-------------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 3828 Data: 11 de agosto de 2011
--------------------------------------------------------------------------------------
58ª VISITA DE ESCRITORES À MINHA CASA
- Eu li, Otto, um artigo seu, em um jornal, sobre um confronto de vocês quatro, “adolescentes definitivos”, com o então Prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek. Deixe-me ver se a memória não me trai... Vocês estavam na porta de uma confeitaria, quando passou o prefeito, do outro lado da calçada. Aproveitaram a oportunidade e o apuparam estrepitosamente. Juscelino atravessou a rua, dirigindo-se a vocês, o que os desconcertou, porque não esperavam essa reação. Ele conversou, então, com todos, da maneira mais pacífica e respondeu a todas as queixas. Quase que sai de lá aplaudido, como nas óperas. Foi isso?
Otto Lara Resende sorriu, antes de responder:
- Você mesclou reminiscência com fantasia, mas, quando escrevi, os fatos também vieram revestidos de um pouco de imaginação, pois muitos anos haviam transcorrido. Eu, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino estávamos na Leiteria Nova Celeste, discutindo política e literatura, a uma mesa, quando fomos surpreendidos com a presença de Juscelino Kubitschek.
- Como um Napoleão da simpatia, ele tirou proveito do fator surpresa... - precipitei-me.
- Por pouco tempo... Demonstramos nosso desgosto com o Estado Novo. Hélio Pellegrino era o mais inflamado, discursava sem conceder um aparte a Juscelino Kubitschek e com isso não permitia submeter os assuntos a contraditório. Em dado momento, Juscelino disse: “- Entrego os pontos!”. E se foi...
- Não houve aplausos, mas a relação com Juscelino não ficou envenenada a partir daí?...
- Claro que não. Juscelino, como prefeito, promoveu a “Semaninha”, uma espécie de feira cultural, uma miniatura da Semana de Arte Moderna de 1922. Na “Semaninha”, estabelecemos laços de amizade com Oswald de Andrade e outros membros do grupo paulista.
- E Mário de Andrade?
- Ele já se correspondia com Fernando Sabino.
- Você não se descuidava da formação acadêmica?
- Formei-me em Direito e, em 1945, fui para o Rio de Janeiro, onde comecei como repórter. Eu era também funcionário público, desde 1939, quando me convidaram para trabalhar no Serviço do Imposto Territorial da Secretaria de Finanças de Minas Gerais.
- E sua obra literária, Otto?... Nélson Rodrigues não se conformava que você fosse um gênio da conversação e escrevesse tão pouco.
- Calma; eu escrevi, em 1952, “Lado Humano”, um livro de contos que minha mulher, Helena, leu antes de sua publicação, pela “Editora A Noite”.
- Helena era filha de Israel Pinheiro e neta do ex-Governador de Minas Gerais, João Pinheiro.
- Foi um casamento para toda vida; quarenta e quatro anos. Tivemos quatro filhos: André, Bruno, Cristina e Heleninha.
- E seu segundo livro, que saiu cinco anos depois, “Boca do Inferno”, provocou uma convulsão na TFM - Tradicional Família Mineira.
- Embora já estivesse com trinta e cinco anos, meu pai, de Belo Horizonte, me passou, por causa disso, uma reprimenda por carta. O advogado Sobral Pinto, militante católico, também expressou seu desagrado com meu livro. Sob impacto dessa insatisfação, demiti-me da Manchete, onde passara de redator-chefe a diretor, e fui para Bruxelas, com minha família, exercer o cargo de Adido Cultural na Embaixada brasileira.
- Em sua ausência, a filial carioca da TFM cobriu de fezes a porta de seu apartamento.
- Soube dessa lastimável agressão pelo Autran Dourado.
- Não quis, então, voltar mais para o Brasil?
- Em 1960, quando terminou o mandato presidencial de Juscelino Kubitschek, , Helena me convenceu a cancelar o contrato já assinado com a UNESCO e a pisar de novo o chão do Rio de Janeiro. Eu me sentia perdido, estava deprimido, Já resumi, em uma frase, meu estado de espírito.
- Mas você sempre foi um jornalista! - argumentei.
- Então, aqui vão mais duas frases minhas: “Sou jornalista, especialista em ideias gerais; sei alguns minutos de muitos assuntos; e não sei nada.” e “Tenho para mim que sei, como todos os brasileiros, os três primeiros minutos de qualquer assunto.”
- Sim, Otto, mas aqui, em 1960, você foi para a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro.
- Fui para a Procuradoria, como advogado substituto. O destino me levou para o Banco Mineiro de Produção, onde exerci o cargo de diretor, nomeado por Magalhães Pinto, Governador de Minas.
- Ele acabara de vencer Tancredo Neves em uma disputa muito acirrada pelo governo do Estado. - acrescentei.
- Quando Jânio Quadros renunciou, e o país ficou à beira de uma guerra civil por causa da posse, ou não, do Vice-Presidente João Goulart, Magalhães me pediu que redigisse uma declaração
- Uma declaração bem “em cima do muro”? - sorri.
- Cunhei, então, a frase: “Minas está onde sempre esteve.”
- Esta frase, que é o lema de quem que se posiciona “em cima do mundo”, não é do Governador Magalhães Pinto?
- É minha, pela razão que lhe contei, ele pediu, eu a criei e ele a disse e escreveu... - sorriu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário