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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4160 Data: 29 de
Março de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
3ª PARTE
-Você se reergueu maravilhosamente bem,
depois da falência, com a Companhia Editora Nacional.
-Os livros que editávamos tinham o selo
de qualidade Monteiro Lobato. - disse com orgulho.
-Você voltou, então, com ânimo renovado
a elaborar novos livros para a meninada que, claro, eram lidos pelos pais.
-Misturei os meus personagens,
Narizinho, Pedrinho, Tia Anastácia, entre outros, com figuras da mitologia
grega, do cinema e das histórias em quadrinhos americanas. Eu intentava
abrasileirar tudo. E vendi muito pela nova editora.
-Sem dizer que você, nas suas obras,
ensinava as matérias escolares de maneira lúdica, como “Emília no País da
Gramática”,
-O então presidente Washington Luís, ao
contrário do Artur Bernardes, que me arruinou, leu alguns dos meus livros e
tinha afinidade com os meus pensamentos quanto à necessidade urgente de
alavancar o progresso do Brasil. Urgia abrir muitas estradas para escoar a
nossa produção.
-Ferrovias, hidrovias... - acrescentei.
-Em 1927, eu fui nomeado pelo presidente
da República adido cultural nos Estados Unidos. Mudei-me, então, para Nova
York, e a Companhia Editora Nacional ficou sob a administração do meu sócio.
-Prevejo que o vírus empresarial que
você trazia dentro de si logo se assanhou diante do avanço tecnológico
americano.
-Sim e constatei a importância do ferro
e do petróleo como sustentáculos desse avanço, e imaginei a fundação da Tupy
Publishing Company.
-E o Monteiro Lobato escritor, nos
Estados Unidos?... - preocupei-me.
-Não deixei de escrever lá, e não foram
livros de marmanjo apenas, aumentei bem a minha bibliografia infantil com “O
Gato Félix”, “O Circo de Escavalinho”, “A Pena do Papagaio”, “A Cara de
Coruja”. Tudo foi unificado no volume “Reinações do Narizinho”.
-De Nova York, você foi a Detroit e
visitou a Ford e a General Motors.
-E fiquei acachapado. Pensei numa
produção em larga escala, e entabulei logo uma empresa brasileira para fabricar
ferro esponja pelo processo William H. Smith. Para tanto, investi na Bolsa de
Valores.
-E veio a sorte funesta e carregou tudo
por água abaixo. - intervim com pesar.
-Com a crise de 1929, perdi tudo. Para
cobrir o meu prejuízo, tive de vender as ações da minha querida Companhia
Editora Nacional.
-Mas não foi dessa vez que você
esmoreceu.
-Retornando a São Paulo, coloquei a
minha pena na defesa do tripé ferro, petróleo estradas para a saída do Brasil
da pasmaceira.
-Mas o presidente que dissera “governar
é abrir estradas” estava de saída.
-Tive esperanças, pois Washington Luís
seria substituído por Júlio Prestes que, quando governador, procurou petróleo
nas terras paulistas. Mas veio a ditadura varguista...
-Ainda assim, você mergulhou no
petróleo. - disse, sem deixar transparecer meu tom crítico.
Tive muitos bravos seguidores que
subscreveram as ações que eu lançava, assim, depois de implantar a Companhia
Petróleos do Brasil, fundei muitas empresas para perfurar petróleo, como a
Companhia Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira, a Companhia de
Petróleo Cruzeiro do Sul e a Companhia Mato-Grossense de Petróleo. Esta última
era a maior de todas, pois perfuraria perto da Bolívia, país onde tinha sido
encontrado o óleo negro.
-Nem imagino os obstáculos que você
encontrou pela frente nessa empreitada, contudo, seus biógrafos garantem que a
sua produção literária não foi prejudicada.
-Naquele período febril da minha vida,
escrever era, para mim, uma terapia.
-O ardiloso presidente Getúlio Vargas
tentou abduzi-lo, oferecendo-lhe a direção de um ministério da Propaganda.
-Recusei e fiz severas críticas à política
de minérios do seu governo numa carta.
-Você comprou uma briga feia.
-Consideraram a minha carta
desrespeitosa, subversiva, agressiva com o Conselho Nacional do Petróleo.
Resumindo: condenaram-me a seis meses de prisão e fui encarcerado.
-Ficou três meses preso, a metade da
pena, porque os intelectuais intervieram e houve uma campanha para que o
presidente lhe concedesse o indulto.
-Em 1939, foi achado petróleo na Bahia,
sob a jurisdição do Dr. Fernando de Sousa Costa, que fora subordinado ao
governador Júlio Prestes que, na década anterior, prospectara petróleo em São Paulo , como eu já
disse.
-Você também arcou com sérios problemas
familiares.
-Sim, perdi um filho, três anos depois,
perdi outro. Uma desgraça.
-Bem, em 1943, Caio Prado Júnior fundou
a Editora Brasiliense e negociou com você a publicação das suas obras
completas.
-Aceitei, Caio Prado Júnior era muito
culto, um ótimo interlocutor.
-Em seguida, você integrou a delegação
paulista do 1ª Congresso Brasileiros de Escritores, que exigiu completa
liberdade de expressão do pensamento e redemocratização plena do país.
O revanchismo da ditadura varguista não
se fez por esperar; as minhas companhias foram liquidadas e o tacão da ditadura
pesou sobre mim. Jogaram-me, assim, nos braços, dos comunistas.
-Ironia cruel da sorte; logo você que
era o protótipo do empresário que almejava a multiplicação de bens e serviços
para a sociedade.
Após uma pausa, fui adiante.
-Mas petróleo, no Brasil, existia mesmo
no fundo do mar, com vultosos custos de prospecção.
-Os comunistas me queriam na vida
pública, mas recusei. Luís Carlos Prestes leu uma saudação minha num comício no
estádio do Pacaembu. Tornei-me diretor do Instituto Brasil – URSS, quando me
afastei por problemas de saúde.
-E as crianças, Monteiro Lobato?
-Bem, Narizinho se transformou em Narisino,
na publicação italiana. Caio Prado Júnior preparou as minhas obras completas em
espanhol, pois os argentinos eram receptivos às minhas histórias infantis.
Antes de me exilar na Argentina, tornei-me sócio da Editora Brasiliense.
Voltou em 1947, mas se indispôs também
com o governo Eurico Gaspar Dutra.
-Era o Estado Novíssimo, no qual a
constituição seria pendurada num ganchinho no quarto dos badulaques.
-Antes,
você havia fundado a Editora Acteon. Em momento algum da sua vida você se
limitou a escrever apenas.
-Eu admirava o Conde Francesco
Matarazzo, que era um permanente rush para cima. Editei a sua biografia, escrita por Vicenzo
Blancato. Todo o empreendimento dele dava certo, o que não ocorreu comigo. -
lamuriou-se.
-Seu grande mérito, como empresário, foi
ampliar o mercado editorial brasileiro.
-Eu queria inundar a nação de livros.
“Um país se faz com homens e livros.”
-Depois da cirurgia que lhe extirpou um
cisto do pulmão, em 1945, parecia que você baixaria as luvas como os boxeadores
vencidos.
-Ainda lutei por mais três anos. Fui a
Salvador, em dezembro de 1947, assistir a opereta Narizinho Arrebitado.
O novo libreto para o espetáculo foi minha derradeira criação infantil. Em
junho de 1948, um espasmo cerebral me jogou por terra.
-O grande educador Anísio Teixeira disse
o que se segue: ”Lobato continua e continuará a viver nos corações das crianças
brasileiras, que beijam seus retratos antes de dormir como se beijassem um
amigo ou um pai, e no espírito de todos os brasileiros que se inquietam com o
nosso destino e sonham maior e melhor.”
E Monteiro Lobato saiu sem sair de nós.
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