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O BISCOITO MOLHADO
Edição 01D - 27 de junho de 2022
Fundador: Carlos Eduardo Nascimento - Ano XXXVIII
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Nem Ladeira Abaixo
Eu nem devia tocar mais nesse assunto, afinal toda mentira deve permanecer encapsulada, escondida, coisa que não se admite nem na frente da família; seria assim se eu não fosse um caso patológico, um serial killer da cascata, um serial lier...
É claro que há justificativas para isso ou aquilo, mentirinhas sociais, pequenos delitos, mas um teor de cinismo ou malícia impõe o seu lugar, ora, afinal se todos os beatos se derem as mãos, quem vai sacar primeiro?
É o caso dessa historinha, de uma sociedade baseada na confiança mútua, aquelas do tempo do fio do bigode, o caso é que me barbeio todo dia. Mas a sociedade existiu de fato e não há contabilmente nada que possa ser criticável.
Éramos os sócios eu e o Skipper, mas não me perguntem qual era a razão social, ou se é que tinha uma razão para existir, faz tempo demais. Mas a necessidade de levar uma coisa do Rio a São Paulo está límpida na memória e eu ia fazer isso com meu Galaxie.
Que tempo esse! A gente tinha um ou dois Galaxie, cada um, e vivíamos circulando a torto e a direito, acho que devo a esta fase tão macia o fato de não ter hoje sérias dores na coluna. Eu adoro um Galaxie.
Mas, naquele dia, a viagem teria de ser no Galaxie do Skipper, um 67-68, Verde Netuno, tom escuro, classudo e imaculado, com umas talas mais largas, carro chique. Feito o carregamento do não-sei-mais-o-quê, recebo a incumbência de preencher detalhadamente o consumo num livrinho de bordo, onde cada tanqueada estava lançada, com a correspondente quilometragem, consumo etc.
Claro que nessa sociedade, a despesa era dividida, mas bem além disso, o preenchimento religioso e meticuloso dos dados era imposto pelo cioso e cuidadoso Skipper - ao que me comprometi, de pés juntos. E assim parti na manhã seguinte, ronronando junto com os oito obedientes cilindros rumo à Serra do Mar.
Na subida da serra, por garantia, fiz a primeira tanqueada; ali deu o estalo... Quarenta e cinco litros, lancei a quilometragem, o frentista perguntou:
- Quer a nota?
Claro que eu queria, era necessária, o "estalo" chegou e disse... quero... de 42 litros. Como a quantidade era menor, veio a nota de 42 litros, que lancei no livrinho. O Skipper jamais desconfiaria de que eu tiraria dinheiro do meu próprio bolso, apenas com a ideia de falsear o consumo...
Fiz a conta do consumo e deu 5,9 km por litro, esses três litros a menos ajudaram bastante, pois o consumo real fora de uns 5,5 km/l.
Gostei. E abusei. Daí em diante passei a "roubar" de mim 4 ou 5 litros por tanqueada em prol do sucesso da sociedade, lançando consumos de eficiência crescente... 6,3 km/l, acho que cheguei até a formidáveis 7,4.
Deu lucro a sociedade! O que nunca mais se repetiu, tenho certeza de que não, foram os estupendos consumos, na mão do cioso proprietário, nem que fosse ladeira abaixo...
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