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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4087 Data: 12 de
dezembro de 2012
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EM PARIS, NA
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
De repente, eu e Elio nos vimos como
hóspedes de uma estalagem parisiense nos tumultuados dias que antecederam a
Segunda Guerra Mundial.
-Carlos, há muitos comunistas neste
lugar.
-Também há anticomunistas, se você
procurar bem.
Nossos cochichos foram abafados por
Antoine, um impulsivo moço de 25 anos de idade, que gritou em voz alta:
-O camarada Stalin assinou um pacto com
Hitler de não agressão.
E concluiu:
-Nosso líder quer preservar o povo
soviético da guerra.
Honoré, um anti-Stalin empedernido, de
pouco mais de 20 anos, retorquiu com a voz estentórica.
-Os dois fatiaram parte da Europa: A
Rússia fica com a Finlândia, a Letônia e a Estônia; e a Alemanha fica com a
Lituânia.
Iniciou-se uma discussão em que quase
todos os hóspedes se envolveram; muitos defendendo Stalin, outros, atacando-o.
-Elio, como dizia Nélson Rodrigues: “Nada
mais cretino do que a paixão política. É a única sem grandeza, a única que é
capaz de imbecilizar o homem”.
Fui, então, para o meu quarto, enquanto o
Elio, avesso a discussões, também se retirou, mas para se encontrar com uma
costureira que morava perto da
estalagem.
E as notícias e mais notícias dos jornais
nos chegavam. A Alemanha entrou na Polônia, logo a França e a Inglaterra, seus
aliados, declaram guerra aos nazistas. A Rússia, por sua vez, invadiu a
Finlândia, mas encontrou uma resistência heroica.
-Os finlandeses lutam até de esquis e os
soldados de Stalin morrem como moscas. - vibrou Honoré.
-Com meia dúzia de combatentes, a
Finlândia logo cederá. - desdenhou Antoine com um sorriso na comissura dos
lábios.
-Importa aqui a França. Nós temos de
pegar em armas para defender o país de Napoleão. - vociferou um senhor, chamado
Goriot.
Antoine sussurrou alguma coisa que foi
captada pelo Elio.
-O que ele disse? - perguntei.
-Disse que nem francês o Napoleão era.
Surgiu Honoré com um rifle na mão,
conclamando a todos o seguirem:
“Allons énfants de la Patrie , le jour de gloire
est arrivé.”
Ninguém
o seguiu, a não ser o senhor que citara Napoleão, e se dizia adepto de De Gaulle.
As notícias assustadoras vinham num
crescendo. A força bélica nazista se espalhou pela Dinamarca e, em seguida,
pela Noruega. Ingleses e franceses minaram os mares da Noruega para que os
alemães não alcançassem o aço da Suécia
e, assim, robustecessem ainda mais a sua
máquina de guerra.
Honoré e o senhor gaullista retornaram à estalagem. Antoine, vendo-os,
ironizou:
-Já acabou a guerra?
-Ainda não chegou a Paris. - replicou o
rapaz.
Elio, que saíra mais uma vez para se
encontrar com a costureira, apareceu logo depois com uma novidade.
-Carlos, eu vi a Ilsa e o Rick, passando
num carro, apaixonadíssimos.
Mas não era hora de romantismo; Hitler
penetrara na Bélgica e na Holanda.
-Logo, eles estarão aqui. - alarmou-se a
dona da estalagem.
-Temos a Linha Maginot (*) para
contê-los. - frisou o senhor gaullista.
Apesar da minha admiração pelo seu
patriotismo, tive de tapar a boca para não rir.
Logo Dunquerque, a cidade do norte da
França, que serviu de base dos navios aliados, na Primeira Guerra Mundial,
sofria um devastador ataque dos “Stukas” alemães.
Antoine lia essa notícia acima e
acrescentava:
-Chovem bombas alemãs sobre 270 mil
ingleses e 110 mil franceses.
Depois, ele lia sobre a espetacular
“Retirada de Dunquerque”, quando navios ingleses conseguiram, com êxito,
resgatar os soldados aliados que se encontravam encurralados.
Antoine, que estava presente, se
manifestou:
-Não se ganha a guerra com retiradas.
-Citando Churchill?... - ironizou Honoré.
-Deus me livre. A Inglaterra não moveu
uma palha para defender os republicanos espanhóis da sanha de Franco na guerra civil.
- retrucou Antoine.
-Ora, soldados de Stalin, e mesmo
generais, envolveram-se nessa guerra ao lado dos republicanos, você queria que
a Inglaterra se aliasse a eles? - argumentou Honoré.
-Vocês verão que logo Franco colocará a
Espanha do lado de Hitler e de Mussolini. - previu o stalinista.
-Franco poupará o povo espanhol, que mal
saiu de uma guerra fratricida. - mostrou-se melhor profeta Antoine.
-Vocês falam da Espanha, enquanto as
tropas nazistas já se encontram praticamente em Paris. - interveio Goriot,
veterano da Primeira Guerra.
-Tem razão, vou pegar a minha arma. -
ergueu-se, resoluto, Honoré.
-Eu já estou com a minha pronta para ir
para as trincheiras.
-Ele não sabe que esta guerra será bem
diferente da outra. - sussurrou-me o Elio nos ouvidos.
Os dois, minutos após, saíram, e a dona
da estalagem interpelou Antoine:
-E você?... Não vai com eles?...
-Tenho muita leitura para pôr em dia. -
justificou-se.
-E tem mesmo, Elio; se ele for ler todos
os volumes de “O Capital” mais as interpretações de Lênin e outros intelectuais
da esquerda sobre o socialismo, só terminará a leitura em meados de 1945.
-Você, Carlos, se dá bem com um e com o
outro, embora eles sejam tão antagônicos.
-Como eu não expresso paixão política,
Antoine pensa que simpatizo com o comunismo, e o Honoré, imagina que gosto do
liberalismo.
Passaram os dias, não muitos, com todos
os que ficaram na estalagem apreensivos, pois a guerra já atingira Paris. Foi
quando o Elio surgiu esbaforido no meu quarto, o que me assustou, caindo das
minhas mãos um livro de Voltaire.
-Carlos, eu namorava a costureira, quando
tiros e mais tiros espocaram. Corri, e só quando cheguei aqui percebi que
esquecera a minha namorada.
-Ela aparecerá. - animei-o.
Ela apareceu, jurando que nem sequer um
botão da camisa do Elio ela costuraria. Também apareceram Honoré e o velho
Goriot, com a expressão desolada.
-Perdemos momentaneamente, mas não
daremos o gostinho a Hitler de olhar Paris da Torre Eiffel.
Goriot completou as palavras de Honoré:
-Bravos franceses cortaram todos os cabos
da Torre, o assassino não verá Paris do alto.
Os alemães voltaram a sua atenção para a
Inglaterra e as incursões da Luftwaffe eram constantes.
-Os ingleses resistiram a Napoleão. -
mostrou-se Goriot confiante.
Honoré, enquanto isso, juntava-se à
Resistência e vez ou outra aparecia. Antoine se dedicava à leitura.
Quando soubemos que Hitler enviara
soldados para combater na Finlândia, que ainda provocava estragos entre os
soviéticos, Antoine se manifestou:
-Não estou gostando nada disso.
Antoine apareceu na estalagem, dias
depois, com a notícia:
-Hitler invadiu a União Soviética.
Antoine olhou fixamente para Honoré e lhe
perguntou:
-Existe arma para eu lutar contra os
nazistas?
-Existe.
-Dê-me, então e vamos à luta.
(*) o Distribuidor do seu O BISCOITO
MOLHADO, por coincidência, recebeu o seguinte texto sobre a Linha Maginot e
decidiu ser apropriado reproduzi-la:
A Linha Maginot (em francês: ligne
Maginot) foi uma linha de fortificações e de defesa construída pela França ao longo de suas
fronteiras com a Alemanha e a Itália, após a Primeira Guerra Mundial, mais
precisamente entre 1930 e 1936.
O complexo de defesa possuía várias vias
subterrâneas, obstáculos, baterias blindadas escalonadas em profundidade,
postos de observação com abóbadas blindadas e paióis de munições a grande
profundidade.
A linha Maginot não evitou a derrota da França no
início da Segunda Guerra Mundial, em 1940, na medida em que as divisões
alemãs contornaram-na atacando a região de Sedan, além da sua extremidade
oeste.
Um erro estratégico
A
principal razão para a falha da linha Maginot é o fato de não se estender até
ao Mar do Norte. Por diversas razões, entre
as quais a falta de tempo e de financiamento, a sua construção foi interrompida
a 20 km
a leste de Sedan, em Montmédy, fazendo face à fronteira
alemã, ao Grão-Ducado de Luxemburgo e a uma parte da
fronteira franco-belga. O segmento Longuyon-Lauterbourg era particularmente
reforçado, com edificações equipadas de artilharia pesada, enquanto que as
defesas do Reno e a oeste de Longuyon
eram menos fortes. Certas partes não haviam recebido o equipamento que lhes era
destinado no momento da declaração da guerra.
Além disso, a neutralidade da Bélgica confortava os argumentos
daqueles que não acreditavam em uma ofensiva inimiga a oeste da linha Maginot.
Foi assim que se desenvolveu um sentimento de
segurança com a linha Maginot, onde praticamente cada francês estava convencido
de que estava protegido de toda agressão alemã. No entanto, era preciso alguma
ingenuidade ou incompetência para imaginar que a linha pudesse resistir
suficientemente a um ataque violento e localizado, apoiado pela artilharia
pesada e pela aviação moderna. Sem contar com a tática alemã do Blitzkrieg e de contornamento da
linha pelas Ardenas. No pior dos casos, a linha poderia conter um ataque
surpresa frontal durante o tempo necessário à França para organizar uma
mobilização geral.
Neste contexto, os pedidos ansiosos do general De Gaulle e de Paul Reynaud em 1935 em favor do
desenvolvimento de divisões blindadas para assegurar a defesa do território não
coberto pela linha Maginot faziam sentido, mas não foram ouvidos. O general
Maurin, então ministro da Guerra, durante um debate no Parlamento, respondeu a
Paul Reynaud : « Como se pode ainda pensar em termos de ofensiva
quando gastaram-se milhares de milhões para estabelecer uma fronteira
fortificada ? »
No dia
seguinte a essa declaração, Hitler rasgava simbolicamente o tratado de
Versalhes e instituía
a conscrição compulsória para 500.000 homens.