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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4162 Data: 31 de
Março de 2013
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EU E DIECKMANN NO BISMARCK
2ª PARTE
Dieckmann dissera que Churchill ficaria
furioso ao saber que o Bismarck pusera a pique o Hood, orgulho da Marinha
Britânica e foi isso que aconteceu. Minutos antes de a mensagem chegar até ele,
Churchill ensinava o seu papagaio novos palavrões de xingamento ao anti-Cristo
que pretendia se apossar da Europa.
-Afundem o Bismarck!!- ordenou com uma
fúria comparável à dos elementos da natureza.
A Força
H do Vice-Almirante Sir James Somerville, formada pelo cruzador de
batalha Renown, o porta-aviões Ark
Royal, o cruzador Sheffield e
seis contratorpedeiros, se achava em Gibraltar, a umas 1500 milhas náuticas
para o sul. A missão da Força H era fechar a saída da
esquadra de Mussolini para o oceano, mantendo-a enjaulada no Mediterrâneo.
Com a nova ordem de Churchill, a Força H saiu à caça do Bismarck. E
não foi só isso: a centena de milhas para o noroeste, no Oceano Atlântico, o
couraçado Ramilles teve de abandonar o seu comboio, pois recebera a
missão de interceptar pelo oeste a rota do Bismarck; também o couraçado Rodney, a 1500 milhas da costa da
Irlanda, teve de abandonar o seu comboio naval para participar da empreitada.
Mais tarde, proseando com o Dieckmann
sobre esse teatro de guerra armado pelo primeiro-ministro Winston Churchill,
perguntei-lhe se, com essas manobras, não seria perigoso deixar o acesso livre
para o Atlântico da esquadra italiana.
-Basta um barco de pesca inglês para
derrotar os navios de guerra do Mussolini. - afirmou. (*)
Ninguém sabia, no Bismarck, dos planos
de Winston Churchill. Aqueles jovens, na
sua maioria louros, como Hitler gostava, depois que o entusiasmo da vitória
amainou com o passar das horas, conversavam sobre o porquê de tamanha
tripulação. Uns diziam que o Bismarck ia
tomar os Açores para o Terceiro Reich, outros que se juntaria à esquadra
japonesa no Pacífico. Essa última hipótese foi descartada pela maioria, que
contra-argumentou que não havia quaisquer equipamentos para a zona tropical a
bordo. Concluíram, depois de muitas discussões, que, como o Almirante Lütjens
possuía grande experiência de atacar os navios mercantes ingleses, como fizera
com louvor capitaneando o Scharnhorst e o Gneisenau, faria o
mesmo agora, e cabia a eles, então, ocupar os navios apresados.
-Nossa missão já foi realizada:
colocamos a pique o Hood. - gritou um rapaz com um vozeirão de tenor wagneriano.
-Por que não retornamos à Alemanha? -
perguntaram.
-Mas foi o Prinz Eugen que deu meia volta e voltou para a Alemanha. -
assinalou alguém.
Fez-se então um frio de gelar a alma.
-Dieckmann, faz uma friagem que lembra o
tempo em que Hamlet
se encontrou com o espectro do pai pela primeira vez, no castelo Elsinor. -
observei.
-Deve ser a proximidade com a Dinamarca.
- comentou com um sorriso sardônico.
-E o cheiro de podre?
-São os mortos. - respondeu.
Mas o tempo ficou fuliginoso e piorava a
cada minuto. Veio, em seguida, uma borrasca intermitente de granizo e neve. A
neblina que adveio deixou todos mais cegos do que estavam. A rapaziada
inexperiente, tiritando de frio, já revelava, em voz sussurrada, as saudades de
casa.
Quando a neblina se tornou menos densa,
um marinheiro gritou histericamente:
-Aviões. Aviões inimigos nos espreitam.
Estávamos ao largo da ponta sul da
Groenlândia, na manhã do dia 26, dois dias depois da grande vitória naval do
Reich. Ouviu-se, primeiramente, um ruído de uma aeronave e, em seguida,
rasgando as nuvens, apareceu um Catalina, de fabricação americana. Rapidamente,
os canhões antiaéreos do Bismarck se convergiram para ele que, como uma mosca
que incomoda um cavalo, voou para fora do seu alcance, deixando no ar a ameaça
de que voltaria.
Outra aeronave surgia agora. Um frêmito
de pavor percorreu as espinhas daqueles marinheiros jovens, pois ficava
evidente que seriam muitos os aviões que, certamente, abriam o caminho para a
chegada de navios de guerra.
Então, o Almirante Lütjens e o Capitão
Lindemann travaram uma violenta discussão que chegou aos ouvidos dos
tripulantes que não a presenciaram, mas que souberam dela por versões
moderadas. Eu e Dieckmann, que sorrateiramente entramos no compartimento onde
eles se altercaram, testemunhamos tudo:
-Temos de ir imediatamente para a Alemanha,
pois Churchill concentrará todas as suas unidades disponíveis para nos atacar. -
argumentou o Capitão Lindemann.
-Você está delirando. Não temos ordem do
Führer para retornar.- bradou o
Almirante Lütjens.
-Não podemos deixar mais de duas mil pessoas
morrerem tragicamente. É uma irresponsabilidade.
-Você está se insubordinando. Respeito a
Hitler. - trovejou.
O velho lobo do mar reagiu com um
palavrão e bateu a porta, afastando-se daquele fanático.
-Esse Almirante Lütjens é um magricela
doido. - manifestei-me.
Dieckmann interveio:
-Ele tenta compensar a sua tibieza
física (**) com um gestual truculento. É um chefe que atua com a emoção, sofre,
no entanto, de crises depressivas que intervalam com ímpetos de entusiasmo.
-A pessoa menos indicada para comandar 2500
homens. - acrescentou.
Sob acentuado efeito emocional, o Almirante
Lütjens juntou a multidão de marinheiros no tombadilho e prometeu vitórias
memoráveis. A ilusão voltou, mas não na mesma intensidade, pois sempre se
olhava, com o coração aos pinotes, para o céu e para o mar.
Dormiu-se mal, naquela noite, as redes
se entrechocaram inúmeras vezes, seguidos por resmungos que se perdiam no
escuro.
Amanheceu e o zumbido de um enxame de
abelhas sobressaltou a todos: eram as aeronaves da Real Marinha Inglesa, os
“Peixes-Espadas”. Precipitavam-se do
alto, em voos rasantes e despejavam torpedos sobre o Bismarck. (***)
-O Führer enviou aviões e navios para
esta batalha que logo estarão aqui. - gritou para todos o Almirante Lütjens,
quando viu que as aeronaves inimigas atingiam a embarcação.
-Enviou nada. - resmungou o Dieckmann.
Um torpedo acertou a meia-nau, erguendo
no ar uma coluna de água mais alta que o mastro principal e o couraçado
estremeceu de popa a proa. Foi verificado pela brigada de reparação que um dos
compartimentos estanques fora arrombado e o caminho para a água ficou aberto.
Apesar de o estrago não ter sido decisivo, o Almirante Lütjens perdeu
completamente o ânimo: chegara-lhe pelo rádio a notícia que grandes formações
navais inglesas convergiam para o Bismarck.
Horas depois, surgiram no horizonte o Rodney
e o George V, que abriram fogo com seus canhões de 16 polegadas a 11 milhas de distância.
Posicionaram-se, em seguida, a 5
milhas e atacaram com obuses de 950 quilos que percorriam 800 metros por segundo.
O Bismarck respondia tiro com tiro, mas sentia os impactos. Até que um dos muitos obuses estourou com a
estação central do comando.
-Como máquina de guerra coordenada, o
Bismarck está acabado. - afirmou o Dieckmann.
-O reforço do Führer está chegando. -
berrou um alemão ainda esperançoso de que não morreria como rato preso no
porão.
Pouco depois, o potentado alemão adernou
lentamente para bombordo e a água jorrava intensamente para dentro através dos
rombos causados pelos obuses e das chapas despedaçadas. As cenas que se
seguiram no Bismarck foram indescritíveis.
-Terá o mesmo fim do Hood. -
disse o Dieckmann.
E concluiu:
-Meu avô deve estar com o coração
dilacerado.
Lembrei-me de uma frase de Napoleão
depois da derrocada na Rússia: do sublime ao ridículo a distância é de um
passo.
-Desses milhares de jovens cheios de
vida, apenas uns cem agarrarão as cordas que os ingleses jogarem no mar. -
afirmou o Dieckmann.
-Por que não salvaram mais gente?
-Porque temiam que o reforço nazista chegasse
e não podiam, por isso, perder tempo. - respondeu-me.
Ironia da sorte: a esperança deles
contribuiu para a morte de tantos.
(*) essa
frase é pejorativa, não é coisa do Dieckmann.
(**) Isso é
bem característico do Dieckmann. Ele tem pavor dos baixinhos e fraquinhos
quando detém o poder.
(***) O avião
é o Fairey Swordfish, um biplano aeronaval antediluviano. Mas nenhum navio sozinho é páreo
para uma esquadrilha. Os torpedos atingiram o leme do Bismarck e o triste fim foi
abreviado pela impossibilidade de manobra e velocidade reduzida.
Nota do
Distribuidor – Afundem o Bismarck! é um belo filme de guerra, muito fidedigno à
História e nem um pouco denegridor dos marinheiros, fossem ingleses ou alemães.
Um bom filme, realizado em 1960. O ator principal é Kenneth More, que comanda a
caçada a partir de um centro de coordenação de combate instalado em um bunker, em Londres. O filme é bem
humorado e no final, quando o Bismarck vai a pique, o Kenneth More sai do bunker
com a mocinha, ele pergunta as horas e ante a resposta – “5 ou 6” – ele diz: “mas, do dia, ou
da noite?”
Dois soldados
que estavam passando completam a piada: “e este é o tipo de gente que nos comanda...”
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