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O BISCOITO MOLHADO
Edição 2693 Data: 18 de outubro de 2004
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MALDADES E EQUÍVOCOS DO PROFESSOR
Depois do intervalo das duas piadas de português, retornamos às aulas. O professor Fontenelle falou das velocidades dos navios mercantes no caso de um comboio: declarada, programada e crítica. Em frases apressadas, diremos que a velocidade declarada é a máxima que desenvolve um navio, a velocidade programada é aquela que se planeja manter num comboio com a reserva de 1,5 nós em relação à declarada. Aqui um parênteses, uma das desvantagens do sistema de comboio, em guerra, é o fato de todos os navios navegarem de acordo com a velocidade do mais lento. E velocidade crítica é aquela em que o navio mercante não pode manter por causa das vibrações e outros fenômenos análogos, no motor, que provocam a sua quebra. Dito isso, com mais detalhamento pelo professor, ele se fixou no representante da Marinha portuguesa.
- Você, certamente, ouviu falar nos três segredos de Fátima?
- É claro.
- Mas não conhece as três maldades de Fontenelle. Eu, na prova, posso colocar uma questão em que apresento inúmeros navios para a formação de um comboio e um desses navios apresentar uma velocidade programada igual à velocidade crítica.
Agora, dirigia-se a todos:
- Nesse caso, não considerem esse navio, pois ele quebraria no meio do comboio.
Julguei, pelo conselho, que ele era o falso malévolo, na prova, eu constataria que as três maldades do Fontenelle existiam, de fato (evidentemente que as usou em outras questões).
Quando passou para o DCTM - Direção Civil de Transportes Marítimos - observei uma série de equívocos na fala do professor e nas transparências projetadas pelo Cabo Ferreira, o Cangaceiro, que reproduziam a nossa apostila. No princípio, tudo começou bem por parte do professor, cabia a DCTM ao Ministério dos Transportes e se dividia no Sistema Portuário Nacional e no Emprego de Navios Mercantes, mas quando apareceu na tela o organograma em que o DMM - Departamento de Marinha Mercante - se encontrava subordinado à ANTAQ, quase levei as mãos à cabeça. Um quadrado representava a STA - Secretaria de Transportes Aquaviários que, segundo o professor, fora extinta.
No intervalo que se seguiu, aproximei-me do professor.
- Comandante, o DMM não está subordinado à ANTAQ; tem até maior simpatia do governo Lula, por estar diretamente subordinado ao seu Ministro dos Transportes. Quanto à ANTAQ, é um órgão regulador independente do governo, teoricamente, com diretores ligados, até pouco tempo atrás, ao período do Fernando Henrique. O Lula não gosta das agências... O DMM, é verdade, ficou esvaziado, pois toda a Navegação saiu de lá para formar a ANTAQ, em 2001/2002.
- Sei que vocês da Agência vieram do DMM. - interrompeu-me.
- Que não é mais DMM, é DFMM, Departamento do Fundo de Marinha Mercante, que administra o chamado AFRMM, um adicional sobre alguns fretes que, também teoricamente, seria usado para a renovação da nossa Marinha Mercante.”
- A minha apostila está um tanto defasada. - concordou.
- E eu creio que o STA não terminou pra valer, mudou de nome. É Secretaria de Fomento e alguma coisa. Vou pesquisar, e depois informo ao senhor.(*)
- Tudo bem. - disse.
Findo o intervalo, retornou à aula. Tratava agora dos barcos pesqueiros, sem mencionar a Secretaria da Pesca, com o seu penacho de Ministério e, referiu-se a uma ANP, que traduzi para mim como uma fictícia Agência Nacional da Pesca. Ressaltou ele a importância da pesca que, segundo as suas palavras, quase levou o Brasil à guerra na década de 70.
- A Guerra da Lagosta entre o Brasil e a França. - arrematou.
Década de 70?... Esse incidente se dera no governo João Goulart, em 1963. Esperei que alguém alertasse o professor, mas até mesmo o Dantas Neto, o oficial da turma que mostrara mais conhecimento da matéria ensinada e, por isso mais se manifestava nas aulas, não abria a boca. Eu já corrigira o professor durante todo o último intervalo, mal lhe dando tempo para um cafezinho, seria má política minha, corrigi-lo de novo. Calei-me.
Na hora do rancho, aproveitei uma conversa com um oficial da turma, o mais comprido de todos, perto de 2 metros e lhe disse que a Guerra da Lagosta ocorrera no governo do João Goulart, e não na década de 70, como dissera o professor.
- Houve um caso com as lagostas também na década de 70, quando as duas marinhas ficaram frente à frente.
Este está do lado do lado do comandante Fontenelle e, ao mesmo tempo, não quer me contrariar - concluí. Mudei, então, de assunto.
A denominada Guerra da Lagosta começara de fato no governo João Goulart, quando uma embarcação da Marinha, alertada por pescadores nordestinos, surpreendeu barcos de pesca franceses pescando lagostas na costa de Pernambuco. Foram convidados a se retirar das águas territoriais brasileiras, para uns e, para outros, foram expulsos. O fato repercutiu de tal maneira que a França deslocou um contingente naval para uma área vizinha à região da disputa pela lagosta.
No Brasil, a opinião pública considerou o fato uma agressão aos direitos da nossa soberania. O presidente João Goulart reuniu, então, o Conselho de Segurança Nacional e determinou o deslocamento de um considerável contingente da Esquadra, apoiada pela Força Aérea, para a região da pesca. Em terra, ficaria mobilizado o 4º Exército, com sede em Recife, sob o comando do general Humberto de Alencar Castello Branco que, ironicamente, sucederia o presidente João Goulart na presidência.
Enquanto isso, a imprensa francesa acendeu um debate: a lagosta nada, ou anda. Se a lagosta nada, pertence às águas internacionais, se anda, ela pertence ao Brasil, pois o subsolo, no caso, era brasileiro. Bem, parece que muitas enciclopédias definem a lagosta como um crustáceo decápode marchador, isto é, que anda.
Lá pelo fim do curso, houve uma palestra sobre Direito Internacional, quando o tema voltou à baila. O palestrante, um comandante não tão didático quanto o Fontenelle, estabeleceu a data correta: 1963. E se referiu ao tom jocoso - Batalha de Itararé - em que o caso se transformara, enveredando na celeuma de a lagosta andar ou dar umas braçadas na água.
- Foi quando o De Gaulle declarou que o Brasil não é um país sério. - interrompi, depois de levantar o braço e receber um aceno afirmativo com a cabeça do palestrante. Eu já ficara calado por muito tempo sobre esse assunto, que já me sentia mal. Eu me sentir mal por me manter calado... Aquele pessoal da Marinha se mostrava tão destituído de espírito, que percebi, em poucos dias, que ninguém ali se incomodava com os conhecimentos do próximo; algo que encontrei em pouquíssimas pessoas na minha vida profissional.
* O STA mudou para Secretaria de Fomento para Ações de Transporte, cuja principal função é elaborar e supervisionar a implantação das políticas e diretrizes para a captação de recursos.
Quanto ao DFMM (ex-DMM), compete, em primeiro lugar, assistir ao Secretário de Fomento para as Ações de Transporte no trato de assuntos que envolvam o Fundo de Marinha Mercante e o apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria da construção naval.
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