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TRADUZINDO E TRAINDO
“Tradutor, traidor” – reclamam os críticos das traduções, traduzindo a célebre máxima italiana “tradutore, traditore”.
O acadêmco Raimundo Magalhães Júnior – nome hoje lembrado porque era o pai da carnavalesca Rosa Magalhães – traduziu a peça de Tennessee Wiliams, Cat on a hot tin roof, como Gata em teto de zinco quente. Millor Fernandes não perdeu tempo ao saber dessa tradução, representou numa charge uma gata (ou seria um gato?) de cabeça para baixo, andando sobre um teto, desafiando a lei da gravidade. Teto esse que nem quente era, pelo menos na charge. Passaram trinta anos, e quando a peça é encenada no Brasil, permanece o título: Gata em teto de zinco quente. Se ainda fosse uma peça surrealista...
Outro erro de tradução – esse mais escondido dentro da obra – ocorreu num livro sobre guerra vertido do inglês para o português. O editor do mesmo, ao ler os originais, intrigou-se com os encontros que Hitler mantinha com um tal de General Staff; em certo momento, mandou chamar o tradutor, o famoso escritor Marques Rabelo.
-“Você não sabe que General Staff é Estado-Maior?”
-“Eu nem sei inglês.”- respondeu Marques Rabelo.
Há, contudo, as traduções praticamente impossíveis. Dia desses, pelo telefone, Léozinho enveredou pela infância de Napoleão Bonaparte:
-“Ele era chamado pelos seus colegas de escola de Napadonez.”
Como traduzir esse trocadilho para a nossa língua sem perder o nariz (nez, em francês)? Impossível.
O próprio Léozinho, agora no restaurante Tarantino, tratou das traduções indiretas; obras redigidas em alemão, por exemplo, e que conhecemos em português através de traduções do francês.
-“O Feliciano de Castilho fez uma boa tradução do Fausto de Goethe, mas do francês.”
Sem nada falar, para não interromper o Léozinho, lembramos que essa obra máxima da literatura alemã inspirou algumas óperas, entre elas a Danação de Fausto de Berlioz. A Canção do Rato, recitada por Mefistófoles, que comprara a alma de Fausto, ganhou na ópera de Berlioz um formidável acompanhamento orquestral; não fez, porem, sucesso, o que levou o compositor Rossini a comentar:
-“A Canção do Rato não fez sucesso porque não havia um só gato pingado na platéia.”
Bem, prossigamos com a peroração do Léozinho sobre as traduções, naquele nosso erudito almoço no Tarantino:
-“A tradução, Carlinhos, tem de ser também uma obra de arte, e não uma simples mudança de um idioma para o outro. Veja as obras de Dostoievsky: sempre nos chegaram através de traduções indiretas, principalmente do francês. Agora, há um tradutor que tem familaridade com a cultura, a língua e a literatura russa, e que nos indica muitas contrafações que houve ao passarem as obras de Dostoievsky para o português.”
Sem tomar fôlego, prosseguiu:
-“O conto do Dostoievsky, Noites Brancas, por exemplo; trata-se do branco que se vai tornando mais transparente no fenômeno típico de São Petersburgo entre 21 de junho e 1° de julho.”
Outra questão que o Léozinho chamou a atenção, baseado nesse profundo conhecedor da língua russa e de Dostoievsky, é a relação muita profunda entre o estado de espírito das personagens e a sua linguagem. Esse ponto é interessante, como os assinantes do Biscoito Molhado poderão constatar, e até mesmo identificar exemplos próximos, como veremos:
“...Mas, na medida em que as personagens vão entrando em conflito com seu universo social e consigo mesmos, a linguagem fica mais complexa. Há momentos em que a personagem se torna quase que incompreensível...”
Não parece o Sílvio Carello?... Só falta mesmo o farol de milha... Alguém, talvez, resmungue:
-“Sílvio, um personagem de Dostoievsky?!...”
Ora, o autor russo foi o primeiro grande escritor a trazer o povo miserável para o primeiro plano, para o proscênio da literatura, e o Sílvio Carello, mesmo hoje, não apaga da nossa memória a sua choradeira pelo seu escasso salário no passado recente.
Como o assunto é vasto, e mais vasta ainda é a erudição do Léozinho, não tivemos tempo, na nossa conversa, de tratar das traduções faladas, ou seja, das dublagens. Como sempre encontramos lugar no Biscoito Molhado para qualquer assunto perdido, aí vai um trecho, ou melhor, uma frase de um dublador do Robert Mitchum, num filme que assistíamos na TVA.
-“Me dá um chopis.”
Mudei de canal sem esperar que ele pedisse dois pastel.
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