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terça-feira, 30 de abril de 2013

2370 - o final, afinal, mês que vem

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4170                                  Data:  12 de  Abril de 2013
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CARTA DA LEITORA CINÉFILA, QUE SE DIZ CINEMEIRA

O papa foi rezar na Sta Maria Maggiore que tem uma abside deslumbrante e uma capela da família Borghese com direito à Paulina Bonaparte. Talvez conheça a piada, ela foi esculpida pelo Canova, pelada acima da cintura; alguém lhe perguntou se não ficara  vexada: “Claro que não. O aquecimento estava ligado.” Foi-se aos 45 anos, depois de dois casórios.
Já notou que, empolgada com o jesuíta, deixei de lado os ossos do Ricardo III? Sic transit gloria mundi.
Falando em Paulina Borghese, talvez o Carlos, que é nobre cinéfilo, se lembre do filme “A Vênus Imperial” com a Lolobrigida (o papá era fã), que a biografava, claro que uma pachouchada que eu, cinemeira, era compelida a ver.
Sei lá por quê, recordei um filme visto há trezentos anos. Tenho uns folhetos dados pela Ignez (sua sobrinha) sobre artistas e filmes e localizei o dito cujo, em inglês “The awful truth” e em português “Cupido é moleque teimoso”, nada a ver. Pois estrelavam Cary Grant e Irene Dunne, veja que interessante, esta fez a primeira versão de “Anna e o Rei de Sião”, sendo a segunda, “O Rei e Eu”, feita pela Debora Kerr, que atuou em “Tarde demais para esquecer”, segunda versão de “Duas Vidas” feita pela Irene Dunne. Elas eram comboiadas pelo Cary Grant, que fazia de tudo, até um dramalhão com a Ethel Barrymore, “Apenas um coração solitário”, com direito à música homônima.
Vou-me ao leito de Procusto.”
Rosa 
BM: Infelizmente, Rosa Grieco, não assisti o filme, “Vênus Imperial”, falha grave do Seu Mário, dono do Cine Cachambi, que não o colocou em cartaz. Depois de ler a sinopse, encomendei o DVD pela internet que chegará à minha casa Deus sabe quando. (chegou três dias depois).
Na época da fita, 1963, eu sabia da mais famosa das três irmãs do Imperador, pelos “banhos de Paulina Bonaparte”, que volta e meia, o Nélson Rodrigues escrevia nas suas crônicas. Depois, passou-se a falar apenas em “Banhos de Cleópatra”, por causa do filme protagonizado pela Elizabeth Taylor, anos após.
Quis saber da resenha mais detalhada do filme citado pela Rosa, que não será reproduzida aqui integralmente.
Trata-se de uma elaborada coprodução franco-italiana sobre a irmã de Napoleão Bonaparte, que cobre o tempo que vai das lutas na Itália, quando Napoleão era um general pobre de extraordinário talento, até o seu exílio na Ilha de Elba.
Personificada pela Gina Lolobrigida, ela se chamava Paulette, passando a ser apelidada de “Paolina” (nome italianizado) depois que se casou com um príncipe romano.
O filme uniu um elenco internacional de primeira categoria, e investiu menos nos caracteres humanos do que no drama passional, onde se inserem as emoções e as falhas humanas – diz o redator dessa resenha.
O filme se inicia com a família Bonaparte, mãe, irmãos, tios amontoados num apartamento em Marseille, enquanto Napoleão (o ator Raymond Pellegrin) retorna vitorioso da campanha militar na Itália. O futuro imperador encontra a sua família fragmentada por picuinhas e caprichos insatisfeitos, como é típico nas famílias, mormente as numerosas.
Paulina Bonaparte, apesar das incontáveis contrariedades que trouxe ao poderoso irmão, foi, da família, a mais fiel a ele, não o abandonando nem nos momentos sombrios do seu exílio da Ilha de Elba; vendeu bens e o seguiu.
A mãe de Napoleão Bonaparte desaprovava seu casamento com Josefina, este, por sua vez, era contra a ligação da irmã com o homem que ela amava, quando mais jovem, Ferrand. Todos tinham o temperamento forte e as discussões acaloradas  foram inevitáveis. 
Como assinalou a Rosa em sua carta, ela casou duas vezes: a primeira, com o General Leclerc ( ator Massimo Girotti), a segunda, com o Príncipe Borghese de Roma (ator Guilio Bosetti).
Mas Paulina se sentia atraída pelo Coronel Jules de Canouville (personificado por Stephen Boyd), e o General Leclerc, que lhe fora imposto como marido pelo irmão, percebendo, transfere-o para um posto avançado bem distante; quando ele retorna, mais tarde, se transforma definitivamente na paixão da sua vida, apesar da feroz oposição do imperador.
Insatisfeita, como o seu irmão ficaria com a perda de algum país, Paulina se envolve com muitos homens, principalmente militares.
Napoleão Bonaparte enviou, então, o General Leclerc, com a esposa, a São Domingos (independente, chamou-se Haiti), para sufocar uma rebelião.
A história se passa em quinze anos, mostrando as idas e vindas da voluntariosa Paulina e percorre a Europa e o Caribe.
Em São Domingos, ela mostra o seu coração generoso: visita as vítimas da febre amarela, no hospital, conforta os enfermos e os feridos da batalha e ajuda as suas esposas.
O autor da resenha assinala a beleza e voluptuosidade da Gina Lolobrigida (pela carta da Rosa, o Agripppino Grieco concorda plenamente). Mas não é só a plasticidade da atriz, ela vive Paulina Bonaparte com todas as gamas da emoção humana, ao lidar com as pessoas que passaram pela sua vida; e convence a plateia ao demonstrar os sentimentos contraditórios que o irmão lhe inspirava, os momentos de alegria radiante e felicidade quando estava com Canouville, a ternura com os menos favorecidos, e por aí vai.
O filme foi realizado em technicolor, com cenários criados nos Estúdios Cinecitta, em Roma. Os figurinos são fiéis à época, e a música de Angelo Francesco Lavagnino, compositor italiano, melancólica e romântica, se ajusta à aura do filme que espero ver em breve.
Dos filmes com Cary Grant citados pela Rosa, o que só pude assistir, e pela televisão, foi “Apenas um coração solitário”.
Essa película vinha sempre à minha mente, depois disso, quando a Rádio MEC tocava a canção de Tchaikovsky, com o mesmo nome, e que se interpõe por toda a história. Música tão melancólica que evoca o black dog (como  Churchill, temos de buscar uma tarefa para escaparmos da sua mordida).
O filme é de 1945, com 1h 53mim de duração, foi dirigido por Clifford Odets e, além dos artistas apontados pela Rosa, contou com Barry Fitzgerald.
Não obtive, infelizmente, uma resenha, e sim uma sinopse que aqui vai:
A história se passa um pouco antes da 2ª Guerra Mundial, num bairro pobre de Londres. Uma viúva, Ma Mott (Ethel Barrymore), tenta fugir da miséria com uma pequena loja. Seu filho, Ernie (Cary Grant) é um andarilho irresponsável sempre às voltas com a falta de dinheiro. Ele pensa em deixar a cidade, mas muda de ideia quando sabe que a sua mãe estava enferma. Nesse ínterim, se envolve com Ada (June Duprez), que foi casada com um gângster, Jim Mordinoy (George Coulouris). Este contrata Ernie para subjugá-lo, pois quer a ex-mulher de volta. Ela, no entanto, está inteiramente atraída por Ernie.
A sinopse se encerra por aqui e eu já penso em comprar essa fita também, pois já me esqueci do final do filme.




2369 - sintonia fina


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4169                                  Data:  11 de  Abril de 2013
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159ª CONVERSA DE TÁXI

Eu nunca vi esse taxista no ponto da Rua Domingo de Magalhães, por isso, disse-lhe para onde pretendia ir, em seguida, fiz o que ele já fizera: coloquei o cinto de segurança.
-A viagem é curta, não precisa colocar o cinto. Eu coloco por que sou viciado.
-Eu também sou viciado em pôr o cinto de segurança.
-Então, você vai para a Praça Manet?
-Precisamente, Rua Modigliani.
-Joguei muita bola lá anos atrás.
-Hoje, o campo está cercado por grades com cadeado, a grama é sintética. No passado, aquilo era um rala-coco.
Depois dos meus comentários, ele falou do tempo em que o campo era chamado de Sangue e Areia.
-Quando eu jogava, havia jogadores da favela Bandeira 2 que vinham com armas. O Roberto vinha com uma metralhadora. Um dia foi morto, e as filhas dele trabalham, hoje, no Shopping Nova América.
-Lembro-me que mataram um tal de Kojak, na década de 80, no meio de uma partida noturna. Dizem que ele era assaltante e os comerciantes se cotizaram, deram uma quantia a policiais que o fuzilaram.
-Kojak?!... - puxou pela memória.
-Um jornal sensacionalista noticiou que ele driblou toda a defesa adversária e, na hora de marcar o gol, foi baleado pelo time adversário.
O taxista que, apesar do seu passado futebolístico, era muito educado e gentil, esboçou um sorriso.
-Hoje, temos de nos cuidar dos cracudos. - disse ele.
-Eles, pelo menos, não andam armados, pois mal uma arma lhes chega às mãos, eles vendem para comprar pedras de craque.
-Mas roubam muito. Se um desses cracudos lhe pede dinheiro, enquanto outro, sorrateiramente, corta a sua mochila, você nem percebe. - comentou.
Essas últimas palavras foram ditas quando o seu carro já parara, e eu lhe pagava os oito reais da corrida. Quando saltei, desejando-lhe um bom serviço, ele me surpreendeu:
-Foi um prazer estar na sua companhia.
Eu nunca ouvi isso antes de um taxista.

Noutro dia, entrei no táxi do Vereador, chamo-o assim, apesar de os seus colegas de cooperativa afirmarem que ele nunca se elegeu.
-Olha esse carro. - indicou-me o veículo à frente.
E prosseguiu:
-É de um fiscal da prefeitura que, a essa hora, deveria estar trabalhando. Ele fiscaliza, agora, a pracinha da Maria da Graça.
Nesse instante, o tal fiscal contornava uma pequena praça com brinquedos para as crianças.
-Ele mesmo diz, com a cara mais deslavada, do mundo, que não fiscaliza como deve.
-E desabafou:
-Este é o nosso país.
-E a interdição do Engenhão? - provoquei.
Para um tagarela como ele, sua pausa foi demasiadamente longa.
-Vou lhe dizer: o Engenhão foi construído com material de décima categoria e mão de obra de quinta.
-Superfaturaram?
-Eles não fazem outra coisa; sempre arranjam um motivo para jogar o preço na estratosfera e embolsar uma bolada.
E disse com a voz estentórea
-Todos sabiam que aquilo estava enferrujado, que provocaria acidentes. Agora, o Eduardo Paes vai embolsar um dinheirão porque vai jogar o preço da reforma do Engenhão nas nuvens.
Saltei do táxi do Vereador pensando numa frase do Sérgio Porto: “Ou nos locupletemos todos ou restauremos a moralidade”.

-Vi na televisão a morte dessa inglesa.
-A Margareth Thatcher. - ajudei a memória do Paizão.
-Isso.  Não sei se ela foi uma bruxa ou não. Cada um dizia uma coisa.
-Bruxas são as duas que temos, atualmente, na América do Sul.
-Você está, então, do lado dos que acham que ela foi boa?
-Ela pegou a Inglaterra em pleno declínio econômico, quando saiu, o país estava em condições incomparavelmente melhores. O mesmo aconteceu com o Ronald Reagan; pegou os Estados Unidos em péssimo estado, para os padrões americanos, tanto que Jimmy Carter não foi reeleito e deixou a presidência, oito anos depois, com uma inflação mínima e  crescimento econômico.
-Ah, falaram também nesse americano, os dois rezavam pela mesma cartilha. Teve gente que disse que eles são culpados pela crise de hoje.
-Uma idiotice. - bradei.
-Gosto das pessoas convictas. - disse o Paizão no meio de uma risada.
-Margareth Thatcher deixou o governo em 1990, Ronald Reagan em 1989. A crise econômica se iniciou dezoito anos depois. Como eles podem ser os culpados?
-Porque continuaram a política dos dois, foi o que ouvi na televisão.
-Muitos não atentam para o fato que a economia é uma ciência social e não uma ciência exata como a física, matemática. Sendo uma política social, o que serve hoje para melhorar a situação econômica de um país, pode não servir amanhã, o modelo se esgota, é tudo mutável.
-Disso eu não entendo muito. - reconheceu.
-Os dirigentes da Europa e dos Estados Unidos tiveram dezoito anos para calcular até que ponto havia necessidade da entrada do Estado para frear o ímpeto do livre mercado, não o fizeram e deu no que deu.
E concluí:
-É uma questão de sintonia fina entre intervenção do estado e mercado.
-De sintonia fina, eu só entendo a da televisão. - disse no seu jeito bonachão ao me deixar em frente à minha casa.

-Vai filho de uma égua. - reclamou o Bob Esponja de um motoqueiro que lhe cortou à frente, para que eu ouvisse, não o quadrúpede.
E voltado para mim, disse:
-Eu já me assusto quando vejo um motoqueiro à minha frente.
-Eu ficava assim, quando via uma bicicleta à minha frente. Se um carro trafegando com menos da metade do permitido provoca problemas no tráfego, o que dizer das bicicletas que, normalmente, são lentas.
Mas o Bob Esponja não é bom ouvinte, é falante, por isso prosseguiu com a motocicleta.
-Acertei com meu táxi, certa vez, um casal que surgiu repentinamente na minha frente. O estrago na lataria foi grande. Peguei o celular para chamar a polícia, e ele logo se levantou: “Se chamar a polícia vai me causar problema”.
Antes de eu lhe perguntar por que, seguiu adiante:
-Ele foi traficante do Jacarezinho e estava tentando se regenerar trabalhando como moto-boy.
E comentou com um sorriso irônico:
-Voltou para o tráfico depois.
E prosseguiu:
-Fomos a uma oficina, e o orçamento foi de 700 reais. Posso colocar as mãos para os céus de ter conseguido arrancar dele 350 reais.
Quando eu ia indagar se a companheira do moto-boy se machucou, Bob Esponja passou para outro assunto que só se esgotou quando ele me deixou na Rua Modigliani.




sexta-feira, 26 de abril de 2013

2367 - Los Schiavos


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4167                                  Data:  09 de  Abril de 2013
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SABADOIDO FRUTÍFERO

Não havendo mais necessidade de eu utilizar a Lan House do meu sobrinho, pus-me a ler o jornal do Claudio que, nesse sábado, chegou cedo. Lia, enquanto a voz do Daniel, vinda da reunião, na garagem do fusquinha da Gina, preenchia todas as pausas. Ele falava de um assunto que domina muito bem, corridas de Fórmula 1 e tinha um ouvinte atencioso, o Vagner, que, antes mesmo da ascensão do Émerson Fittipaldi, em 1972, era interessado nesse esporte na Rua Chaves Pinheiro.
-Não vou atrapalhar o discurso da Daniel e as breves intervenções do Vagner. - disse com os meus botões tendo o Globo à minha frente.
Meu irmão, enquanto isso, alimentava de alpiste as rolinhas.
-Já conseguiu cancelar o serviço da Oi?
Não vi a chegada repentina da Gina, por isso, no primeiro segundo, assustei-me com a sua presença.
-O consumidor é jogado de um atendente para o outro num jogo safado. Consegui cancelar o Oi Velox depois de recorrer a Anatel. Tento agora cancelar a linha telefônica da Oi; a operadora usou o mesmo expediente ordinário para me achacar, busquei socorro de novo na Anatel e a coisa está rolando.
-Eu cancelaria por você, mas só pode o próprio dono da linha. - disse-me ela.
Nesse instante, notou os quatro caquis que eu trouxera numa sacola, e a semelhança dessas frutas com o tomate fez com que ela não perdesse a piada:
-Não tem medo de ser assaltado?
Lá fora, Daniel continuava a discorrer sobre a Fórmula 1. Com a chegada do Luca, o cenário mudou dos autódromos para as raias de corridas de cavalo. Então, meu sobrinho se retirou para ver filmes de DVD, enquanto eu chegava à reunião.
-Se há um jogo que deixa sem dinheiro o viciado é o turfe. - afirmou o Luca.
-Eu não me interesso por corridas de cavalo.
-Então, é agora. - retruquei ao ouvir a declaração do Claudio, o que levou o Luca a esboçar um sorriso sardônico.
-Você não me vê jogando em cavalos. - devolveu.
-Você não contou que um dia, fazendo hora na Rua Debret, jogou na Lilly Champion?
-A égua estava na ponta, parecia a vencedora, mas veio um cavalo na cerca externa voando e passou por ela.
-E você perdeu, Claudiomiro?- interessou-se o Vagner.
-Perdi, mas acertei a trifeta. Com os 200 reais que embolsei, bebi muito chope.
-Deu para beber tanto chope assim? - duvidou o Luca.
-Isso foi no início do Plano Real. Era muito dinheiro. Depois, não joguei mais.
-Hoje é trifeta, mas na nossa época, era placê. - intervim.
-Que pagava até o terceiro lugar. - frisou meu irmão.
-Recorda-se, Claudio, dos “Los Schiavos”, o maior matungo da história do Hipódromo da Gávea?
-Ele era montado pelo Elpídio Furquim, um jóquei obscuro. - acrescentou.
E prossegui:
-Um dia, fizeram de tudo para o “Los Schiavos”  chegar em terceiro, pelo menos,  e pagar placê, o que significaria uma poule altíssima.  Dizem que doparam o cavalo, ainda assim, chegou em quarto lugar.
-Eles fazem exame antidoping em todos os cavalos? - quis saber a Gina.
-Só nos ganhadores. - respondeu seu marido.
-No turfe, você tem todas as informações, sabe se os pais eram lameiros ou não. - entrou o Luca na conversa.
Vagner expressou ceticismo e o Luca se voltou para mim e meu irmão.
-Nos programas das corridas, vê-se os nomes dos cavalos e a filiação. - afirmou o Claudio.
E prosseguiu:
-O viciado vai ao hipódromo de madrugada assistir aos treinos dos corredores.
-O irmão de uma amiga minha fazia isso, mas ele tinha outros recursos para fundamentar as suas apostas. Certa vez, ele viu o Chico Anísio...
-O Chico Anísio tinha muitos cavalos de corrida. - aparteou-me o Luca.
-Ele era proprietário do Chico City. - lembrou meu irmão.
-Como a presença do Chico Anísio lá, na Gávea, era rara, esse meu colega despejou o que tinha no bolso no páreo em que ele correu.
-Ganhou uma bolada. - acrescentei antes que me perguntassem.
-Eu também apostaria.
-Há um canal na NET dedicado exclusivamente às corridas de cavalo, zapeando o controle remoto, paro, às vezes nesse canal e tenho assistido a atropeladas sensacionais.    
O assunto enveredara para o turfe porque o Luca se reportou ao Olavo, um amigo comum nosso de tempo anterior à nossa ida para a Rua Chaves Pinheiro, em 1965, que falou de mim como investidor da bolsa de valores recentemente. Estranhei, pois o foi jogo nas patas dos cavalos, feito no bookmaker da Rua São Gabriel, quando eu tinha 15 anos de idade, que  nos uniu.
-Olavo era o mais viciado da turma; queria sempre recuperar as perdas nos páreos seguintes e voltava a perder. - registrei.
-Ainda bem que ele largou o vício. - disse meu irmão.
Houve uma pergunta estapafúrdia do Vagner, fora do assunto turfístico, que levou a Gina a perguntar, com uma risada, se ele tomou “paçoca”. Rindo também, Vagner respondeu que, provavelmente, sim.
Aproveitei para fazer uma crítica à minha cunhada:
-O religioso que anunciou o nome do novo papa, que você disse que estava bêbado, sofre do Mal de Parkinson.
-É o Parkinson alcoólico. - rebateu ela.
Como todos, tive de rir e dar-me por vencido diante das suas implacáveis alfinetadas.
-Vocês falaram em paçoca... Vocês não sabem o que aconteceu. - era o Luca que, agora, tinha a palavra.
-Numa dessas extrações do jogo do bicho, o Tangerina...
-Caramba, nunca soube de alguém que tivesse o apelido de Tangerina. É bem sonoro. - interrompi.
-E você não sabe o nome do empregado dele: Mamão.
-Isso é jogo de bicho ou é um pomar? - pilheriou a Gina.
-Se você ligar e a mamãe do Mamão atender, você não pode dizer o apelido do filho, se não, ela bate com o telefone na sua cara. Se, por outro lado, ele atende, diz: “Aqui é o Mamão, quem fala?”
-Mas o que tem a paçoca? - interveio o Vagner.
-Numa dessas extrações do jogo do bicho, Tangerina comeu cinquenta paçocas.
-Ficou empapuçado de paçoca. - concluiu a Gina.
-Tangerina foi internado no CTI. Não se sabe se foi vesícula ou pâncreas.
Apalpando o próprio corpo, Gina indicou onde ficavam o pâncreas e a vesícula.
Luca adicionou mais uma informação: Tangerina sofria de diabetes.
-Então, Gina, foi o pâncreas que não secretou insulina suficiente para tantas paçocas. - manifestei-me.
-Carlinhos, aquele óleo do amendoim é horrível. - falou ela seriamente.
-Acaba com qualquer tangerina. - concluiu.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

2366 - o pai dos inventores 3

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4166                                  Data:  07 de  Abril de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
3ª PARTE

-Quando eu conheci Hetzel, um trabalho meu tinha sido sistematicamente rejeitado pelos editores, que o consideraram científico demais. Mostrei o rascunho a ele, que fez algumas modificações.
-Qual era o livro?
-“Cinco Semanas num Balão”.
-Com esse gás que me chegou de Hetzel, tive energia para escrever de dois a três livros por ano; “Viagem ao Centro da Terra”, “Da Terra para a Lua”, “Vinte Mil léguas Submarinas”, “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “Viagens Extraordinárias”.
-Concluo que, com essas obras, você já podia viver de literatura.
-É verdade, mas muito da minha receita foi proveniente das adaptações que fizeram para o teatro de “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” e “Michel Strogoff”.
-Se o cinema tivesse sido inventado pelos irmãos Lumière trinta anos antes, ou seja, em 1875, você ficaria milionário.
-Ainda assisti ao filme de George Mièles sobre meu livro “Da Terra para a Lua”.
-Jules Verne, você, agora endinheirado, podia ter momentos de lazer.
-Claro; comprei um pequeno navio que chamei de Saint-Michel. Com a melhora da minha situação financeira, passei para o Saint-Michel II e, posteriormente, Saint-Michel III.
-Dava para espairecer, Jules Verne?
-Sim, naveguei em volta da Europa, mas sem me entregar à ociosidade que não fosse criativa.
-Você foi condecorado como Cavalheiro da Legião de Honra, em 1870?
Ele meneou afirmativamente a cabeça e eu aludi, então, à guerra franco-prussiana; pediu-me para saltar esse momento dramático para a França, e eu o obedeci.
-Hetzel tinha uma publicação bimensal “A Revista de Educação e Recreação”, em que muitas histórias suas foram publicadas em folhetim.
-Meu irmão, Paul, também teve suas narrativas seriadas na revista de Hetzel.
-Houve um livro seu que Hetzel aconselhou que não fosse publicado porque o pessimismo que estava entranhado nele afastaria o leitor.
-Foi “Paris no Século XX”. Eu narrava a vida de um jovem às voltas com os arranha-céus, com os trens de alta velocidade, com os automóveis poluidores, enredado na rede de comunicação...
-Mas isso viria a acontecer, Jules Verne.
-Como o meu personagem não encontrou a felicidade diante do progresso e teve um trágico fim, Hetzel foi contra a publicação, seria melhor para a minha imagem perante o público.
-Um bisneto seu encontrou o manuscrito em 1989 que seria, então, conhecido.
-Eu não nutria otimismo pelo progresso que eu vislumbrava, mas Hetzel, sempre atento, empurrava-me para os textos otimistas.  Queria que eu celebrasse com entusiasmo o progresso humano e tecnológico. Assim, “Paris no Século XX” ficou empoeirado no porão.
-Você alterou, então, trechos pessimistas para otimistas.
-Eu terminei “A Ilha Misteriosa” com os sobreviventes retornando para o continente, nostálgicos da sua ilha. Hetzel leu os originais e não gostou do final. Pediu para eu mudar, assim, os sobreviventes juntaram suas fortunas para construir uma réplica da ilha.
-Hetzel também lhe chamou a atenção sobre os envolvimentos políticos na história do Capitão Nemo e seu submarino, porque o Império Russo era um aliado militar da França e não deveria ser hostilizado, que não deveria haver referências ao esmagamento da Polônia.
-Eu era um artista, não ficava conectado com a política como Hetzel, Tive de fazer alterações como Verdi nas suas óperas Rigoletto, Baile de Máscaras.
-Ele estava sob a censura austríaca, quando criou o Rigoletto. - aparteei.
-Eu não pretendia contrariar o público, que tanto me estimava e muito menos Hetzel, que, ao contrário do meu pai, não só entendeu, como incentivou a minha vocação.
-Não foi apenas o público que lhe tributou reconhecimento, seus pares também?
-Théophile Gautier e George Sand me elogiavam muito, alguns cientistas também, mas foram poucos.
-Como escapar dos críticos?... Disseram que você era apenas um contador de histórias popular indigno de uma apreciação acadêmica. Não enxergaram que você criava um novo gênero literário: a ficção científica. 
-Não me deram um lugar na literatura francesa, esta é a grande mágoa da minha vida.
-Seu filho Michel, depois das muitas dores de cabeça que lhe deu, se regenerou.
-Ele me ajudou muito no meu trabalho, soube que foi de grande valia na publicação das minhas obras póstumas. Tive também duas enteadas, Valentine e Suzanne Morel, mas elas não eram muito próximas de mim.
-Quem lhe causou um grave problema foi seu sobrinho Gaston.
-Ele sofria das faculdades mentais. Dirigia-me para casa quando, numa crise de loucura, desferiu dois tiros de pistola contra mim. Uma das balas me atingiu na perna esquerda e eu manquei durante 19 anos, ou seja, enquanto fui vivo.
-Ele passou o resto da vida num asilo de doentes mentais?
-Sim; desde os 25 anos, quando me baleou.
-E Hetzel?
-Hetzel regulava com a idade do meu pai, portanto, não convivi com ele o tempo que eu desejaria. Sua morte me abalou; a da minha mãe também, pois dela eu herdei o temperamento poético.
-Depois dessas perdas, do ferimento na perna, sua queda para o pessimismo se acentuou?
-Sim, minhas últimas criações não possuem o otimismo de antes.
-Você sofria de diabetes?
-Creio que essa doença apressou a minha morte em 1905.
-Depois da sua morte, Jules Verne, seu filho supervisionou as suas novelas “Invasão do Mar”, “O Farol no Fim do Mundo”.  “As Viagens Extraordinárias”, que foram publicadas em séries por ano, foram recolhidas por seu filho e editadas.
Omiti que Michel Verne modificou muitas passagens do original.
-O avanço tecnológico veio e parece que acertei em muitas previsões.- disse sem falsa modéstia.
-Jules Verne, citarei um exemplo das suas previsões: os astronautas da Apolo 8, Frank Borman, Jim Lovell e William Anders lhe renderam homenagens. Borman declarou que “na realidade, Jules Verne é um dos pioneiros da idade espacial,”
-Houve outros exemplos?
-Inúmeros; Yuri Gagarin, Werner von Braun, Marconi, Fridtjof Nansen, entre outros, o citaram como inspirador na busca no futuro.
Depois de uma pausa, eu lhe disse que até nome de restaurante na Torre Eiffel ele era.
-Meus amigos gostariam de saber disso. - comentou.
-As crianças do mundo inteiro que leem e vão ao cinema o adoram. - afirmei.
-Para mim, isso basta.
E se foi.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

2365 - o pai dos inventores 2


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4165                                   Data:  06 de  Abril de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Você foi para Paris terminar seus estudos de direito?
-Meu pai assim exigia, mas a minha mãe, que me entendia, me indicou os salões literários, como o da sua amiga Madame Barrère.
-Chegou, em 1848, quando Paris era um caldeirão revolucionário.
-Sim, Luís Felipe I foi deposto, em fevereiro e fugiu. Formou-se um novo governo. O estabelecimento da Segunda República Francesa não esfriou os ânimos. Ergueram barricadas e o governo enviou Louis-Eugène Cavaignac para esmagar a rebelião. Viajei para Paris dias antes da eleição de Louis-Napoleón  Bonaparte como primeiro Presidente da República.
-Três anos depois, ele daria um golpe de estado para restabelecer o Segundo Império e seria chamado por Victor Hugo de “Le Petit”, em contraste com seu tio: Napoleón Bonaparte, “Le Grand”.
-Você citou Victor Hugo, eu li todas as suas peças teatrais, como as de Alexandre Dumas, Alfred de Vigny, Alfred de Musset, sem falar em Shakespeare e Molière, cujas estatuetas me acompanhavam no escritório em que  eu trabalhava.
-Nesse período da sua vida, quem o influenciou mais?
-Victor Hugo; eu lia e relia suas obras. Era capaz de recitar de cor páginas e mais páginas do “Notre Dame de Paris”.
-”O Corcunda de Notre Dame,” - interferi para citar o nome em que esse romance é mais conhecido, por causa do cinema.
-Sob a influência das peças dramáticas de Victor Hugo, escrevi febrilmente tragédias, comédias e até novelas.
-E a sua família em Nantes?
-Escrevia cartas aos meus pais sobre as minhas despesas e necessidade de dinheiro. Também lhes informava sobre umas intermitentes cãibras estomacais de que passei a sofrer e que me acompanharam por toda a vida.
-Talvez fosse hérnia inguinal, sofri de dor parecida até ser operado.
-Falaram que eu sofria de colite; não sei. O certo é que meus ascendentes maternos sofreram de dores parecidas. Para me incomodar mais ainda, tive uma paralisia facial, elas foram quatro durante a minha vida.  Parece que essas paralisias tinham origem numa inflamação no meu ouvido médio.
-Mas com todos esses achaques da mocidade, você foi lembrado para o serviço militar.
-Para o meu grande alívio, houve um sorteio e eu tive a sorte de escapar.  Eu escrevi para o meu pai, que via o soldado como um criado de libré. Sempre nutri o sentimento antibelicista, para o desgosto do meu pai,
-Preferia escrever proficuamente e frequentar os salões literários. - concluí e acrescentei:
-Conseguiu tempo para estudar?
-Consegui, não podia decepcionar meu pai. Graduei-me em 1851.
-Foi o ano em que você conheceu Alexandre Dumas?
-Conheci pai e filho dois anos antes. Tornei-me amigo dos dois e mostrei ao jovem Dumas o manuscrito de uma comédia teatral, “As Palhas Quebradas”. Ele revisou a peça comigo, falou com o pai, e ela entrou em cartaz na Ópera Nacional do Teatro Histórico de Paris.
-Em seguida, você se encontrou com um amigo escritor de Nantes.
-“Pitre-Chevalier” era o editor-chefe da revista “Museu da Família”. Ele publicou duas histórias curtas minhas: “Os Primeiros Navios da Marinha Mexicana” e “Uma Viagem num Balão”. Hetzel, quando as reeditou, fez-me mudar os nomes para “Um Drama no México” e “Um Drama no Ar”.
-Você já conhecia Hetzel, que teve uma importância fundamental na sua atividade intelectual, Jules Verne?
-Ainda não. Conheci, antes, Jules Seveste, diretor do Teatro Histórico, através de Alexandre Dumas Filho. Ele me ofereceu um emprego não remunerado de secretário do teatro e eu aceitei na esperança de ver as minhas peças encenadas, algumas delas escritas em parceria com Michel Carré.
-E o seu pai? O que ele dizia lá de Nantes?
-Ele me aconselhava, por cartas, a abandonar a vida artística e partir para carreira de advogado. Eu replicava, garantindo-lhe que alcançaria o sucesso literário.
-Sei que você não o convenceu.
-Ele me ofereceu a própria clientela em Nantes. Ele insistia de um lado e eu do outro. Afirmei que sabia o que eu era e que tinha conhecimentos para realizar o meu objetivo.
-Sua mãe, embora visse com bons olhos a sua vocação literária, ficava quieta.
-Sim, porque uma mulher, na época, não contrariava o marido.
-Mas a sua formação de escritor que inauguraria a ficção científica como gênero literário ainda não amadurecera.
-Eu passava horas e mais horas na Biblioteca Nacional das França lendo vorazmente livros de ciência e me inteirando das últimas descobertas, mormente no campo geográfico.
-Posso dizer que todo o mundo sabe o quanto aprendeu nessas leituras, pois você é o autor mais traduzido depois da Agatha Christie.
-Importantíssimo para mim, também, foi conhecer o geógrafo e explorador Jacques Arago. Ele estava cego desde 1837 e tornamo-nos grandes amigos. Eu desfrutava as suas narrativas inovadoras e espirituosas das viagens que realizou.
-Essas narrativas dariam um livro e tanto. - concluí.
-Vários livros. - enfatizou.
-E a revista “Museu da Família”?
-Em 1852, enviei para a revista duas novas obras: “Martin Paz”, uma novela desenrolada em Lima, e uma peça de um ato com vários nomes, um deles é “Pedras que rolam não criam musgos.”
-E conseguia ganhar a vida nesse início de carreira?
-Nada! Tive de trabalhar como corretor de ações.
Como o pintor Gaugin. - pensei sem me manifestar.
-O dinheiro que ganhei não foi mal, mas fosse ótimo, que eu não me desviaria da trilha de autor literário. - ressaltou como se o pai fosse o seu interlocutor.
-E o coração do homem que viveu dois amores contrariados?
-Conheci Honorine de Viane Morel, viúva com duas filhas. Casamos em 1857.
-E como ela via a sua vocação para escritor?
-Incentivava-me. Michel nasceu em 1861.
-Você ficou radiante.
-Ele chorava muito, irritava-me, pois eu precisava de concentração para escrever. Honorine, nessas horas, levava-o para longe do meu casulo, o local onde eu trabalhava.
-Michel foi um filho para lá de problemático.
-Casou com uma atriz contra o desejo meu e da mãe, Teve dois filhos, afundou-se em dívidas que eu tive de saldar.
Depois de um profundo suspiro, pediu:
-Mas vamos falar, por enquanto, de bons assuntos.
-Você se encontrou com Pierre-Jules Hetzel, e a sua situação começou a melhorar.
-Hetzel era editor de Balzac, de Victor Hugo, de Émile Zola, de George Sand, de Erckmann-Chatrian. Eu só podia ficar envaidecido em estar incluído nessa plêiade de escritores.





segunda-feira, 22 de abril de 2013

2364 - o pai dos inventores


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4164                                 Data:  05 de  Abril de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA

E vi à minha frente Jules Verne. (*)
-O criador da ficção científica. - entusiasmei-me.
-Não lhe direi se vim de balão, barco, submarino. - brincou.
-Sei que não veio de balão porque você, dando a volta ao mundo em 80 dias,  não  passaria por Del Castilho.
-Talvez...
-Jules Verne, o escritor favorito de Santos Dumont, que se inspirava em você, conforme revelou, para criar as suas máquinas voadoras.
-Eu acompanhava com bastante interesse o seu trabalho.
E prossegui no meu entusiasmo:
-Jules Verne, que o inventor Igor Sikorsky exaltava porque o seu livro “Robur, o Conquistador” o levou à invenção do helicóptero.
-Eu apenas escrevia livros. - disse Jules Verne modestamente.
-Livros que inflamaram a imaginação de homens importantes para o progresso.  Jacques Cousteau, passado quase um século, lhe rendia homenagens no seu diário de bordo. Simon Lake, que desenhou os primeiros submarinos, creditou sua inspiração à leitura de “Vinte Mil Léguas Submarinas” e escreveu ele na autobiografia: “Jules Verne foi, de certa maneira, o diretor-geral da minha vida.”
-Sim, mas em 1620, o holandês Cornelis J. Drebbel conseguiu navegar com um submarino o rio Tâmisa.
-Contudo, Jules Verne, foi Simon Lake, em 1898, que criou o modelo capaz de submergir no alto-mar.
-Sei disso; eu morreria sete anos depois.
-Seus livros tratam de elementos de tecnologia considerados fantásticos, no seu tempo, mas que, hoje, são corriqueiros. Como você vislumbrou o futuro sem ser, digamos, um Nostradamus?
-Herdei da minha mãe o gosto pela poesia e, do meu pai, apesar de advogado, a queda pela precisão, pela ciência. Meu pai possuía um telescópio que ficava voltado para o relógio da mais alta torre de Nantes, para acertar as horas.
-Você nasceu na cidade de Nantes?
-Em 8 de fevereiro de 1828, na pequena Ilha Feydeau. Nasci na casa da minha avó materna Sophie, não direi seu nome todo, pois é quase tão comprido quanto aqueles nomes hispânicos que Voltaire citava no seu conto filosófico “Cândido”.
-Recordo-me disso, não dos nomes. - sorri.
-Minha mãe, que também se chamava Sophie, pertencia a uma linhagem de navegadores e armadores escoceses, quanto ao meu pai, formou-se em Direito.
-Você era o primogênito?
-Sim; com um ano de idade, quando nos mudamos para uma casa próxima, nasceu meu irmão Paul, depois vieram minhas três irmãs: Anna, Mathilde e Marie.
-E os estudos, Jules Verne?
-Com seis anos de idade, fui enviado para um colégio interno. Minha professora, Madame Sambin, era casada com um capitão da marinha que estava desaparecido por 30 anos. Ela dizia que ele era um náufrago, como Robinson Crusoe, que estava numa ilha deserta e paradisíaca, que voltaria.
-Isso incendiou a sua imaginação de criança. - deduzi.
-A história de Robinson Crusoe me marcou por toda a minha vida e me influenciou em algumas novelas.
-”A Ilha Misteriosa” foi uma delas. - citei.
-Dois anos depois, enviaram-me para a Escola Saint-Stanislas para eu me ajustar à inclinação católica do meu pai.  Lá, eu me senti atraído por geografia, grego, latim e canto. Elogiavam-me pela memória; eu recitava muitos versos de cor, também trechos em prosa.
-Sua família se mudava constantemente de casa.
-Não era bem isso, íamos para casa de férias. Nesse ano de 1836, nós fomos para perto do rio Loire. Eu ficava fascinado com os navios mercantes que passavam, registrei isso nas “Memórias de Infância e de Juventude”.
-Você também passou férias na casa do seu tio Prudent Allotte em Brains.
-Ele era um armador aposentado que rodou pelo mundo. Eu ficava horas ouvindo as suas histórias. Usei o seu nome em duas novelas.
-Contam que você, com 11 anos de idade, embarcaria num navio, como clandestino, para as Índias de onde traria um colar de coral para a sua prima Caroline, mas o seu pai chegou a tempo e o obrigou a jurar que só viajaria na imaginação. Como essa história foi escrita pelo seu primeiro biógrafo, sua sobrinha Marguerite Allotte de la Füye, parece que é uma dessas lendas de família.
-Mas eu estava mesmo apaixonado pela minha prima, seria, na época, capaz de lhe presentear com um colar de coral que eu buscaria na Índia.
-Com 12 anos de idade, seus pais se mudaram de novo?
-Fomos para um espaçoso apartamento no nº 6 da Rua Jean-Jacques- Rousseau. Matricularam, me, então, no Pequeno Seminário de Saint-Donatien. Essa passagem da minha vida me inspirou a novela, que deixei inacabada, “O Padre”.
Uma obra que descreve o seminário com termos depreciativos e irônicos. - comentei.
-De 1844 a 1846, eu e meu irmão Michel cursamos o Liceu Real em Nantes. Recebi o bacharelado em Retórica e Filosofia.
-E a sua amada prima Caroline?
-Fui enviado para Paris pelo meu pai, para prosseguir meus estudos e, assim, fiquei por um tempo longe de Nantes.  Minha jovem prima se casou, então, com um homem de 40 anos e teve vários filhos. No meu despeito, escrevi uma carta à minha mãe em que a descrevi como uma pessoa sempre em estado de gravidez.
-Você não ficou muito tempo em Paris nessa oportunidade?
-Não; fiquei apenas para os exames do primeiro ano de Direito, e retornei a Nantes para me preparar para o segundo ano.
-E você voltou a se apaixonar?...
-Conheci Rose Herminie Arnaud Grossetière, um ano mais velha do que eu e me apaixonei perdidamente.
-Sua veia poética estufou.
-Enchi meu caderno de poesia com versos em que ela era a musa. Dediquei-lhe muitos acrósticos.  Ela me inspirou também “A Filha do Ar”.
-Você foi correspondido nessa paixão?
-Parecia que sim, mas ela logo cedeu à pressão dos seus pais que desaprovavam a ligação da filha com um estudante de futuro incerto. Ela se casou com um proprietário de terras dez anos mais velho.
-E você ficou decepcionado.
-Fiquei furioso. Desabafei a minha fúria numa carta que remeti a minha mãe.
-Seus biógrafos afirmam que esse caso de amor abortado lhe inspirou várias personagens que tiveram de casar contra a vontade.
-Reconheço que Herminie esteve presente em algumas obras minhas como num poema em que ataquei a sociedade de Nantes.
-Mas havia Paris e para lá você foi em julho de 1848.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO é um fã de Jules Verne, como é também fã de Monteiro Lobato, o que deu a essas recentes edições toda uma satisfação em distribuí-las. Entretanto, o Município desta cidade não dá suficiente destaque aos dois escritores, pois um é rua em Campo Grande e outro, uma travessa numa vila em Inhoaíba (vi no Google, uma favela horizontal). Já Eça de Queiroz fica na Penha e Pero Vaz de Caminha foi para Teresópolis.