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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4169 Data: 11 de
Abril de 2013
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159ª CONVERSA DE TÁXI
Eu nunca vi esse taxista no ponto da Rua
Domingo de Magalhães, por isso, disse-lhe para onde pretendia ir, em seguida,
fiz o que ele já fizera: coloquei o cinto de segurança.
-A viagem é curta, não precisa colocar
o cinto. Eu coloco por que sou viciado.
-Eu também sou viciado em pôr o cinto
de segurança.
-Então, você vai para a Praça Manet?
-Precisamente, Rua Modigliani.
-Joguei muita bola lá anos atrás.
-Hoje, o campo está cercado por grades
com cadeado, a grama é sintética. No passado, aquilo era um rala-coco.
Depois dos meus comentários, ele falou
do tempo em que o campo era chamado de Sangue e Areia.
-Quando eu jogava, havia jogadores da
favela Bandeira 2 que vinham com armas. O Roberto vinha com uma metralhadora.
Um dia foi morto, e as filhas dele trabalham, hoje, no Shopping Nova América.
-Lembro-me que mataram um tal de Kojak,
na década de 80, no meio de uma partida noturna. Dizem que ele era assaltante e
os comerciantes se cotizaram, deram uma quantia a policiais que o fuzilaram.
-Kojak?!... - puxou pela memória.
-Um jornal sensacionalista noticiou que
ele driblou toda a defesa adversária e, na hora de marcar o gol, foi baleado
pelo time adversário.
O taxista que, apesar do seu passado
futebolístico, era muito educado e gentil, esboçou um sorriso.
-Hoje, temos de nos cuidar dos
cracudos. - disse ele.
-Eles, pelo menos, não andam armados,
pois mal uma arma lhes chega às mãos, eles vendem para comprar pedras de
craque.
-Mas roubam muito. Se um desses
cracudos lhe pede dinheiro, enquanto outro, sorrateiramente, corta a sua
mochila, você nem percebe. - comentou.
Essas últimas palavras foram ditas
quando o seu carro já parara, e eu lhe pagava os oito reais da corrida. Quando
saltei, desejando-lhe um bom serviço, ele me surpreendeu:
-Foi um prazer estar na sua companhia.
Eu nunca ouvi isso antes de um taxista.
Noutro dia, entrei no táxi do Vereador,
chamo-o assim, apesar de os seus colegas de cooperativa afirmarem que ele nunca
se elegeu.
-Olha esse carro. - indicou-me o
veículo à frente.
E prosseguiu:
-É de um fiscal da prefeitura que, a
essa hora, deveria estar trabalhando. Ele fiscaliza, agora, a pracinha da Maria
da Graça.
Nesse instante, o tal fiscal contornava
uma pequena praça com brinquedos para as crianças.
-Ele mesmo diz, com a cara mais
deslavada, do mundo, que não fiscaliza como deve.
-E desabafou:
-Este é o nosso país.
-E a interdição do Engenhão? -
provoquei.
Para um tagarela como ele, sua pausa
foi demasiadamente longa.
-Vou lhe dizer: o Engenhão foi
construído com material de décima categoria e mão de obra de quinta.
-Superfaturaram?
-Eles não fazem outra coisa; sempre
arranjam um motivo para jogar o preço na estratosfera e embolsar uma bolada.
E disse com a voz estentórea
-Todos sabiam que aquilo estava
enferrujado, que provocaria acidentes. Agora, o Eduardo Paes vai embolsar um
dinheirão porque vai jogar o preço da reforma do Engenhão nas nuvens.
Saltei do táxi do Vereador pensando numa frase do
Sérgio Porto: “Ou nos locupletemos todos ou restauremos a moralidade”.
-Vi na televisão a morte dessa inglesa.
-A Margareth Thatcher. - ajudei a
memória do Paizão.
-Isso.
Não sei se ela foi uma bruxa ou não. Cada um dizia uma coisa.
-Bruxas são as duas que temos,
atualmente, na América do Sul.
-Você está, então, do lado dos que
acham que ela foi boa?
-Ela pegou a Inglaterra em pleno
declínio econômico, quando saiu, o país estava em condições incomparavelmente
melhores. O mesmo aconteceu com o Ronald Reagan; pegou os Estados Unidos em
péssimo estado, para os padrões americanos, tanto que Jimmy Carter não foi
reeleito e deixou a presidência, oito anos depois, com uma inflação mínima
e crescimento econômico.
-Ah, falaram também nesse americano, os
dois rezavam pela mesma cartilha. Teve gente que disse que eles são culpados
pela crise de hoje.
-Uma idiotice. - bradei.
-Gosto das pessoas convictas. - disse o
Paizão no meio de uma risada.
-Margareth Thatcher deixou o governo em
1990, Ronald Reagan em 1989.
A crise econômica se iniciou dezoito anos depois. Como
eles podem ser os culpados?
-Porque continuaram a política dos
dois, foi o que ouvi na televisão.
-Muitos não atentam para o fato que a
economia é uma ciência social e não uma ciência exata como a física,
matemática. Sendo uma política social, o que serve hoje para melhorar a
situação econômica de um país, pode não servir amanhã, o modelo se esgota, é
tudo mutável.
-Disso eu não entendo muito. -
reconheceu.
-Os dirigentes da Europa e dos Estados Unidos
tiveram dezoito anos para calcular até que ponto havia necessidade da entrada
do Estado para frear o ímpeto do livre mercado, não o fizeram e deu no que deu.
E concluí:
-É uma questão de sintonia fina entre
intervenção do estado e mercado.
-De sintonia fina, eu só entendo a da televisão. -
disse no seu jeito bonachão ao me deixar em frente à minha casa.
-Vai filho de uma égua. - reclamou o Bob
Esponja de um motoqueiro que lhe cortou à frente, para que eu ouvisse, não o
quadrúpede.
E voltado para mim, disse:
-Eu já me assusto quando vejo um
motoqueiro à minha frente.
-Eu ficava assim, quando via uma
bicicleta à minha frente. Se um carro trafegando com menos da metade do
permitido provoca problemas no tráfego, o que dizer das bicicletas que,
normalmente, são lentas.
Mas o Bob Esponja não é bom ouvinte, é
falante, por isso prosseguiu com a motocicleta.
-Acertei com meu táxi, certa vez, um
casal que surgiu repentinamente na minha frente. O estrago na lataria foi
grande. Peguei o celular para chamar a polícia, e ele logo se levantou: “Se
chamar a polícia vai me causar problema”.
Antes de eu lhe perguntar por que,
seguiu adiante:
-Ele foi traficante do Jacarezinho e estava
tentando se regenerar trabalhando como moto-boy.
E comentou com um sorriso irônico:
-Voltou para o tráfico depois.
E prosseguiu:
-Fomos a uma oficina, e o orçamento foi
de 700 reais. Posso colocar as mãos para os céus de ter conseguido arrancar
dele 350 reais.
Quando eu ia indagar se a companheira
do moto-boy se machucou, Bob Esponja passou para outro assunto que só se
esgotou quando ele me deixou na Rua Modigliani.
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