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O BISCOITO MOLHADO
Edição 346 Data: 12 de dezembro de 2004
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- “Nossa! Vêm por aí mais vinte edições para falar de outro presidente dos Estados Unidos!” - já imagino alguns assinantes exclamando de mãos na cabeça.
Acontece que chegou uma carta no Departamento de Divulgação do Biscoito Molhado indagando se é mesmo verdade que as molas de um colchão contribuíram para morte de um presidente dos Estados Unidos.
Prometemos tirar essa dúvida com apenas esta edição. Dito isto, vamos em frente.
Tudo começou em 2 de julho de 1881, numa estação da estrada de ferro de Washington, quando o presidente eleito pelo Partido Republicano, James Garfield, foi alvejado pelo disparo do revólver de um advogado. Esse advogado, chamado Charles Guiteau, alegou a promessa de um emprego específico feita pelo presidente e não cumprida, como o motivo do seu gesto tresloucado. Verdade ou não, os estudiosos afirmam que esse atentado contribuiu para a aprovação, dois anos depois, da primeira lei abrangente do serviço civil, a Lei Pendleton.
Concluirá, talvez, um ou outro leitor:
- “Nos Estados Unidos tudo é motivo para se matar o presidente; até não entrar pela janela no serviço público”.
O presidente não morreu no dia em que recebeu esse tiro, nem nesse mês, nem no mês seguinte. James Garfield possuía a pele escarmentada de quem lutara na Guerra da Secessão e de quem exercera sucessivos postos militares na Brigada de Middle Creek. Antes, graduara-se no Williams College de Massachusetts para se tornar professor de línguas clássicas no Eclectic Institute, em Ohio. Lá, conheceu a sua futura esposa, a estudante Lucretia Rudolph, com quem teve sete filhos mesmo com uma Guerra Civil no meio do casamento.
Depois da guerra, James Garfield seguiu a carreia política, elegendo-se senador por Ohio. Indicado pelo seu partido nas eleições presidenciais de 1880 derrotou por uma quantidade mínima de votos o canditado democrata, General Winfield Scott Hancock. Empossado em 1881, a sua popularidade cresceu, pois atacou de imediato a corrupção política. E, como vimos, com pouco mais de sete meses no cargo, recebeu um tiro disparado por um advogado.
A bala se alojara no tórax, mas não se sabia o local com precisão. Se penetrara em algum órgão, fazia-se necessária a cirurgia, se não, podia-se aguardar a recuperação do paciente. A localização exata da bala era, portanto, fundamental. Nessa época, recorria-se à sondagem manual no corpo, o que contribuiu para inúmeras mortes por infecção de pessoas baleadas. O Raio-X só seria descoberto quatorze anos depois do atentado à vida do presidente James Garfield. Cabem aqui algumas palavras sobre a descoberta, por acaso, dessa preciosidade para a vida humana.
Na tarde de 8 de novembro de 1895, o físico Wilhelm Conrad Roentgen, reitor da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, fazia pesquisas no laboratório da sua casa com o tubo de raios catódicos inventado pelo inglês William Crookes, quando reparou num brilho muito estranho. Enfurnou-se durante seis semanas no seu laboratório para estudar esse brilho estranho, que era uma radiação, que atravessava livros, folhas de alumínio e outras barreiras que ele interpunha entre o tubo e uma placa de material fluorescente. Finalmente, no dia 22 de dezembro, chamou a sua esposa e cobaia, Bertha. Chamou-a e fez, durante 15 minutos, a radiação atravessar a sua mão atingindo, do outro lado, uma chapa fotográfica. Revelada a chapa, viu as sombras dos ossos da mão da sua mulher – era a primeira radiografia da história. Via-se o invisível. Fascinado, mas ainda confuso, Roentgen chamou os raios da sua descoberta de “X”, que é o símbolo da ciência para designar o desconhecido.
Seis dias depois de radiografar a mão da esposa, Roentgen apresentou o seu achado na Universidade de Wurzburg. O fato chegou à imprensa e ver o próprio esqueleto passou a ser o sonho de consumo de todos os alemães. Já no ano seguinte, 1896, os médicos adotavam o Raio-X.
Porém em 1902, nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova Jersey, um grupo de deputados, defensores da moralidade e dos bons costumes, tentou proibir o Raio-X sob a alegação de que essa radiação permitia a qualquer um ver os corpos nus de quem passasse pelas ruas.
Mas é hora de voltarmos ao agonizante presidente James Garfield.
Existisse o Raio-X já em 1881 e o projétil no tórax do presidente seria visto, apesar dos moralistas americanos; como não existia, o drama se intensificava.
Nos dois meses de padecimento do presidente James Garfield– de 2 de julho a 19 de setembro de 1881, quando faleceu – a cobertura jornalística foi considerada impressionante e selvagem. Curandeiros, pajés, charlatões, rezadores, inventores, ficcionistas, médicos e aproveitadores em geral apresentaram mil palpites para salvar a vida do presidente. As redações dos jornais recebiam um volume inacreditável de cartas dessa gente; e muitas delas eram publicadas. No meio de todo o corre-corre para salvar o presidente, um cidadão de Baltimore, chamado Simon Newcomb, declarou ao jornal Washington National Intelligencer, que fazia experiência de eletricidade em bobinas. Ressaltou que um desses solenóides, conduzindo corrente, quando próximo a um pedaço de metal, produzia um zumbido tênue, quase inaudível, e que, afastando a bobina do metal, o zumbido sumia. Em Boston, Graham Bell lera a matéria, e concluiu que o telefone, seu recente invento, poderia ampliar esse zumbido e localizar com precisão a bala no tórax do presidente. Telegrafou então, para Newcomb e, em seguida, partiu para Baltimore.
Deram os dois então início aos trabalhos: montaram um aparelho que consistia de duas bobinas de fio encapado, uma bateria, um interruptor e o telefone. Uma das bobinas ficava na ponta de uma varinha, que agia como detector. Quando aproximavam um diminuto metal do implemento, o telefone de Graham Bell acusava logo com um claríssimo zunido. Constataram também a sensibilidade do detector: 12 centímetros. Não tinha erro.
Testaram o aparelho com balas deflagradas e não deflagradas escondidas na boca, nas axilas e nas virilhas deles mesmos, e tudo deu certo. Foram, em seguida, para um hospital de veteranos da Guerra Civil, onde muitos tinham balas encravadas em diferentes partes do corpo, e novo sucesso. Aprovado o invento, a missão agora era salvar o presidente.
No dia 20 de julho, dezoito dias depois do atentado, portanto, Graham Bell, seu assistente e Newcomb se encontravam junto ao leito de James Garfield. O enfermo, já vulnerável, com a expressão assustada, temia ser eletrocutado pelo invento, enquanto acompanhava com os olhos esbugalhados o percurso da varinha milagrosa. Algo, no entanto, dava errado: o zumbido no telefone se avolumava independente da parte do corpo do presidente próxima ao detector. Tentaram eles outras vezes mais, até a exaustão, e sempre dava errado. Foram, então, convidados a retirarem-se do quarto do presidente.
Os invejosos aproveitaram para tachar Graham Bell de incompetente, de um charlatão em busca de publicidade. Recusando-se a aceitar aquele aparelho como uma geringonça, Graham Bell o desmontou todo, para depois remontá-lo, certificando-se de qualquer mau-contacto. Voltou às experiências com veteranos de guerra com balas pelo corpo e novo sucesso.
Depois de muitas dificuldades, conseguiu convencer as autoridades da Casa Branca a deixá-lo tentar novamente. No dia 31 de julho, Graham Bell, Tainer, seu assistente, e Newcomb estavam de novo próximo ao leito do presidente que, de novo, temia que a sua morte fosse antecipada por um choque elétrico. Novo fracasso. Bastava aproximar a varinha do presidente e o aparelho zumbia loucamente. Foram os cientistas quase que expulsos da Casa Branca. O fracasso agora era definitivo. Cinqüenta dias depois dessa tentativa, terminava o sofrimento do presidente James Garfield. Morria no dia 19 de setembro.
Muito tempo se passou até que alguém se desse conta do motivo de o aparelho de Graham Bell e Simon Newcomb só desatinar com o presidente dos Estados Unidos: a Casa Branca fora um dos primeiros lugares do mundo a usar um produto novíssimo para o conforto das pessoas: o colchão de mola.
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