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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4159 Data: 27 de
Março de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Mas, Monteiro Lobato, foi na condição
de fazendeiro que, praticamente, se iniciou a sua carreira literária?
-Eu estava indignado com a ignorância
dos caboclos que praticavam costumeiramente queimadas. Assim, escrevi “Velha
Praga” e enviei para a seção “Queixas e Reclamações”, destinada aos leitores do
jornal Estado de São Paulo. Eles não publicaram meu texto como carta e sim como
artigo.
-Saltava aos olhos o valor literário da
sua escrita.
-Como consequência, produzi outros
artigos para esse jornal.
-Entre eles, “Urupês”, em que surgiu um
dos personagens brasileiros mais representativos, o Jeca Tatu.
-Jeca Tatu é um piraquara... assim são
chamados os habitantes das margens do rio Paraíba do Sul.
-Eu aqui tenho o seu livro “Urupês” e
vou ler um trecho.
Dizendo isso, abri o livro na página
procurada e pus-me a ler, saltando algumas frases devido à premência do tempo:
Feia e sorna, nada a põe de pé. Pobre
Jeca Tatu! Como é bonito no romance e feio na realidade! Jeca Tatu é um
Piraquara do maravilhoso epítome de carne e osso onde se resumem todas as
características da espécie. O fato mais importante da vida do Jeca é votar no
governo. A modinha, como as demais manifestações de arte popular existe no
país, é obra do mulato em cujas veias o sangue recente do europeu, rico de
atavismos estéticos, borbulha d' envolta com o sangue selvagem, alegre e são do
negro. O caboclo é soturno. Não canta senão rezas lúgubres. Não dança senão o
cateretê aladainhado. O caboclo é sombrio Urupê de pau podre a modorrar
silencioso no recesso das grotas. Bem ponderado, a causa principal da lombeira
do caboclo reside nas benemerências sem conta da mandioca. Talvez sem ela se
pusesse de pé e andasse. Mas enquanto dispuser de um pão cujo preparo se resume
no plantar, colher e lançar sobre brasas, Jeca não mudará de vida.
-Eu não me conformava que, entre as
raças de variados matizes, formadora da nacionalidade brasileira, existisse
essa, a vegetar de cócoras. - afirmou Monteiro Lobato.
-Você
até assinala, mais adiante, que o vigor das raças humanas está na razão direta
da hostilidade do meio ambiente.
-Sim, o holandês extraiu de um brejo
salgado a Holanda a poder de estacas e diques. Quanto ao Jeca Tatu sempre de
cócoras...
-Você provocou muita polêmica, muitos
disseram que você conheceu apenas o caipira caboclo e generalizou.
-O folclorista Cornélio Pires discordou
de mim, contudo, guardei as suas palavras: “Apesar dos governos, os outros
caipiras se vão endireitando à custa do próprio esforço, ignorantes de noções
de higiene. Só ele, o caboclo, ficou mumbava, sujo e ruim! Ele não tem culpa.
Ele nada sabe. Foi um desses indivíduos que Monteiro Lobato estudou, criando o
Jeca Tatu, erradamente dado como representante do caipira em geral.”
-Por outro lado, Rui Barbosa o apoiou; falou,
numa conferência do seu Jeca Tatu “a vegetar, de cócoras, incapaz de evolução e
impenetrável ao progresso.”
-Rui Barbosa foi um bom aliado, era um
polemista inflamado.
-Seu grande mérito, Monteiro Lobato, foi
despertar a atenção de todos para uma questão social, estando você certo ou
errado na sua apreciação.
-Não tenho dúvidas que despertei a
atenção dos brasileiros para o Jeca Tatu.
-Dia desses, os jornais estamparam a
concretização de uma previsão sua de quase cem anos: as cidades que margeiam o
rio Paraíba do Sul se tornariam fantasmas.
-Acertei, infelizmente.
-As geadas o atormentaram também a ponto
de você escrever páginas e páginas sobre elas.
A ponto de eu ficar em dificuldades
financeiras e ser obrigado a vender a fazenda São José do Buquira, em 1916, mas
não foram só as geadas...
-Você se estabeleceu, então, com a
família na cidade de São Paulo?
-Sim. Fundei, em Caçapava, a revista
“Paraíba”, mas trabalhei mesmo no Jornal “O Estado de São Paulo”. Cobri a
Grande Geada de 1918, que dizimou com os cafezais paulistas.
-Foi o ano da gripe espanhola.
-Pois é, os editorialistas caíram com a
gripe e eu tive de me desdobrar para substituí-los.
-E a sua vocação de empresário?
-Adquiri, em 1918, a Revista do Brasil,
que publicava autores conhecidos, mas também, eu exigia isso, os novos
talentos.
-A
Revista do Brasil repercutiu tanto, no mundo cultural, que você pôde montar uma
empresa editorial.
-Inovei: os livros eram distribuídos por
vendedores autônomos e por distribuidores espalhados pelo Brasil.
-Seus dois primeiros livros, “Urupês” e
“O Saci Pererê: Resultado de um Inquérito” foram publicados por sua editora?
-Por minhas editoras, no plural, pois da
Editora Revista do Brasil, eu passei para a Monteiro Lobato & Cia, que
seria chamada de Companhia Editora Nacional.
-Você publicou romances que alcançariam
muitas edições sem falar nas obras da sua lavra.
-Também fiz a tradução de muitos livros
que, em seguida, eu publicava.
-Nesse tempo, você se interessou pela
exploração do petróleo no Brasil?
Primeiramente, editei o polêmico “A Luta
pelo Petróleo”, de Essay Bey, com introdução minha, em que procurei acordar os
brasileiros para a questão do petróleo neste imenso país.
-Deixemos, por favor, para depois o
polemista e vamos falar do Monteiro Lobato escritor que tinha a petizada como
alvo.
-Escrevi, como já dissemos antes, “A
Menina do Narizinho Arrebitado”. A repercussão foi tamanha, adicionada pela
atração que eu sentia pelo mundo infantil, que veio um livro após outro:
“Fábulas do Narizinho”, e “O Saci”, em 1921; o Marquês de Rabicó, em 1922; “A
Caçada da Onça”, “O Noivado de Narizinho”, “Jeca Tatuzinho e “O Garimpeiro do
Rio das Garças”, esses em 1924. Eu só retornaria a literatura infantil em 1928.
-Sabemos todos que esses livros
alcançaram uma tiragem impressionante.
-Pude, então, entregar a direção da
Revista do Brasil a dois excelentes cidadãos e dedicar-me exclusivamente a
editora.
-A sua vocação de empresário, sempre
latente, irrompeu, então, com grande força.
-A demanda pelos livros subiu
exponencialmente e, para atendê-la, eu importei máquinas dos Estados Unidos e
da Europa. Não tive sorte, porque houve uma seca que racionou o consumo de
energia elétrica, o que obrigava a gráfica a trabalhar apenas dois dias por
semana. Como golpe final, o presidente Artur Bernardes tomou medidas econômicas
desastrosas. Tive de pedir falência em
1925.
-Sabemos que, pelo seu dinamismo, você
não se abatia com derrotas.
-Eram batalhas, não era a decisão da
guerra. Juntei-me, em sociedade, com Octalles Marcondes e abrimos a Companhia
Editora Nacional, transferi-me, por isso, para o Rio de Janeiro.
-Veio, finalmente, para a Capital
Federal.
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