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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3824 Data: 07 de agosto de 2011
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CONVERSAS QUE ANTECEDEM O SABADOIDO
- E, então, Daniel, como vão os frequentadores da agência dos Correios, da Avenida Nossa Senhora de Copacabana?
- Bob Nélson morreu. Ele cantava “Tira o Leite”,
- E aquele senhor de oitenta anos, que se tornou seu amigo, Daniel?... Disse que lhe daria o livro de memórias. Li depois, na internet, trechos que ele colocou lá, sobre sua vida de playboy, e porque não se casou: deixaria infeliz uma mulher com o pouco apego que tinha pela vida doméstica, pois era de sumir durante dias para namorar e também pescar.
- Carlão, ele sumiu da agência de Copacabana também. Espero que não tenha morrido.
- Se você conversasse durante uma hora por dia com os velhinhos de Copacabana, já teria matéria, em menos de um mês, para escrever um livro de quinhentas páginas.
- E por que eu iria escrever a história deles?!... Que cada um escreva a sua, Carlão.
- Já imaginou se Jean Valjean ficasse encarregado de redigir sua história, o inspetor Javert, a dele, Cosette, a dela, e assim sucessivamente? Não teríamos “Os Miseráveis”.
- Está dizendo, Carlão, que a população de Copacabana é formada por miseráveis?!... - brincou.
- E as suecas?... Têm aparecido suecas lá, na sua agência?
- Carlão, nós estamos no inverno e a Suécia, no verão.
- Não atentei para isso - é verão no hemisfério norte. Nesta semana, mesmo, morreram de calor dezenas de idosos, nos Estados Unidos.
- Eles se preparam para o frio e se esquecem de se preparar para as altas temperaturas.
- A cena que aparece na mídia, Daniel, quando um locutor informa sobre o sol inclemente nos Estados Unidos, é de um hidrante aberto e o pessoal se banhando naquele jato d' água.
- Eu já vi em filme, Carlão.
- Você já assistiu ao “Faça a Coisa Certa”? O enredo se desenvolve quando Nova York estava uma fornalha.
- Como alguém pode fazer a coisa certa no calorão?
- É verdade. Os personagens da fita de Spike Lee ficaram ensandecidos com tanta quentura na cabeça.
- Não falei?!...
- Li uma reportagem anteontem sobre a Espanha e a crise econômica. Diminuíram o expediente para seis horas diárias, sem gerar emprego. Como estão no horário de verão, o sol se põe às dez horas da noite, e os que ainda têm emprego ficam até tarde na praia.
- Que beleza, Carlão! Isso é que é uma solução para a crise.
- Uma colega minha, germanófila, diria que os alemães trabalham pelos gregos e, agora, pelos espanhóis.
- Eu já lhe disse, Carlão, que os melhores turistas na minha agência são os alemães: falam inglês e vivem bem-humorados.
- Não há novidades, então, nos Correios da Avenida Nossa Senhora de Copacabana?
- Não.
Depois da sua resposta incisiva, mudou um pouco de assunto.
- Você não escreveu mais nenhum poema sobre seus colegas de trabalho, como aquele, do Bokassa?
- Eu manuscrevi muitos, estão perdidos em meus alfarrábios. Ontem, por coincidência, encontrei um deles, que cita, de passagem, o Ibrahim Abi Ackel. Alguém pode pensar que Bokassa e Abi Ackel foram colegas meus de serviço...
- Esse Abi Ackel também comia gente, Carlão?...- brincou.
- Abi Ackel foi Ministro da Justiça do governo João Batista de Figueiredo. Ele era desafeto de José Sarney, Presidente do PDS, na época. Depois que este se bandeou para a candidatura de Tancredo Neves a presidente, foi deflagrada uma campanha de difamação contra o Abi Ackel.
- Que campanha foi essa? - expressou curiosidade.
- Noticiaram que ele era contrabandista de joias.
- E ele era?
- Nunca provaram, mas, como diziam raposas felpudas do PSD, fundado muito antes por Getúlio Vargas, o que importa não é o fato, e sim a versão. Transformaram a suspeita em verdade e o O Globo deu início a uma campanha de difamação.
- Foi?!...
- As piadas que eu lia na coluna do Zózimo, principalmente, eram engraçadas, não se pode negar. Uma delas: Abi Ackel, o ministro-joia.
- Essa piada é mais ou menos.
Citei, então, outra:
- Filme preferido do ministro Abi Ackel: “Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa”.
- Essa já é boa.
- Inventaram muitas gracinhas que eu esqueci. O Globo, como eu disse, publicou várias delas.
- Era o final da ditadura militar e a volta da democracia. - disse ele.
- Nem antes de 1964, o brasileiro sabia direito o que era viver democraticamente.
- Outros foram difamados?
- Sim, Daniel. Eis um caso: o Daniel Filho mantinha um romance com a atriz Bete Faria, quando esta, contracenando com o ator Mário Gomes, em uma novela, enamorou-se dele. Plantaram, então, a notícia de que Mário Gomes tinha dado entrada em um hospital com uma cenoura no ânus.
- Plantaram em que jornal?... No Globo?
- O Globo tinha de manter certo padrão. Essa notícia era para sair, em primeira mão, em jornais popularescos e foi publicada, então, na Luta Democrática.
- Isso foi na época do Abi Ackel?
- Uns poucos anos antes. Mário Gomes passou a ser chamado de Pernalonga, Mário Coelho, as piadinhas foram inúmeras...
- Mas a carreira dele não acabou, pois ele fez algumas novelas depois.
- Sim, Daniel. A carreira política do Abi Ackel também prosseguiu, ele chegou a se eleger deputado federal. Wilson Simonal é que foi morto e enterrado pelos difamadores. Até hoje não apareceu uma única pessoa que tenha sido delatada por ele ao DOPS, por ideologia, mas a versão ficou acima dos fatos.
- E o poema sobre seu trabalho, em que você falou do Abi Ackel?
- Trata-se de um acróstico, com meu nome. Eu estava lotado na Seção de Estatística da DIVEST - Divisão de Estudos da Marinha Mercante. Também fiz piada com o ministro, porque o caso já estava prescrito, e os nomes dos colegas eu troquei, embora eles gostassem de ser lembrados em meus versos.
Com exceção da chefe histérica, eram todos boas pessoas.
Vamos lá, ao poema:
C arrego pedras nesta má DIVEST,
A quelas
R elutante, porém honrando as calças,
L evo malas também, que não têm alças:
O Ribamar, o Manuel, o Oscar.
S ei: bom cabrito não deve berrar.
E xaurido, pois gritam ao redor,
D escubro a chefe cada vez pior:
U lula, estrila a voz esganiçada.
A i de nós, não podemos fazer nada!
R omperemos os tímpanos em breve.
D esejo, então, que Satanás me leve:
O inferno para mim terá até neve.
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