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segunda-feira, 15 de abril de 2013

2359 - o Sítio do Biscoito Amarelo 2

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4159                                   Data:  27 de  Março de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Mas, Monteiro Lobato, foi na condição de fazendeiro que, praticamente, se iniciou a sua carreira literária?
-Eu estava indignado com a ignorância dos caboclos que praticavam costumeiramente queimadas. Assim, escrevi “Velha Praga” e enviei para a seção “Queixas e Reclamações”, destinada aos leitores do jornal Estado de São Paulo. Eles não publicaram meu texto como carta e sim como artigo.
-Saltava aos olhos o valor literário da sua escrita.
-Como consequência, produzi outros artigos para esse jornal.
-Entre eles, “Urupês”, em que surgiu um dos personagens brasileiros mais representativos, o Jeca Tatu.
-Jeca Tatu é um piraquara... assim são chamados os habitantes das margens do rio Paraíba do Sul.
-Eu aqui tenho o seu livro “Urupês” e vou ler um trecho.
Dizendo isso, abri o livro na página procurada e pus-me a ler, saltando algumas frases devido à premência do tempo:
Feia e sorna, nada a põe de pé. Pobre Jeca Tatu! Como é bonito no romance e feio na realidade! Jeca Tatu é um Piraquara do maravilhoso epítome de carne e osso onde se resumem todas as características da espécie. O fato mais importante da vida do Jeca é votar no governo. A modinha, como as demais manifestações de arte popular existe no país, é obra do mulato em cujas veias o sangue recente do europeu, rico de atavismos estéticos, borbulha d' envolta com o sangue selvagem, alegre e são do negro. O caboclo é soturno. Não canta senão rezas lúgubres. Não dança senão o cateretê aladainhado. O caboclo é sombrio Urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas. Bem ponderado, a causa principal da lombeira do caboclo reside nas benemerências sem conta da mandioca. Talvez sem ela se pusesse de pé e andasse. Mas enquanto dispuser de um pão cujo preparo se resume no plantar, colher e lançar sobre brasas, Jeca não mudará de vida.
-Eu não me conformava que, entre as raças de variados matizes, formadora da nacionalidade brasileira, existisse essa, a vegetar de cócoras. - afirmou Monteiro Lobato.
 -Você até assinala, mais adiante, que o vigor das raças humanas está na razão direta da hostilidade do meio ambiente.
-Sim, o holandês extraiu de um brejo salgado a Holanda a poder de estacas e diques. Quanto ao Jeca Tatu sempre de cócoras...
-Você provocou muita polêmica, muitos disseram que você conheceu apenas o caipira caboclo e generalizou.
-O folclorista Cornélio Pires discordou de mim, contudo, guardei as suas palavras: “Apesar dos governos, os outros caipiras se vão endireitando à custa do próprio esforço, ignorantes de noções de higiene. Só ele, o caboclo, ficou mumbava, sujo e ruim! Ele não tem culpa. Ele nada sabe. Foi um desses indivíduos que Monteiro Lobato estudou, criando o Jeca Tatu, erradamente dado como representante do caipira em geral.”
-Por outro lado, Rui Barbosa o apoiou; falou, numa conferência do seu Jeca Tatu “a vegetar, de cócoras, incapaz de evolução e impenetrável ao progresso.”
-Rui Barbosa foi um bom aliado, era um polemista inflamado.
-Seu grande mérito, Monteiro Lobato, foi despertar a atenção de todos para uma questão social, estando você certo ou errado na sua apreciação.
-Não tenho dúvidas que despertei a atenção dos brasileiros para o Jeca Tatu.
-Dia desses, os jornais estamparam a concretização de uma previsão sua de quase cem anos: as cidades que margeiam o rio Paraíba do Sul se tornariam fantasmas.
-Acertei, infelizmente.
-As geadas o atormentaram também a ponto de você escrever páginas e páginas sobre elas.
A ponto de eu ficar em dificuldades financeiras e ser obrigado a vender a fazenda São José do Buquira, em 1916, mas não foram só as geadas...
-Você se estabeleceu, então, com a família na cidade de São Paulo?
-Sim. Fundei, em Caçapava, a revista “Paraíba”, mas trabalhei mesmo no Jornal “O Estado de São Paulo”. Cobri a Grande Geada de 1918, que dizimou com os cafezais paulistas.
-Foi o ano da gripe espanhola.
-Pois é, os editorialistas caíram com a gripe e eu tive de me desdobrar para substituí-los.
-E a sua vocação de empresário?
-Adquiri, em 1918, a Revista do Brasil, que publicava autores conhecidos, mas também, eu exigia isso, os novos talentos.
 -A Revista do Brasil repercutiu tanto, no mundo cultural, que você pôde montar uma empresa editorial.
-Inovei: os livros eram distribuídos por vendedores autônomos e por distribuidores espalhados pelo Brasil.
-Seus dois primeiros livros, “Urupês” e “O Saci Pererê: Resultado de um Inquérito” foram publicados por sua editora?
-Por minhas editoras, no plural, pois da Editora Revista do Brasil, eu passei para a Monteiro Lobato & Cia, que seria chamada de Companhia Editora Nacional.
-Você publicou romances que alcançariam muitas edições sem falar nas obras da sua lavra.
-Também fiz a tradução de muitos livros que, em seguida, eu publicava.
-Nesse tempo, você se interessou pela exploração do petróleo no Brasil?
Primeiramente, editei o polêmico “A Luta pelo Petróleo”, de Essay Bey, com introdução minha, em que procurei acordar os brasileiros para a questão do petróleo neste imenso país.
-Deixemos, por favor, para depois o polemista e vamos falar do Monteiro Lobato escritor que tinha a petizada como alvo.
-Escrevi, como já dissemos antes, “A Menina do Narizinho Arrebitado”. A repercussão foi tamanha, adicionada pela atração que eu sentia pelo mundo infantil, que veio um livro após outro: “Fábulas do Narizinho”, e “O Saci”, em 1921; o Marquês de Rabicó, em 1922; “A Caçada da Onça”, “O Noivado de Narizinho”, “Jeca Tatuzinho e “O Garimpeiro do Rio das Garças”, esses em 1924. Eu só retornaria a literatura infantil em 1928.
-Sabemos todos que esses livros alcançaram uma tiragem impressionante.
-Pude, então, entregar a direção da Revista do Brasil a dois excelentes cidadãos e dedicar-me exclusivamente a editora.
-A sua vocação de empresário, sempre latente, irrompeu, então, com grande força.
-A demanda pelos livros subiu exponencialmente e, para atendê-la, eu importei máquinas dos Estados Unidos e da Europa. Não tive sorte, porque houve uma seca que racionou o consumo de energia elétrica, o que obrigava a gráfica a trabalhar apenas dois dias por semana. Como golpe final, o presidente Artur Bernardes tomou medidas econômicas desastrosas.  Tive de pedir falência em 1925.
-Sabemos que, pelo seu dinamismo, você não se abatia com derrotas.
-Eram batalhas, não era a decisão da guerra. Juntei-me, em sociedade, com Octalles Marcondes e abrimos a Companhia Editora Nacional, transferi-me, por isso, para o Rio de Janeiro.
-Veio, finalmente, para a Capital Federal.

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