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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5364FF Data: 26 de dezembro de 2019
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A VIDA É UM CADARÇO
Meu cadarço está invariavelmente desamarrado. Estou sempre abaixando para amarrá-lo e nesse curto intervalo de tempo em que dou o nó penso: minha vida é um cadarço desamarrado.
Por mais que eu tente, capriche, mude as técnicas, a postura, o jeito, ele vai desamarrar. Desamarrado ele me fará tropeçar; E assim caminho e tropeço, abaixo e penso, mas todo dia sei que terei de amarrar meu cadarço.
O cadarço é como a vida. Algumas pessoas, nas quais me incluo, estão sempre tentando dar o nó definitivo. Aquele que não desatará. Que não o fará mais abaixar, repensar e rememorar. Outras pessoas caminham longos períodos com os mesmos nós. Suas vidas são sem percalços, uma função linear com poucas curvaturas. Existem ainda as pessoas que nem cadarço tem. Não querem emoções, alegrias ou tristezas. Querem o óbvio. Não querem iguarias, surpresas ou imprevistos. Querem o gosto conhecido. Uma maneira de viver morrendo ou de morrer vivendo.
Olho para meu cadarço com rabo de olho. Feio, lambuzado, com marcas, nós mal dados e pedaços faltando. Estou sempre num abaixar e levantar. Até o dia em que não levantarei mais. Cansarei disso. Deixarei assim, como aquelas doenças que não tratamos. Um dia ela aumenta, evolui e nos mata. Farei assim, não mais o amarrarei. Chega de decepções e de tropeços. Meu nó nunca será perfeito, pois a vida é imperfeita demais. Se eu souber que está desamarrado, tudo será mais fácil. Acabarei com o imprevisível.
É ele que nos mata. Vou para a turma dos sem cadarço. Não mais me curvarei, pois abaixar pressupõe poder levantar.
Tomo essa decisão amarrando meu cadarço. Desvio meu olhar e meus olhos vão ao encontro de uma criança. Reparo em seus pequeninos tênis também desamarrados e no sorriso do seu rosto. Ela tenta amarrar de forma atabalhoada e sorri para mim. Eu retribuo, olho para o cadarço e penso. Ainda posso levantar mais vezes.
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