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terça-feira, 16 de abril de 2013

2360 - O Sítio do Biscoito Amarelo 3


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4160                                   Data:  29 de  Março de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
3ª PARTE

-Você se reergueu maravilhosamente bem, depois da falência, com a Companhia Editora Nacional.
-Os livros que editávamos tinham o selo de qualidade Monteiro Lobato. - disse com orgulho.
-Você voltou, então, com ânimo renovado a elaborar novos livros para a meninada que, claro, eram lidos pelos pais.
-Misturei os meus personagens, Narizinho, Pedrinho, Tia Anastácia, entre outros, com figuras da mitologia grega, do cinema e das histórias em quadrinhos americanas. Eu intentava abrasileirar tudo. E vendi muito pela nova editora.
-Sem dizer que você, nas suas obras, ensinava as matérias escolares de maneira lúdica, como “Emília no País da Gramática”,
-O então presidente Washington Luís, ao contrário do Artur Bernardes, que me arruinou, leu alguns dos meus livros e tinha afinidade com os meus pensamentos quanto à necessidade urgente de alavancar o progresso do Brasil. Urgia abrir muitas estradas para escoar a nossa produção.
-Ferrovias, hidrovias... - acrescentei.
-Em 1927, eu fui nomeado pelo presidente da República adido cultural nos Estados Unidos. Mudei-me, então, para Nova York, e a Companhia Editora Nacional ficou sob a administração do meu sócio.
-Prevejo que o vírus empresarial que você trazia dentro de si logo se assanhou diante do avanço tecnológico americano.
-Sim e constatei a importância do ferro e do petróleo como sustentáculos desse avanço, e imaginei a fundação da Tupy Publishing Company.
-E o Monteiro Lobato escritor, nos Estados Unidos?... - preocupei-me.
-Não deixei de escrever lá, e não foram livros de marmanjo apenas, aumentei bem a minha bibliografia infantil com “O Gato Félix”, “O Circo de Escavalinho”, “A Pena do Papagaio”, “A Cara de Coruja”. Tudo foi unificado no volume “Reinações do Narizinho”.
-De Nova York, você foi a Detroit e visitou a Ford e a General Motors.
-E fiquei acachapado. Pensei numa produção em larga escala, e entabulei logo uma empresa brasileira para fabricar ferro esponja pelo processo William H. Smith. Para tanto, investi na Bolsa de Valores.
-E veio a sorte funesta e carregou tudo por água abaixo. - intervim com pesar.
-Com a crise de 1929, perdi tudo. Para cobrir o meu prejuízo, tive de vender as ações da minha querida Companhia Editora Nacional.
-Mas não foi dessa vez que você esmoreceu.
-Retornando a São Paulo, coloquei a minha pena na defesa do tripé ferro, petróleo estradas para a saída do Brasil da pasmaceira.
-Mas o presidente que dissera “governar é abrir estradas” estava de saída.
-Tive esperanças, pois Washington Luís seria substituído por Júlio Prestes que, quando governador, procurou petróleo nas terras paulistas. Mas veio a ditadura varguista...
-Ainda assim, você mergulhou no petróleo. - disse, sem deixar transparecer meu tom crítico.
Tive muitos bravos seguidores que subscreveram as ações que eu lançava, assim, depois de implantar a Companhia Petróleos do Brasil, fundei muitas empresas para perfurar petróleo, como a Companhia Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira, a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul e a Companhia Mato-Grossense de Petróleo. Esta última era a maior de todas, pois perfuraria perto da Bolívia, país onde tinha sido encontrado o óleo negro.
-Nem imagino os obstáculos que você encontrou pela frente nessa empreitada, contudo, seus biógrafos garantem que a sua produção literária não foi prejudicada.
-Naquele período febril da minha vida, escrever era, para mim, uma terapia.
-O ardiloso presidente Getúlio Vargas tentou abduzi-lo, oferecendo-lhe a direção de um ministério da Propaganda.
-Recusei e fiz severas críticas à política de minérios do seu governo numa carta.
-Você comprou uma briga feia.
-Consideraram a minha carta desrespeitosa, subversiva, agressiva com o Conselho Nacional do Petróleo. Resumindo: condenaram-me a seis meses de prisão e fui encarcerado.
-Ficou três meses preso, a metade da pena, porque os intelectuais intervieram e houve uma campanha para que o presidente lhe concedesse o indulto.
-Em 1939, foi achado petróleo na Bahia, sob a jurisdição do Dr. Fernando de Sousa Costa, que fora subordinado ao governador Júlio Prestes que, na década anterior, prospectara petróleo em São Paulo, como eu já disse.
-Você também arcou com sérios problemas familiares.
-Sim, perdi um filho, três anos depois, perdi outro. Uma desgraça.
-Bem, em 1943, Caio Prado Júnior fundou a Editora Brasiliense e negociou com você a publicação das suas obras completas.
-Aceitei, Caio Prado Júnior era muito culto, um ótimo interlocutor.
-Em seguida, você integrou a delegação paulista do 1ª Congresso Brasileiros de Escritores, que exigiu completa liberdade de expressão do pensamento e redemocratização plena do país.
O revanchismo da ditadura varguista não se fez por esperar; as minhas companhias foram liquidadas e o tacão da ditadura pesou sobre mim. Jogaram-me, assim, nos braços, dos comunistas.
-Ironia cruel da sorte; logo você que era o protótipo do empresário que almejava a multiplicação de bens e serviços para a sociedade.
Após uma pausa, fui adiante.
-Mas petróleo, no Brasil, existia mesmo no fundo do mar, com vultosos custos de prospecção.
-Os comunistas me queriam na vida pública, mas recusei. Luís Carlos Prestes leu uma saudação minha num comício no estádio do Pacaembu. Tornei-me diretor do Instituto Brasil – URSS, quando me afastei por problemas de saúde.
-E as crianças, Monteiro Lobato?
-Bem, Narizinho se transformou em Narisino, na publicação italiana. Caio Prado Júnior preparou as minhas obras completas em espanhol, pois os argentinos eram receptivos às minhas histórias infantis. Antes de me exilar na Argentina, tornei-me sócio da Editora Brasiliense.
Voltou em 1947, mas se indispôs também com o governo Eurico Gaspar Dutra.
-Era o Estado Novíssimo, no qual a constituição seria pendurada num ganchinho no quarto dos badulaques.
 -Antes, você havia fundado a Editora Acteon. Em momento algum da sua vida você se limitou a escrever apenas.
-Eu admirava o Conde Francesco Matarazzo, que era um permanente rush para cima.  Editei a sua biografia, escrita por Vicenzo Blancato. Todo o empreendimento dele dava certo, o que não ocorreu comigo. - lamuriou-se.
-Seu grande mérito, como empresário, foi ampliar o mercado editorial brasileiro.
-Eu queria inundar a nação de livros. “Um país se faz com homens e livros.”
-Depois da cirurgia que lhe extirpou um cisto do pulmão, em 1945, parecia que você baixaria as luvas como os boxeadores vencidos.
-Ainda lutei por mais três anos. Fui a Salvador, em dezembro de 1947, assistir a opereta Narizinho Arrebitado. O novo libreto para o espetáculo foi minha derradeira criação infantil. Em junho de 1948, um espasmo cerebral me jogou por terra.
-O grande educador Anísio Teixeira disse o que se segue: ”Lobato continua e continuará a viver nos corações das crianças brasileiras, que beijam seus retratos antes de dormir como se beijassem um amigo ou um pai, e no espírito de todos os brasileiros que se inquietam com o nosso destino e sonham maior e melhor.”
E Monteiro Lobato saiu sem sair de nós.

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