O BISCOITO MOLHADO
Volume 1 Edição 1864 Data: 28 de Junho de 2003
AVISO AOS NAVEGANTES
Caminhava eu pela avenida Rio Branco às quatro e meia da tarde quando, no sentido contrário, vinha uma moça com um megafone na mão:
-“Frouxo, covarde...”
Olhei para os lados: pouquíssima gente, apesar do horário. Seria pessoal?...Alguma coisa comigo?...
-“Frouxo, covarde...”- repetiu.
Não podia ser comigo; horas antes, mais precisamente, no almoço, Vergasta me considerara até um temerário com essas últimas edições do Biscoito Molhado.
-“Cuidado com um processo administrativo, Charles Brown. O saco de maldades dessa gente não tem fundo.”
É verdade que, na época do Armando Freigedo, falaram em processo administrativo contra mim, e o Labruna foi um dos que mostraram o ridículo da idéia:
-“O jornal nem é assinado. E em muitos órgãos há jornalzinhos ...não tão criativos como esse, haja vista os personagens que andam por aqui.”
-“Frouxo, covarde...Lula é frouxo e covarde. ”
Ah, bom. Não é comigo.
Lourdinha, com uma gravidez de sete meses, para poupar a Helena do ar da ANTAQ, tirou uma licença de quinze dias. Eu, ontem, pelas onze e meia da manhã, fui para o Departamento de Marinha Mercante . Encontrando-me com a Célia, no elevador, ela sorriu:
-“Veio visitar os pobres?”
-“Se você soubesse o ar de montanha que existe no DMM comparado com o da ANTAQ...”
-“O pessoal daqui ficou puto com o que fizeram com o Dieckmann.” – informou-me.
No caminho para o restaurante, Vergasta fez um estudo comparativo entre as diversas exonerações na marinha mercante:
-“Quando o Armando, o Paulo Octávio, o Sérgio Schechter e outros saíram, não houve essa comoção que está havendo agora com o Dieckmann.”
-“Dieckmann é carismático.”
-“É isso: carismático.”
Que chefe leva os seus funcionários, sem distinção de cargo, para a sua casa, nos elevados de Santa Teresa, e os faz deitarem-se na sua cama para conhecer o seu despertador?
-“ O relógio da Central.” – disse a Alba.
-“ O relógio da Central.” – disse o Dudu.
-“ O relógio da Central.” – disse o Fernando Pedrosa.
-“ O relógio da Central.” – disse a Glória Iscariotes.
-“ O relógio da Central.” – disse o Djalma.
-“ O relógio da Central.” – disse o Alberto.
Morando na rua do Triunfo, Dieckmann tinha de ter um despertador desse tamanho, já que o Big Ben – mais de acordo com o seu perfil um tanto vaidoso – encontra-se um pouco distante.
Houve, na ocasião, quem se lembrasse das reuniões que ele agendava todas as segundas-feiras às oito e meia da manhã, quando era coordenador:
-“Também, com esse despertador...”
A mulher que, de megafone na mão, chamava o Lula de frouxo e covarde – soube eu, depois, no noticiário da noite – dirigia-se, certamente, para a manifestação contra a reforma da previdência. Há duas semanas, no horário do almoço, deparei-me com um comício na escadaria do Palácio Tiradentes: “Acorda, Lula”. Comício esse patrocinado pelo ex-governador Garotinho. Soube, depois, pela coluna do Anselmo Góes, que os adeptos do Lula preparavam o troco: o “Acorda, Garotinho”, e o destaque do comício, como nas escolas de samba, seria um gigantesco despertador. Não o despertador do Dieckmann, é claro.
Com tanta gente dormindo, sou contagiado pelo sono, enquanto rabisco essas notas em casa. O meu sono é tanto, que nem força tenho de me erguer e desligar o rádio, sintonizado na Voz do Brasil. Encontro-me naquele limbo entre a vigília e o sono, que chamam de devaneio. O locutor d´ A voz do Brasil diz:
“Aviso aos Navegantes
Corumbá a Cáceres – manobras com empurradores e chatas na área do terminal, e existência de chatas abarrancadas a jusante da ponte Marechal Rondon.
Recomenda-se cautela aos navegantes que demandarem o local.”
Na minha sonolência, entendi tudo errado:
“Aviso aos Navegantes
Antaq ao cárcere – manobras com empurradores com a barriga e chatas com burrice terminal, e existência de chatas aboletadas nas gerências.
Recomenda-se cautela aos navegantes que o mar não está pra peixe.”
Ou eu entendi tudo certo?
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