é torcedor do Flamengo e petista. Com o desconto do seu fundo de pensão sendo elevado estupidamente, Porreca deixou de polemizar em favor do PT, mas quanto ao seu clube do coração, ele continua transbordante de paixão.

-Amigos, a humildade acaba aqui. - memorizou o Daniel a frase inicial da crônica.

-A locução do Paulo César Pereio é inigualável para os textos do Nélson Rodrigues. - afirmei.

Claudio tomou a palavra.

-Mas, para mim o Fluminense tricampeão carioca em 1983, 1984 e 1985, foi melhor do que a “Máquina”, do tempo do Rivelino. Paulo Vítor, Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato.

Depois de ele escalar o time que lhe traz boas recordações, voltei-me para o Daniel com outro assunto:

-Daniel, você deve sair da Caderneta de Poupança que, com esta inflação, está dando prejuízo. Parta para o Tesouro Direto que você nocauteia a inflação.

-Carlão, dizem que ela é um monstro. Como vou nocautear?

-Daniel, há títulos do Tesouro Direto atrelado ao IPCA, à taxa SELIC mais rendimentos. Eu vou pegar dados no computador e você vai ver como é simples. Eu tenho aplicação até 2024.

-Até 2024?!... Eu vou pegar para mim.

-Claudio, eu não preciso esperar a data de vencimento para fazer o resgate; pode ser qualquer dia, antes, era só às quartas-feiras. Mas não se deve tirar antes de 24 meses de aplicação para não pagar imposto de renda superior a 15% sobre os rendimentos. Resumindo: você ganha de rendimento líquido a inflação mais 4%, se comprar título atrelado ao IPCA.

-Vou pensar, Carlão.

-Não pense muito, pois a inflação está abocanhando a sua poupança.

-A gerente da Caixa Econômica me aconselhou a investir em LCI. - interferiu a Gina.

-É um bom investimento, Gina, mas LCI e LCA exigem valores altos, enquanto o Tesouro Direto aceita mixaria, 30 reais.

-Carlão, você está em penúltimo numa corrida, é ultrapassado, em que lugar você fica?

-São os seus testes de inteligência?

Meu sobrinho insistiu:

-Você dirige um ônibus até Cabo Frio; chega a Itaboraí, saltam 5 passageiros e entram 3. Em Araruama, saem 7 e entram 15. Qual o nome do motorista?

Sem esperar resposta, falou de uma colega que não entendeu nada, mesmo depois de ele dar a resposta.

-Só aturo, porque ela é uma delícia.

E me mostrou uma foto da moça, no seu celular, de biquíni, boiando na piscina.

-Ela tem crédito. - disse-lhe.

-Teste bom foi aquele que o Claudio apresentou há três sábados.

-Qual deles, Carlão? - perguntou-me.

 -”Você coloca 1 maçã na cesta em 1 minuto, 2 maçãs em 2 minutos, 4 maçãs em 3 minutos, 8 maçãs em 4 minutos e, assim, sucessivamente, Em 30 minutos, a cesta está pela metade. Em quantos minutos a cesta estará cheia?

-Daniel, vá se vestir para almoçar. - apressou-o a Gina.

terça-feira, 28 de abril de 2015

2838 - O Pinguim na Challenger


 

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      O BISCOITO MOLHADO

                      Edição 5088                                       Data:  18  de abril de 2015

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CARTAS DOS LEITORES

 

-Eu fui um dos ouvintes contumazes do programa “Noturno” da Rádio Jornal do Brasil que, como o irmão do redator do Biscoito Molhado, acertou a charada proposta pelo programa e ganhou uma viagem no ônibus Espacial Challenger que explodiu.  Só me restou uma dúvida: foi mesmo o Simon Khoury que pregou essa peça na gente? Osvaldo

BM: Meu caro Osvaldo, nós, do Biscoito Molhado, escutamos alguns anos antes, um programa com o mesmíssimo nome, na Rádio Ministério da Educação, cujo início era à meia-noite e a música que abria e conduzia o programa era a encantadora “Fantasia Greensleeves”, arranjada por Vaughan Williams – era uma canção de autor desconhecido do período do reinado dos Tudor na Inglaterra, citada até pelos Beatles na canção “All You Need Is Love”.

Quanto ao “Noturno” da carta, cujo início se dava uma hora antes e se restringia à música popular, embora a Rádio Jornal do Brasil reservasse a maior parte da sua programação da noite à chamada música clássica, nós o escutamos algumas vezes na década de 70. Lembro a entrevista com o Vinícius de Moraes e da pergunta que lhe fizeram sobre seus casamentos, e a resposta dele que a sua atual mulher (a sexta, parece) seria a sua viúva; não foi, vieram mais duas ou três.

Isso foi em 1975 ou 1976 e eu não tenho a menor dúvida de que o Simon Khoury participava desse programa, apesar de a voz ser do Eliakim Araújo. Depois de citar essa piada da Challenger umas três vezes neste periódico, não tive a mesma certeza: teria sido mesmo o amigo de cinquenta anos de briga do Jonas Vieira o autor da brincadeira com aqueles que acertaram a charada proposta pelo Noturno em 1986? Para confirmar ou não o que venho escrevendo, procurei uma das vítimas, a que estava mais próxima de mim: meu irmão.

Ele se lembrou, naturalmente, do Simon Khoury, mas desse programa, propriamente dito, só lhe vinha à mente o radialista Luiz Carlos Saroldi. Como a resposta ficou incompleta, o Biscoito Molhado acionou o seu Departamento de Pesquisas e colheu os dados que se seguem em alguns parágrafos abaixo.

O Noturno nasceu em 1972, e o Luiz Carlos Saroldi chegou em outubro de 1974 e o produziu até 1983 – ele mesmo não garante o ano exato. Quanto ao Simon Khoury, foi diretor artístico da Rádio Jornal do Brasil entre 1968 e 1977, quando criou e produziu esse programa que muitas pessoas de meia-idade, hoje, consideram inesquecível. A apresentação ficava a cargo do Eliakim Araújo, que possuía uma das mais apreciadas locuções da mídia. Noturno era transmitido diariamente às 23 horas e as terças-feiras estavam dedicadas às entrevistas conduzidas pelo hoje apresentador bissexto do Rádio Memória da Rádio Roquette Pinto, Simon Khoury.  Essas entrevistas, que foram incontáveis, deram origem ao livro, com vários volumes, “Bastidores”, seu trabalho de biógrafo das personalidades brasileiras, que se encontra esgotado.

Resumindo: a pergunta ao Vinícius de Moraes sobre as suas esposas foi do Simon Khoury, mas quanto ao idealizador da piada da viagem no Challenger, ônibus que explodiu nas nuvens, há controvérsias. Porém, o estilo da piada é do Simon Khoury, convenhamos.

 

-Ouvi o Rádio Memória em que o Sérgio Fortes anunciou “Komm Mit Mir Zum Souper”, dueto para tenor e barítono da opereta “O Morcego”.Na ocasião, ele se referiu a uma esposa do compositor. Como foi mesmo essa história? - Gérson dos Santos.

BM: Depois das esposas do Vinícius de Moraes, passemos para as do Johann Strauss Jr, que foram em número bem menor, apenas três.

Johann Strauss Jr casou com a cantora Henrietta Traftz, em 1862, contrariando a sua mãe dominadora. Eles viveram juntos até a morte dela em 1878. O compositor, que já estava enrabichado pela atriz Angelika Dittrich, bem mais nova do que ele, só suportou a viuvez por seis semanas. O seu segundo casamento foi catastrófico para ele; sem estrutura orgânica para acompanhar o ritmo da mulher, acrescido do fato de ela não ser confiável, só viu o divórcio como saída.

O rei das valsas, a terceira personalidade mais popular do mundo, segundo uma pesquisa de um jornal alemão – a Data Folha da época – só perdeu para a Rainha Vitória e o Chanceler Otto von Bismarck – Johann Strauss Jr viu o seu iluminado mundo valsante desmoronar. A Igreja Católica não admitia o divórcio e ele se viu, então, obrigado a mudar de religião e de nacionalidade, tornando-se cidadão de Saxe-Coburg-Gotha em janeiro de 1887. Com isso, perdeu também uma fortuna.

Como dizia o escritor irlandês Bernard Shaw sobre as pessoas que se casam mais de uma vez - “É a vitória da insistência sobre a experiência” - Johann Strauss Jr insistiu se casou pela terceira vez, ela se chamava Adele Deutsch. Dessa vez, acertou: a sua terceira esposa o incentivou, fez com que a sua autoestima fosse recuperada e o talento criativo do compositor fluiu mais uma vez, resultando em obras que ganharam a Europa, primeiramente e, depois o mundo.

 

-No Minidicionário Autobiográfico que continha o verbete “cooper”, não foram citadas as figuras que se tornaram folclóricas correndo pelas ruas. Nilton Santos

BM: Cito, agora, meu caro Nílton Santos, aquela que mais se destacou para mim: o Pinguim.

Ele enchia uma carroça, tamanho médio, de refrigerantes, num depósito da Abolição e, correndo, o empurrava até a porta do Colégio Pedro II, no Campo de São Cristóvão, onde encontrava seus fregueses entrando e saindo da escola.

Década de 70: eu o via na Avenida Suburbana; a sua vasta cabeleira grisalha subia e descia em consonância com as suas pernas aligeiradas.

Sumiu; e fui encontrá-lo em 1988, quando eu saía do Norte Shopping com o meu sobrinho Daniel. Parecia que o Pinguim acabara de emergir de uma piscina de suor; as suas pernas pareciam dois troncos de árvore. No ponto defronte ao Shopping, ele aguardava o ônibus.

Por volta de 2001, quando eu troquei o metrô pelo ônibus Castelo-Irajá, no retorno do trabalho para casa e o avistei por diversas vezes. Pinguim tinha um ponto de encontro com amigos na Rua São Luiz Gonzaga. Vestia sempre uma bermuda e uma camiseta regata com a figura de um pinguim nas costas. Sua cabeleira grisalha continuava vasta e, com toda certeza, subindo e descendo em consonância com as suas pernas aligeiradas.

 

 

segunda-feira, 27 de abril de 2015

2837 - o teste de Cooper


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5087                                      Data:  15  de abril de 2015

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XXXI MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

 

COOPER – Eu li tudo que me chegava às mãos sobre a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 no México. Assim, foi com a alegria de um colecionador que encontra um livro que escapou do incêndio da Biblioteca de Alexandria, que manuseei as páginas do “Aeróbica”, que Kenneth Cooper lançou em 1968.

Eu sabia sobejamente que o oficial Claudio Coutinho, por conhecer bem o idioma inglês e ser graduado pela Escola de Educação Física do Exército, fora designado para representá-la no Congresso Mundial realizado nos Estados Unidos onde conheceu o professor Kenneth Cooper e os seus métodos revolucionários de educação física  utilizados na NASA.  Pouco depois, Claudio Coutinho empregaria esses métodos na seleção brasileira de futebol, com a sua equipe – Carlos Alberto Parreira entre eles – obtendo êxitos conhecidos por todos. Os mais deslumbrados diziam até que o escrete venceu todos os jogos da Copa no segundo tempo, quando a condição física dos jogadores em campo falava mais alto.

O livro que me chegara às mãos, do Kenneth Cooper, com tradução do Claudio Coutinho, que recebera gentilmente do autor as tabelas de exercícios mais atuais, pertencia ao irmão do meu cunhado e foi rapidamente devorado por mim.

Animado como um beato que lê o evangelho e vai para a igreja orar e reservar seu lugar no paraíso fui para o campo de futebol correr. O mais próximo era o campo Cachambi e lá ia eu correr, melhorar o meu condicionamento cardiovascular. Na primeira vez, dei umas 10 voltas em torno do campo e assim foi durante os primeiros dias. Calculava a minha performance – por volta de 1600 metros em 12 minutos – cotejava, em seguida, com os números da tabela do livro do Kenneth Cooper e via o meu fiasco. Eu tinha de melhorar muito.

A distância corrida em 12 minutos era o chamado “Teste de Cooper” e eu estava antenado com as marcas dos jogadores publicadas nas páginas esportivas dos jornais. No Fluminense, o atacante Cafuringa e o beque Toninho, eram os melhores, sendo que o atacante superava com facilidade os 3000 metros, mas era derrotado pelo lateral direito quando o preparador físico estabelecia 5 000 metros de corrida.

No Botafogo, o beque central Brito era absoluto no “Teste de Cooper”, atigindo mais de 3200 metros. Não fora à toa que o considera que o consideraram o jogador mais saudável de todos os que disputaram a Copa do Mundo de 1970; vencendo jogadores da Alemanha, da Inglaterra, de países, enfim, com jogadores que, segundo o Nélson Rodrigues, têm saúde de vaca premiada. 

O craque Gérson, por outro lado, em entrevista sobre os efeitos dos exercícios aeróbicos, nos preparativos para a Copa no México, disse que quase morreu para chegar aos 2400 metros em 12 minutos – o fato de fumar nos intervalos das partidas em que atuava – diminuía a sua resistência respiratória, mas, com a continuidade dos exercícios, melhorou bastante.

Esse método servia para retratar a condição física do atleta, no momento. A aeróbica do professor Kenneth Cooper, no entanto, consistia em correr a maior distância possível no menor tempo – ele, mesmo, com o passar dos anos, faria vários ajustes nessa sua concepção.

Ao saberem que eu corria em volta do campo, obtive algum sucesso. Zé Pelé, por exemplo, que se destacava nas peladas me perguntou o que era aquilo de “Cooper”. Expliquei-lhe rapidamente e lhe garanti, que segundo o mestre do exercício aeróbico, bem preparada, uma pessoa pode dar 200 voltas naquele campo. Ele se mostrou incrédulo, e eu, também, mas fingia convicção. Quando o Japonês, um peladeiro da Rua Estevão Silva, com pernas musculosas de futebolista profissional, que passara a seguir o meu exemplo, chegou às 48 voltas em 50 minutos, com extrema facilidade, constatei que o Kenneth Cooper sabia das coisas.

Era monótono dar várias voltas num mesmo lugar, pensei, então, em correr na rua. O meu amigo Luca diz que sou o pioneiro, no Cachambi, do cooper (sinônimo de correr na época) na rua; mas ele se engana. Pai e filho, o menino deveria ter uns 6 anos de idade, foram os primeiros.  Eles vinham da Avenida Suburbana, entravam na Rua Chaves Pinheiro, lá pelas 8h da manhã, e se tornaram atração turística. Quem os avistasse primeiro, lá em casa, dava o alerta e íamos todos para a janela. Meus pais achavam uma gracinha, mas Kenneth Cooper faria várias restrições àquela atração; o menino parava várias vezes e o pai, meio gorducho, aproveitava para respirar. Acredito que a participação do guri era uma estratégia do pai para afastar a atenção de todos sobre ele.

Depois, sim, passei a fazer cooper na rua, mas com certo constrangimento.  Sempre que eu podia, tomava o rumo da Quinta da Boa Vista e corria por lá. Eu me sentia à vontade, com uma exceção, quando houve um evento com soldados praticantes de educação física e, em determinado momento, todos se perfilaram e soou o Hino Nacional Brasileiro. Nesse momento, eu vinha no melhor da corrida, sentindo o prazer dos neurotransmissores, como dizem os especialistas. E se eles me prendessem porque desrespeitei o hino? - ocorreu-me esse pensamento; mas tudo correu bem.

Fazia o meu cooper também no calçadão da praia do Arpoador a do Leblon, onde havia a vantagem de haver marcadores da distância percorrida e de ser o local de encontro dos praticantes da aeróbica. O próprio Kenneth Cooper, nas vezes que veio ao Rio de Janeiro, deu lá suas largas passadas.

O campo Cachambi ficou no passado, transformaram em Concessionária da FIAT por volta de 1975. Mas não deixei de praticar as minhas atividades aeróbicas na rua; um vizinho, o Hélio, que estudava Farmácia na UFRJ, se tornou meu amigo e um estímulo para as corridas rústicas. Quando ele se mudou, poucos anos depois, já eram muitos os praticantes, eu já não era mais a única vítima dos engraçadinhos sedentários.

Com o tempo, tornei-me um lobo sedentário, ou seja, evitava companhia na minha, a razão era a diferença dos ritmos das passadas, além de ter ao lado um corredor que gosta de conversa; cabe parodiar o slogan: “Nós viemos aqui para beber ou pra conversar?” Porém, num domingo, eu vinha correndo pela Avenida Suburbana, um pouco antes de Pilares, quando ouvi alguém atrás de mim perguntando se podia correr atrás de mim; voltei a cabeça e vi um crioulo alto, de pernas compridas e finas. Disse-me ele que fugia do irmão, também atleta, que o queria, naquela hora, numa competição renhida na Gávea, enquanto ele pretendia apenas uma corridinha de desintoxicação. Soube, então, que ele já percorrera 22 quilômetros. 

Passaram anos e as minhas corridas se transformaram em caminhada. Passaram mais anos ainda para o Kenneth Cooper, que nasceu em 1931, e ele que agora enaltecia os benefícios das caminhadas. Coube a mim mais uma vez seguir o mestre.

 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

2841 - “Tá certo, ou não tá?”


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5091                                    Data:  24  de abril de 2015

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RÁDIO MEMÓRIA PARA A MENINADA DO CAREQUINHA

PARTE II


   Como foi registrado anteriormente, o Rádio Memória se iniciou com uma dupla de cantores que tiraria nota 5 no programa de calouros do Ary Barroso: Frank Sinatra e Barbra Streisand. Eles cantaram a canção de George Gershwin, I've Got Crush On you. Veio em seguida o calendário acrescido do passamento do colecionador e radialista Rogério Monteiro.

Agora, Jonas Vieira esclarecia por que dissera que o programa seria palpitante: ele homenagearia o centenário de George Savalla Gomes, o inesquecível palhaço Carequinha. Antes de o Peter acionar as carrapetas do áudio, Jonas Vieira informou que ele veio do circo da família Savalla, em Carangola e montou com Fred, na antiga TV Tupi, o primeiro programa infantil da televisão brasileira.

-E o Zumbi. - acrescentou o Sérgio Fortes.

-E o Meio-Quilo. - acrescentamos nós que, soubemos, já na escola, que ele também poderia ser chamado de Quinhentos Gramas.

-Carequinha morou em São Gonçalo.

-No Cachambi também, Sérgio Fortes, mas eu, que me empolgava com ele, quando o via na televisão da minha avó, a partir de 1956; só soube disso décadas depois.

Jonas Vieira anunciou, então, a primeira homenagem musical:

-Carequinha canta várias cantigas de roda com um coro infantil.

Ouvimos, em seguida, encantadoras cantigas de ciranda entoadas, primeiramente, por ele, repetidas por crianças bem ensaiadas, tudo permeado por uma banda, que ele, na gravação, chamava de charanga em que, vez ou outra, se salientava um instrumento, como a flauta e a clarineta, Carequinha não perdia a oportunidade de fazer paródias como esta:

“Hoje em dia de ciranda,

não se vê ninguém brincar,

hoje é tudo de lambreta,

pela praia a passear.”

Seguiram-se os comentários do Jonas Vieira que expressavam o desalento a que foram relegadas as cantigas de roda, atualmente, porém ressalvou alguns colégios que ainda as mantêm.

-Jonas, eu torço para que não exista registrado no Youtube  que eu fui a uma festa de criança, eu também criança e o Carequinha me chamou para  dar a famosa cambalhota, várias crianças foram comigo.

Bons tempos os das cambalhotas do Carequinha; hoje, temos as pedaladas do Guido Mantega.

Depois de o Sérgio Fortes que, certamente, como eu, gritava para avisar que as calças do Carequinha estavam caindo, falar do seu número acrobático, o titular do programa instou que apresentasse a próxima música:

-Agora, Jonas, de um CD maravilhoso do clarinetista Mário Sève e o cravista Marcelo Fagerlande, “Bach & Pixinguinha”, vamos ouvir “Rosa”.

Logo, escutamos a criação do Pixinguinha que, no exercício do contraponto, recebeu louvores de Villa Lobos, e é citado, como contrapontista, em teses de doutorados de música.

-Recomendo esse CD a todo mundo, mas como é muito bom, deve ser difícil encontrar. Tem de procurar. - acentuou o Sérgio Fortes.

Era a vez do Jonas Vieira.

-Rádio Memória prossegue com a nossa modesta homenagem ao Carequinha, que marcou época na televisão brasileira. Ele era muito preocupado com as crianças, tinha paixão por elas.

-Sempre trazia uma mensagem para a meninada, uma recomendação.

-Então,Sérgio, vamos com mais cantigas de roda; ele e o coro infantil: “Passa, passa, gavião.”

No meio da música, mais uma paródia do Carequinha:

-”Passa, passa um avião,

 será ele ou não?

O presidente voa assim,

assim, assado, sempre apressado.”

-Carequinha colocou um caco. - assinalou o Jonas Vieira.

-Fez menção ao Juscelino Kubitschek. - identificou o Sérgio Fortes

-Ele realmente viajava de avião para todo lado.

-Era uma ponte aérea danada. - completou o Sérgio a observação do seu parceiro.

Na escolha musical do parceiro do Jonas Vieira, ele observou que, nas óperas, atenta-se mais para as grandes vozes, e a beleza melódica fica em plano secundário, por isso, ele optou pela ária do Toureador da “Carmen” em que o barítono era substituído pelo trompete.

Programa do Carequinha, TV Tupi, ária do Toureador, não há como não vir a nossa mente às Gotinhas da Esso, mesmo que um trompetista substitua o Assis Pacheco que, aliás, era tenor.

-Jonas, um registro: Filarmônica de Nova York com o maestro Leonard Bernstein.

Quanto ao trompetista, ele nomeou William Vacchiano, que fora reverenciado até por Wynton Marsalis.

Depois do intervalo em que se falou da maçonaria, voltou-se ao homenageado.

-Vamos lá, Carequinha e a sua gangue juvenil.

Ouvimos “Terezinha de Jesus e mais saborosas paródias que o Jonas Vieira prefere chamar de cacos, como estas:

-”Da laranja, quero um gomo,

do limão quero um pedaço,

da morena quero um beijo,

da mulata um abraço.”


Quanta laranja madura,

eu achava pelo chão,

hoje em dias as laranjas

são todas para a exportação.”


-O que é extraordinário nisso tudo é que são centenas de músicas, cantigas de roda criadas pelo povo, canções de uma grande beleza. - afirmou o Jonas Vieira.

Sérgio Fortes se reportou, então, aos disquinhos coloridos de histórias infantis com canções, e que o Braguinha teve grande participação neles a ponto de dirigir uma gravadora.

Jonas Vieira que, como nós, escutou as músicas do Chapeuzinho Vermelho, entre outras, confirmou a importância do Braguinha também nessa área.

-Jonas, agora, de Carequinha a Mozart.

-Mozart, certamente, não ficaria chateado.

-Vamos ouvir o minueto da Serenata K 375 com a Orquestra de Cordas de Budapeste.

Sérgio chamou a atenção para a naturalidade com que Mozart compunha peças como essa, e quando o Jonas disse que Mozart comporia até no metrô, ele concordou.

-Até no metrô de Salzburg.  

Depois de considerações sobre o nosso dia a dia, a perda de polidez no Brasil, e que o cronista Artur Dapieve a encontrou em Bogotá, quando foi ouvir Mozart, retornou-se ao Carequinha. “Atirei o pau no gato”. Antes, os dois apresentadores do Rádio Memória desancaram, como toda razão, o “politicamente correto”, que censura a língua, os costumes, e mudou a letra da prazerosa cantiga.

-Jonas, essa gente parte do pressuposto que, se você cantar três vezes seguidas “Atirei o pau no gato”, vai ao zoológico agredir o leão.

-Eles querem impor a vida deles a você.- esbravejou o Jonas Vieira.

A gravação do Carequinha desanuviou o clima, e veio mais uma paródia sua.

-Ontem eu joguei no gatotô,

mas o gatotô não deu.

Dona Chicacá deu a broncacá,

pois foi quando, pois foi quando,

ela perdeu.”

Sérgio Fortes optava agora pela gravação de Baden Powell e Vinícius de Moraes, “Formosa”, com o conjunto “Rabo de Lagartixa”, nomeando seus músicos: Daniela Spielman no sax-soprano, Alexandre Gonçalves no cavaquinho, Marcelo Gonçalves no violão de 7 cordas e o seu amigo da Orquestra Sinfônica Brasileira, Alexandre Brasil, no contrabaixo. A parte vocal coube à Elza Soares.

Jonas Vieira trouxe de volta o Carequinha com a petizada:

“Passaraio, passaraio,

quem me deixa eu passar,

tenho um filho pequenino,  

que não posso sustentar;

     

 tenho um filho pequenino,  

que não posso sustentar;

mas pergunte a ela

se quer trabalhar.

Eu não”. - diz uma voz adulta de mulher.

Em seguida, vieram as pertinentes queixas do Jonas Vieira.

-Não existem mais programas infantis. Os palhaços, hoje, são outros.

-Os palhaços estão em horário nobre.

-É o horário da palhaçada. - completou ele as palavras do Sérgio Fortes.

Seu companheiro retornou ao CD “Bach & Pixinguinha” e pediu ao Peter para tocar “1 a 0” do mestre do contraponto da canção popular.

Antes da vez do Carequinha, o titular do programa investiu contra a violência que grassa no país, e nós aproveitamos para atacar a erotização que a mídia propaga em proporções absurdas, concorrendo para que até mesmo as crianças não sejam inocentes como na época do Carequinha, saltando, lamentavelmente, fases da formação da sua personalidade.

-Vamos encerrar com “Escravos de Jó.” - declarou o Jonas Vieira.

Entra a gravação com um pequeno discurso do Carequinha em que exalta a Princesa Isabel, Castro Alves e José do Patrocínio com a criançada logo depois entoando o grito de liberdade do Hino da Independência.

-Tivemos um programa bem eclético.- julgou o Sérgio Fortes.

-Pau no burro e um demorado abraço. - despediu-se o Jonas Vieira.

“Tá certo, ou não tá?”