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O BISCOITO MOLHADO
Edição 2246 Data: 20 de Janeiro de 2005
OSCAR WILDE
Oscar Wilde não surgiu no mundo da cultura por geração espontânea – sua mãe, Jane Francesca Wilde, brilhava nos salões, entre os intelectuais, pelo seu talento na conversação e escrevera versos de irlandesa patriota com o pseudônimo de Speranza. Quanto ao pai, não se dedicara às letras, mas foi cirurgião-oculista (o termo é este) da rainha Vitória e sua carreira foi prejudicada pelos escândalos amorosos em que se envolveu.
O Filme “Wilde” de 1997, com Stephen Fry, homossexual assumido, no papel do escritor, soube dar a justa relevância à mãe do personagem principal, tanto que colocaram a atriz Vanessa Redgrave para viver o papel dela. Não me recordo de alusão alguma à Senhora Francesca Wilde no filme de 1960, que, aliás, perdi no cinema e acabei assistindo na televisão.
O filme sobre Oscar Wilde – refiro-me ao mais recente – inicia-se e deixa o espectador mais apressado em dúvida: o escritor viveu na era vitoriana ou no faroeste dos mais rápidos no gatilho? Tal pergunta surge porque logo nos primeiros planos do filme Oscar Wilde/Stephen Fry é visto no meio dos mocinhos e bandidos do bravio estado do Colorado. O ano era 1882 e Oscar Wilde, que tinha 28 anos, fora aos Estados Unidos, a convite, para proferir uma série de palestras - nelas, contraporia a beleza da arte aos horrores da sociedade industrial, que, aliás, inspirou os melhores romances de Charles Dickens.
De volta a Londres, contou que, antes de uma das suas palestras, enforcaram dois homens:
- “... Veio, então, a minha palestra. Senti-me a sobremesa, depois que serviram a carne”. - Oscar Wilde não era rápido no gatilho, mas era rápido na língua.
Vai a Paris, fica pouco tempo por lá, o suficiente para esquecer a confrontação entre arte e indústria, e volta para Londres. Casa-se com Constance Lloyd, filha de um advogado de Dublin, mulher inteligente e culta que podia sustentar uma conversação de horas com ele. Em 1885 nasce o primeiro filho do casal, Cyril e, no ano seguinte, nasce o segundo filho, Vyvyan.
Oscar Wilde, que se destacara como latinista e helenista, quando aluno do Trinity College de Dublin, aparece, na pele do ator Stephen Fry, meio perdido: a vida de marido com esposa e filhos num lar vitoriano não o satisfaz. Aproxima-se, então, de rapazes, supostamente de programa, e ao ser abordado por um deles, foge mais por timidez do que por vontade.
As suas tendências homossexuais o acompanhavam desde a época de estudante, mas só na faixa dos trinta anos, depois de casado e com filhos, deixa-se seduzir por Robert Ross, um hóspede canadense. Conhecera o chamado vício grego e não mostra intenção de abandoná-lo.
Em 1891, lança a sua obra mais famosa, O Retrato de Dorian Gray, ganha muito dinheiro e sempre é visto na companhia de rapazes.
No ano seguinte, é apresentado a Lord Alfred Douglas, um jovem estudante de Oxford, apelidado de Bosie. Mal comparando, ele foi para Oscar Wilde o que Francesca da Rimini foi para Paolo, e vice-versa, ou seja, tal relacionamento acabou no inferno dantesco.
Tanto o filme de 1960 quando o de 1997 mostram um “Bosie” caprichoso ao extremo, choramingas, mas sem os trejeitos de maricas; John Neville é, aliás, muito elogiado neste papel, sempre que o filme, que teve Robert Morley no papel título, é criticado.
Muito mais indignado do que a esposa de Oscar Wilde com o par formado entre o escritor e o seu “pupilo”, ficou o pai do rapaz, o Marquês de Queensberry, que investe, então, contra eles. Num dia de fevereiro de 1895, não encontrando o amante do filho, depois de procurá-lo, faz-lhe chegar à mão um cartão: “A Oscar Wilde, afetado sodomita”.
Bosie, levado por repentes nervosos, aconselha Oscar Wilde a processar, por calúnia, o seu pai. É um mau conselho e Robert Moss mostra a Oscar Wilde o quanto é temerário levar o homossexualismo aos tribunais. Tais ponderações, que antecederam a decisão de Oscar Wilde de processar o Marquês de Queensberry no cinema, não vieram apenas de Robert Moss. Muitos outros amigos de Oscar Wilde pediram para que ele rasgasse o cartão do “sogro”, e esquecesse o processo. Sabiam eles, mas parece que Oscar Wilde não, que a polícia Londrina vigiava e fichava todos os suspeitos de homossexualismo; nada fazia contra eles que, até então, eram tolerados. Diz-se que, na época, quarenta mil pessoas eram vigiadas, só em Londres, pela Scotland Yard, e a maioria delas era homossexual. Seria arriscado desafiar as convenções da sociedade vitoriana, ainda mais com um processo em cima de um inimigo poderoso.
O próprio Bernard Shaw – fato não muito divulgado – tentou levar Oscar Wilde para o caminho da razão; advertiu-o que a sua derrota no processo também significaria um retrocesso na cena artística: o moralismo vitoriano recrudesceria, a censura se faria presente, sem contar a perda da liberdade relativa em que os homossexuais viviam, até então.
Com ouvidos apenas para as palavras do amante, Oscar Wilde foi em frente e processou o Marquês de Queensberry. Nós acreditamos que também o seu amor pelas gambiarras, a sua atração por um público pronto a aplaudir as suas tiradas inteligentes, mesmo sendo um público de tribunal, o levaram a esse princípio do fim.
Como fora previsto pelos amigos mais lúcidos, Oscar Wilde de acusador passou a réu e os detalhes da sua vida dupla, colhidos pela polícia, apareceram.
Foi condenado por práticas homossexuais a dois anos de cadeia. Seus livros logo desaparecem das livrarias e as suas peças são retiradas de cartaz. Seus bens são leiloados para pagar as custas do processo e seus filhos são tirados da sua tutela.
O filme, que mostrara até o julgamento as madeixas fartas do ator Stephen Fry, caracterizando como dândi o requintado Oscar Wilde, mostra seus cabelos cortados, talvez por causa dos piolhos, dele já prisioneiro, comendo, então, num prato de metal ordinário. Muitas décadas depois foi reabilitado e um livro escrito por um dos seus dois filhos contribuiu para isso.
Essa fita de 1997 termina com um pensamento do escritor: “Neste mundo há somente duas tragédias; uma é não conseguir o que se quer, a outra é consegui-lo”.
Nós preferimos outro pensamento de Oscar Wilde para encerrar estas páginas:
- “Que sorte tem os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis pelos quais não têm a menor propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos.”
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