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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4161 Data: 30 de
Março de 2013
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EU E DIECKMANN NO BISMARCK
-Em que diabo de lugar estou?- despertou
o Dieckmann.
-Estamos no mais potente couraçado até
hoje construído, o Bismarck.
-Por que estou eu aqui e não o Elio, que
viaja com você através do tempo? (*)
-Se até a dupla Jerry Lewis e Dean
Martin se desfez, por que eu e ele não?... Além disso, você é engenheiro naval
e poderá fazer comentários abalizados sobre a estrutura desde potentado do mar.
-Nós vamos é morrer afogados.
-Calma, Dieckmann. Como vamos morrer se
ainda não nascemos? Estamos em maio de 1941.
Estávamos precisamente em 18 de maio de
1941, quando o Bismarck singrou pela primeira vez o mar à cata de inimigos, na
costa da Noruega, rumo à vasta passagem entre a Groenlândia e a Islândia.
Dois dias depois, ouvimos um grito de
alerta:
-Inimigos à vista.
Eram o Hood e o Prince Wales
da marinha britânica.
-O Hood é um temível cruzador de
batalha, quanto ao Prince of Wales, é um couraçado novato e a sua
maquinaria ainda não foi amaciada e nem sua tripulação recebeu o treinamento
necessário.
-Como você sabe disso, Dieckmann?
-Colecionei todos os fascículos que
vendiam sobre a Segunda Guerra Mundial. - esclareceu-me. (**)
O confronto era inevitável. O Prinz
Eugen lutaria ao lado do Bismarck, que tinha forças para resolver aquela
batalha sozinho. Logo, as baterias das
quatro embarcações foram acionadas. Cospia-se fogo por todos os lados e a
marujada se abrigou o melhor que pôde.
-O Prince of Wales já está fora
de combate. - constataram os alemães com alegria contida, pois o Hood se
mantinha na luta.
Minutos depois, um urro de júbilo
animalesco subiu às nuvens e nos ensurdeceu: do Hood veio uma fumaça
negra pela popa. Um formidável vômito vulcânico incendiou o mar. Em seguida, o Hood
partiu-se em dois.
Vendo o orgulho da marinha britânica
partido em dois, com a ré afundando e a outra parte a flutuar até seguir o
mesmo trágico destino (***), os alemães enlouqueceram ainda mais de satisfação.
-O tombadilho que estava deserto,
durante o combate, está agora superlotado de marinheiros e oficiais. -
constatou o Dieckmann.
-Esses gritos de “Sieg Heil” provam o
quanto Einstein estava certo ao se referir à infinitude da estupidez humana. -
irritei-me. (****)
-Espero que não cantem nada de Wagner. -
desejou o Dieckmann, já aborrecido com a cantoria.
-A música de Wagner drogou um povo que
já nasce com a ânsia do poder. - repeti uma frase que eu ouvira algures.
-Veja: a equipe do ministro da
Propaganda de Hitler, o Goebbels, está filmando tudo para, depois, enviar à
Alemanha e ser exibido nos cinemas como prova da invencibilidade do Terceiro Reich.
- disse o Dieckmann.
-Eles vão saborear esta vitória até a
última gota como fazem com os copos de cerveja. - acrescentou.
-Veja, Dieckmann: a grande maioria dos
tripulantes não passa dos 20 anos de idade.
-Muitos são mais novos ainda; vieram da Juventude
Hitlerista. (5*)
-Tão jovens e tão iludidos. Uma lástima.
-Como não existe mais remédio para essa
situação, vamos examinar esta potência do mar, propus ao Dieckmann, que logo
aceitou.
Depois de uma longa caminhada pelo mais
forte navio de guerra de todos os tempos, considerando que o mundo findaria em
1941, Dieckmann monopolizou a palavra.
-Visto de longe, não é muito diferente
de outros couraçados modernos, é de impressionar, porém, examinado mais abaixo
do tombadilho. Da linha de flutuação para baixo tem cinco paredes de aço que
encerram outros tantos compartimentos estanques. A tripulação acredita que o
Bismarck não afunda e eu a compreendo.
-Mas olhe, Dieckmann, como são exíguas
as instalações da marinhagem.
Quando a noite desceu, a falta de espaço
para tantas pessoas se salientou mais ainda. E voltei ao assunto com o meu
acompanhante no tempo.
-Eles dormem na proa, em redes suspensas,
tão juntas que se tocam uma na outra. (6*)
-Hitler ordenou que fossem colocados
mais de 2400 homens neste barco e o desconforto seria inevitável.
Ouvi as suas palavras e ele prosseguiu:
-Os espaços reservados para dormitório,
refeitório, etc foram sacrificados à proteção extra, aos complexos
compartimentos do casco.
-Qual a tonelagem deste navio? -
interrompi.
-Os aliados falaram em 35 mil toneladas,
os nazistas em 50 mil. Certamente, está mais perto deste número.
-E a velocidade, Dieckmann?
-33 nós. (7*)
-É mais rápido que as barcas Rio-Niterói
de 2013.
-Até as naus dos navegantes portugueses
do século XV eram mais rápidas do que as barcas Rio-Niterói de hoje. (8*)
-Hoje é 24 de maio de 1941. - chamei-lhe
a atenção.
-É verdade, esqueci-me, por momentos,
que você me trouxe para esta enrascada.
-Existe algum navio de guerra inglês ou
americano mais veloz do que o Bismarck?
-Não. - respondeu peremptoriamente.
O êxito do colosso do mar contra as duas
embarcações britânicas logo chegou ao conhecimento do Führer. O rádio trouxe,
então, uma mensagem de gáudio para o Comandante Schneider, primeiro-oficial da
Artilharia: ele seria recompensado por Hitler com o grau de Cavaleiro da Cruz
de Ferro. Mais exultantes mensagens radiofônicas continuavam a chegar: outros
membros da tripulação também receberiam condecorações.
-Só faltou o Happy Birthday to you.
- reportou-se o Dieckmann ao Almirante Lütjens que, momentos após o afundamento
do cruzador-couraçado Hood, formou a tripulação radiante no tombadilho e
discursou com o penacho de quem saboreava a vitória na última batalha.
Se o leitor ainda não compreendeu a
piada do Dieckmann, o que é normal, esclareço: o Almirante Lütjens aniversariava nesse dia,
fazia 52 anos de idade, o que lhe deu o ensejo de trombetear que aquela vitória
era o maior presente de aniversário que recebera na vida.
Eu e Dieckmann conversamos com vários
tripulantes (não há necessidade de intérpretes nestas viagens pelo tempo) e
todos foram unânimes em garantir que o Bismarck derrotaria qualquer navio
inglês. Os mais exaltados (e quem não era ali?) afirmavam que aquele colosso
alemão seria capaz de vencer toda uma concentração de navios que contra ele se impusesse.
Descobrimos, entretanto, um e outro
navegantes germânicos, que já navegavam por muitos anos, que não compartilhavam
do mesmo entusiasmo dos mais jovens.
O Capitão Lindemann, oficial-comandante
nos pareceu um velho lobo do mar. Disse-nos, quase sussurrando, que ali estava
como um marinheiro alemão da velha escola e não como um adepto fervoroso do
partido nazista.
-Você não crê, então, que este potentado
de ferro e aço seja inafundável. - perguntei-lhe.
-Os navios de guerra alemães podem ser
postos a pique pelos ingleses, inclusive este. - respondeu.
Depois de nos despedirmos dele com um
aperto de mão melancólico, disse para o Dieckmann.
-A Inglaterra do Almirante Nelson, que
impôs derrotas a Napoleão Bonaparte, não ficará de joelhos e o Capitão
Lindemann sabe disso.
E o Dieckmann me aparteou:
-A esta hora, um Churchill furioso já
deve ter ordenado o afundamento do Bismarck.
(*) Há
algumas ficções do redator do seu O BISCOITO MOLHADO que extrapolam o senso
comum. O Dieckmann jamais bota os pés em navio e o Elio preferiria estar no
Hood.
(**)
Possivelmente os conhecimentos adquiridos em tais fascículos e ali reproduzidos
não espelhem a verdade dos fatos. O Hood é um cruzador de batalha, o que na
concepção inglesa significa um encouraçado com menos couraça, portanto mais
veloz, porém mais susceptível a canhonaços. O Prince of Wales era um
encouraçado dentro do padrão normal de couraça. Já o Bismarck era um
encouraçado de bolso – concepção nova de navio de guerra e significava um navio
menor com couraça pesada e armamento idem. O Prinz Eugen era um cruzador
pesado, um navio menos armado e o menos resistente a impactos entre os quatro
aqui relatados.
Obviamente,
estes termos não determinavam muita precisão e foram firmados acordos
internacionais para definir e limitar a construção naval de guerra. O primeiro
acordo foi o Washinghton Naval Treaty, de 1922, seguido pelos London Naval Treaty
Um e Dois, respectivamente de 1930 e 1936. Amparados pela falida Liga das Nações,
esses acordos foram logo descumpridos por Itália e Japão e deram margem à
construção dos tais encouraçados de bolso.
(***) O Hood
foi atingido duas vezes e, depois que a popa afundou e a proa esteve por
minutos indecisa, os artilheiros das torres da proa ainda deram uma salva
contra o Bismarck, dentro na melhor tradição bélica britânica. Possivelmente a
força resultante dessa salva contribuiu para o afundamento imediato da proa.
(****) Sieg
Heil quer dizer Viva à Vitória. Foi transformado como um brado nazista e, como
tal, é repudiado ao longo dos séculos. Mas é uma frase simples. Quanto ao
entusiasmo das batalhas, haja Wagner, ou não, é um reflexo humano. Na Primeira
Guerra Mundial e nas antecedentes havia júbilo e se tratava apenas de uma questão
patriótica. Conta o meu pai, que servindo o Exército Brasileiro em 1941,
interrompeu uma demonstração de júbilo explícito de meu avô por conta do
afundamento do Hood. Meu avô, que ouvia as transmissões alemãs, achou-se
vitorioso por osmose e meu pai, mais inteirado das reais chances da Artilharia
e também da política internacional reinante, deu-lhe quase voz de prisão,
encerrando a tal manifestação e, de tabela, as recepções radiofônicas, embora o
Brasil ainda não houvesse declarado guerra. E fim de papo.
(5*) Não há
comprovação de tripulantes inexperientes a bordo, o que seria a comprovação da
presença da tal Juventude. Alguns historiadores realmente mencionam cerca de
500 jovens, mas considerando o tempo inicial da guerra, é bem mais provável que
500 oficiais e marinheiros pertencentes ao partido nazista é que estivessem a
bordo.
O Dieckmann
negou peremptoriamente ter declarado tal frase, o redator deve ter ouvido de
algum tripulante incomodado com as atitudes dos oficiais, coisa típica.
(6*) O
redator nunca esteve a bordo de um navio de guerra e sua surpresa se justifica.
Consultamos o Dieckmann, ele mesmo ex-tripulante do Cruzador Barroso e do
porta-aviões Minas Gerais, que confirmou ser uma prática comum 5 carreiras de
beliches para os praças e de 3 para os oficiais subalternos, independentemente
de ser o navio grande ou pequeno, embora o Minas Gerais possuísse uma disputada
sorveteria. “ Há uma grande diferença entre navios de guerra e de cruzeiro,
avise ao Biscoito” disse ele ao Distribuidor.
(7*) Nó
significa a velocidade de uma milha náutica por hora, ou 1852 metros por hora e 33
nós equivalem a 61 quilômetros
por hora.
(8*) A
velocidade de uma caravela é 12 nós e a dos catamarãs Rio-Niterói é 18 nós. Há
uma repetida implicância do redator com o sistema de navegação da Baía da
Guanabara, que insiste em colocar o palavreado mais agressivo na boca do
Dieckmann.
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