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O BISCOITO MOLHADO
Edição 2227 Data: 23 de dezembro de2004
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ROOSEVELT E CHURCHILL DÃO TRABALHO AOS MÉDICOS
Enquanto William Randolph Hearst recorria a todos os meios legais e ilegais para evitar que o filme Cidadão Kane chegasse às telas, pedia auxílio financeiro ao governo Roosevelt para manter o seu império jornalístico, ora combalido. O auxílio foi negado e William Randolph Hearst, que considerava Roosevelt um comunista que acabaria levando os Estados Unidos à guerra contra a Alemanha e não contra a Rússia, ameaçou publicar fotos de aleijado do presidente em todos os seus jornais espalhados pelo país. A recusa foi mantida, quem cuidaria agora das bazófias do magnata decadente seria Orson Welles.
Franklin Delano Roosevelt evitou todas as maneiras possíveis e impossíveis que o povo o visse como inválido. Com o envolvimento dos Estados Unidos na guerra, e a aparição dos primeiros soldados americanos mutilados, o presidente já se deixava fotografar na cadeira de rodas.
No ano de 1944, a sobrecarga emocional com a guerra trazia-lhe sérios males físicos; tornara-se um hipertenso à beira do derrame cerebral. Outro fator que o aproximava da morte era o fumo, embora os médicos da época, incluindo os seus, não atentassem muito para isso tal era a campanha pró-fumo das grandes empresas tabagistas. Lembramos que, quando fora acometido pela poliomielite aos 39 anos, deitou-se na maca que o levaria ao hospital com o seu cachorro nos braços e uma piteira fumegante na boca.
Em 1944, pouco antes das eleições presidenciais americanas, o médico de Franklin Delano Roosevelt diagnosticara hipertensão aguda e insuficiência cardíaca congestiva. Ele não resistiria a um quarto mandato, mas Roosevelt recusava-se a deixar o seu posto de comandante em chefe.
No dia 25 de março desse ano, o doutor Bruenn só concebia uma maneira de salvar a vida de Roosevelt: livrá-lo das tensões mentais e das influências emocionais. O médico esboçou as medidas a serem tomadas, mas logo percebeu que entrara no terreno da ficção.
Enquanto isso, em Londres, o grande aliado de Roosevelt, Winston Churchill, também dava problemas aos médicos. Aproximava-se dos 70 anos e nenhum médico poderia prever que chegaria aos noventa, como chegou. Tinha de cortar os coquetéis de papaia com uísque diluído que bebia “all day long”, porém, diante das recomendações médicas, era rebelde:
- “A bebida é minha criada, não minha senhora”.- retrucava.
Os charutos, mesmo os puríssimos havanas, não possuíam o encanto hollywoodiano dos cigarros, e por isso foram também vetados pelos médicos de Churchill, que permaneceu rebelde e com o charuto na boca.
Um ano antes, isto é, em 28 de novembro de 1943, depois de reunir-se com Roosevelt e Stalin, em Teerã, pegou pneumonia e ficou entre a vida e a morte. Declarou, depois, que foi salvo pela sulfa e pelo conhaque, mas a história diz que deve a vida ao médico que descobrira a penicilina. Reza a lenda que seria essa a segunda vez que a mesma pessoa o salvava da morte, pois, quando garoto, afundando-se numa piscina, foi socorrido pelo filho do jardineiro, o Alexandre Fleming. Churchill, em “Minha Mocidade”, escreve os acontecimentos de outra maneira. Com dez anos de idade, brincava com outras crianças na propriedade de uma tia, em Bournemouth. Era uma brincadeira de pegar no meio de pinheirais “que desciam por ondulações arenosas terminadas em penhascos, às lisas e duras praias do Canal da Mancha”. Cercado pelos perseguidores, o pequeno Churchill anteviu uma maneira de escapulir. “Meu raciocínio era certo, mas os dados dos problemas estavam errados. Levei três dias sem sentido e fiquei de cama mais de três meses. Caí de 29 pés de altura num terreno duro, embora certamente os galhos atenuassem a minha queda.” Carlos Lacerda, o tradutor da “Minha Mocidade”, escreveu 29 pés; é isso aí: Churchill caiu de uma altura próxima de 9 metros e meio. Além de não cair na piscina, Alexandre Fleming tinha três anos de idade na época.
No início dos anos 30, Churchill seria atropelado por um carro em Nova York, ou seja, sempre deu trabalho aos médicos; em 1944 não era diferente. Vivia irritadíssimo com as bombas V1 que já mataram 3 mil civis ingleses e feriram 8 mil, e brigava com os seus generais que não concordavam com a sua retaliação: lançar gás venenoso contra os civis alemães.
Roosevelt, muitos quilos mais magro, assustou o povo americano pela sua aparência mórbida quando apareceu na televisão para anunciar a sua intenção de candidatar-se ao cargo presidencial pela quarta vez. Não pretendia mesmo deixar os seus soldados no meio da guerra, e não suportava a idéia de imaginar Thomas Dewey, o candidato republicano, no seu lugar.
A campanha eleitoral foi amarga; Thomas Dewey reconheceu a derrota pelo rádio, mas não enviou o telegrama tradicional de felicitações ao adversário vitorioso.
- “Eu sempre o achei um filho da puta”.- reagiu Roosevelt, enquanto empurravam a sua cadeira de rodas para o seu quarto, em Springwood.
Poucos meses antes dessa eleição, mais precisamente 20 de julho de 1944, houvera o atentado contra a vida de Hitler, encabeçado por generais alemães; mas, por ironia, quem mais estivera perto da morte nesse dia foi Franklin Delano Roosevelt. O presidente foi encontrado no chão, em São Diego, pelo filho James, depois de observar um exercício de desembarque de tropas nas praias da Califórnia. Sofrera um acidente vascular cerebral de pequena intensidade. Recuperou-se e ordenou segredo ao filho, nem o seu médico poderia saber do ataque. James Roosevelt disse mais tarde que poderia desobedecer ao pai, mas nunca ao comandante em chefe.
Hitler, como todos sabemos, sobreviveu ao atentado com mais de cem farpas da madeira de carvalho da mesa e das cadeiras, que foram para os ares, encravadas pelo seu corpo. Os generais envolvidos foram fuzilados, Rommel foi obrigado a cometer suicídio e os demais conspiradores, por ordem de Hitler, foram enforcados com cordas de piano e pendurados em ganchos de açougue. Essas execuções foram filmadas e enviadas a Hitler. Segundo o jornalista Paulo Francis, esses filmes, que de vez em quando Hitler assistia, eram o seu Tom e Jerry.
Roosevelt já perdera a voz enérgica dos discursos no Congresso em que dizia que a guerra era contra bandidos, mas ainda se mantinha no seu posto nos primeiros meses de 1945.