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O BISCOITO MOLHADO
Edição Moderna Data: 23 de março de 2023
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CIRCUNAVEGAÇÕES NO CLUBE DO BONDINHO
Quando Jaime e Muricy aparecem no Clube do Bondinho, a algazarra habitual é trocada por um papo bem mais civilizado, tão notável que vizinhos da Rua Triunfo sempre comentam a diferença... E, desta vez, ainda pude tirar proveito de uma revelação nada usual.
Foi assim nos campos de batalha da Guerra Civil Espanhola, seria assim no prenúncio de visitas a Giverny, entre os dois não rola competição, são como dois tubinhos de Araldite, um é adesivo e o outro é catalizador. O Muricy anda, já subiu, e desceu, os Andes, atravessou o Amazonas desde as cabeceiras – mas não a nado como faria o Mao, apenas de carona de navio – foi a Verdun, a Omaha e também a Giverny, cumprimentou os astronautas, bebeu água no copo de Getúlio Vargas, mas ainda será em outra segunda-feira que essa história do Monet vai continuar.
Nesta reunião de ontem, muito entretanto, a conversa fluiu em dois momentos separados, mas era como se houvesse uma ligação aérea entre eles. Falou o Jaime – bem antes do Muricy saber que viria, pois tinha agendado uma reunião de condomínio – sobre a viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães e Sebastián Elcano. Na verdade, Fernão de Magalhães não deu a volta ao mundo porque morreu no meio da viagem. Elcano completou, mas não foi o primeiro homem a dar a volta, pois um marinheiro era filipino e ao reconhecer a terra natal passou este, de nome Henrique Hue, a ser o pioneiro. Vi imediatamente uma semelhança com a corrida de Le Mans em 1966, quando Ken Miles chegou na frente, porém como a Ford queria a fotografia da bandeirada para seus três carros quase emparelhados e seus colegas de escuderia que largaram em uma posição mais atrás cobriram efetivamente uma distância maior, eles foram os vencedores. Ninguém concordou comigo, mas a situação de Elcano é mesmo bem semelhante à de Ken Miles.
Mal passávamos por esse episódio, chega o Muricy, contente como se tivesse tirado carteira de motorista aos 12 anos. Ele não sabe bem que dia é hoje, qualquer hoje, e não reparou que a reunião do condomínio era na terça-feira; portanto, pode vir ao Clube – grande alegria!
Aberto o vinho, a conversa esticou sobre Monet-Giverny e Van Gogh, dando um ar cultural, mas nada conclusivo àquela noite, porque começou uma enquete sobre os primórdios de cada um no interesse pelo carro antigo. Quando ia chegar a minha vez, excitado porque já estava com um texto pronto, quebrei meu copo e o pessoal achou que era melhor parar por ali. E sem qualquer revelação especial... tal como prometido no começo desta história.
Às duas e dezessete acordei e me dei conta que na circunavegação literária de Jules Verne, A Volta ao Mundo em 80 Dias, o protagonista Philleas Fogg, obcecado por horários e rotinas, não percebeu que economizara um dia de calendário ao cruzar a Linha do Tempo.
O mesmo que aconteceu com o Muricy, embora sem a atenuante de uma viagem em sentido contrário do movimento do Sol em que se usou tudo quanto era possível como meio de transporte. Porém, a alegria de ambos foi entusiasmante. Esfuziante.
Aí comecei a pensar se essa alegria do Fogg não foi a razão que levou Jules Verne a escrever o livro. Olhando friamente o filme, há uma atmosfera de road movie através da modernidade de trens, vapores e balões no mundo de 1870, e outra atmosfera de drama policial com o inspetor Fix (como esquecer dele, que fazia você retroceder inúmeras casas no jogo de dados que tinha a história como roteiro?) querendo desvendar o roubo do Banco da Inglaterra, simultâneo à partida dos 80 Dias... Chega o final e o script vai se encaixar no avanço do calendário para recuperar o tempo perdido com a prisão de Fogg por Fix. O suficiente para que Fogg viesse a vencer a aposta, pontualmente, às doze badaladas do meio-dia, levando criado e mulher para dentro do Reform Club, o que gerou faniquitos e desmaios na esnobice vitoriana.
Pois é, mas nem tudo são flores, falta a revelação, tudo pode piorar. Considerando que Muricy tenha chegado ao Clube às 21:17, e que tudo isso tenha se materializado às 02:17, percebi que minha presença retardada de espírito usa um tempo de espera de cinco horas para unir neurônios adequados. Muito triste, bem capaz de deprimir pessoas normais.
Da larva de quem ?
ResponderExcluirMinha.
ResponderExcluirQue salada... sensacional....
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