O BISCOITO
MOLHADO
Edição 5361 SX Data: 07 de maio de
2018
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXV
AGILDINHO
Na década de 1960, então intrépido e corajoso, eu era um
frequentador assíduo do Maracanã.
Na companhia de Nelson Goyanna de Carvalho, colega de Santo Inácio,
também tricolor de coração, embarcava no 438 - Barão de Drummond - Leblon,
a tempo de assistir à partida de aspirantes. Eu e meu amigo atentos à
proficiência dos jovens que iriam envergar, num futuro próximo, a gloriosa
camisa do time principal do Fluminense.
O mastro da bandeira tricolor empunhada pelo Goyanna era quase do
tamanho do 438. Entrar no coletivo carregando o artefato, especialmente nas
ocasiões em que o "busão" estava tomado por maioria esmagadora de
torcedores do Flamengo, demandava doses monumentais de diplomacia. Disso
ele se desincumbia com talento invulgar. E chegávamos vivos ao Maracanã, o que
não aconteceria nos dias de hoje.
Reiterávamos nosso destemor bebendo uma impublicável laranjada que
era vendida no portão principal do estádio. E testávamos nossa imortalidade
consumindo, já acomodados na arquibancada, sacos de batata frita que pingavam
gordura a ponto de molhar nossos sapatos.
Eram muitas as motivações que nos atraiam ao Maracanã. Entre elas,
Victório Gutemberg, o locutor oficial do estádio. Suas informações, envolvendo
escalações e substituições de jogadores, eram sempre precedidas pelo brado
"SUDERJ informa!". Durante 42 anos, ele trabalhou no Maracanã, até
falecer, em 2004. Não tenho certeza, penso que também trabalhava na Rádio Tupi.
Morreu pobre, no pequeno apartamento de uma filha, no centro da cidade.
Volta e meia penso no Victório Gutemberg. Não mais no locutor que
gritava a plenos pulmões "SUDERJ informa! No Fluminense, sai Evaldo e
entra Ubiraci! No Flamengo, sai Airton e entra Paulo Chôco!" Hoje, imagino
ouvir aquele vozeirão anunciando perdas que tornam nossa vida mais vazia e
triste.
O que acaba de acontecer quando tomo conhecimento da morte de
Agildo Ribeiro. No Brasil, medíocre e mal resolvido da atualidade, me vem à
mente o Gutemberg gritando "SUDERJ informa! No time do bom humor e do
talento, sai Agildo Ribeiro. E não entra ninguém!"
Agildo da Gama Barata Ribeiro Filho era meu primo. Primo distante.
Neto de Atanagildo Barata Ribeiro, primeiro tenente da Armada Imperial e
Engenheiro Construtor Naval. Tendo participado da Revolta da Armada, em 1893,
escreveu na prisão o livro "Sonho do Cárcere". Atanagildo era irmão
de meu tataravô Cândido Barata Ribeiro, o da rua, primeiro prefeito do Distrito
Federal. Como mencionei em crônica recente, os dois irmãos, vindos da Bahia,
foram acolhidos pelos monges do Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro.
Atanagildo era pai de cinco filhos, quando enviuvou. Voltou a se
casar e teve mais dois filhos. Um deles, o Capitão Agildo Barata,
revolucionário de 30 e 32, um dos líderes da Intentona Comunista de 1935.
Agildo Ribeiro, o genial comediante, foi seu único filho.
Não havia muita proximidade entre esses dois ramos dos Barata
Ribeiro. Minha família era conservadora. Paulo Fortes, udenista ferrenho,
admirava o Brigadeiro Eduardo Gomes, Juarez Távora, Carlos Lacerda e por
aí vai. Pouco se falava em minha casa do primo Agildo Barata, comunista
de carteirinha. Em seu favor, vale ressaltar, todos destacavam sua
reconhecida valentia, honestidade e firmeza de propósitos.
Do primo Agildinho tinha notícias esparsas através de meu pai, que
com ele cruzava com alguma frequência na Rede Globo. Somente em duas ocasiões
tive oportunidade de encontrá-lo. Era muito garoto quando fui com meu pai
assistir "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Agildo era
a estrela maior do espetáculo e dava um verdadeiro show. Meu pai me
conduziu ao camarim do astro, que foi muito carinhoso comigo.
Numa outra ocasião, anos mais tarde, diversos membros da família
Barata Ribeiro compareceram a uma solenidade na Associação Brasileira de
Imprensa, promovida em homenagem ao nosso antepassado Cipriano José Barata de
Almeida. Cipriano foi médico, político e revolucionário combativo, que lutou
pela independência do Brasil. Na ótica da ABI, foi acima de tudo um jornalista
destemido, editor do sempre combativo jornal "A Sentinela da
Liberdade", especializado na arte de atazanar a vida da côrte portuguesa.
Agildo compareceu à reunião. Sentou-se ao lado de meu pai, me viu e
indagou: "Seu filho, não é, Paulo?" "Sim, meu filho,
lembra-se dele?" "Lembro, do teatro. Mas nem precisava. Tem cara de
tarado, como todo Barata Ribeiro..."
Anos mais tarde, tomei conhecimento de um fato que me surpreendeu.
Agildo Ribeiro era muito amigo de Antonio Carreira, Presidente da Elevadores
INDUCO, pai de meus amigos do Santo Inácio Sergio e Gustavo Carreira. Em 1949,
o jovem Antonio, tenente do Exército, colaborava com seu sogro, Leopoldo
Augusto da Silveira Franca, na administração de um teatro de sua propriedade, o
"Follies", que estava instalado no térreo do Edifício Safira, na
Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Ali, viria a conhecer Agildo Ribeiro,
Daniel Filho e vários outros artistas de renome, uma amizade que perduraria por
muitos e muitos anos.
Finalizo com uma história Agildiana que me fez morrer de rir.
Agildo, convidado a se retirar do Colégio Militar, chegou à conclusão de que
estava destinado à carreira artística. Sempre cercado de gente que morria de
rir de suas piadas e, especialmente, de suas imitações. Não ganhava nada
com isso. O objetivo a ser perseguido, então, deveria ser o de transformar
aquela evidente vocação em dinheiro.
O começo não foi fácil. Durante algum tempo, atuou como
"boy" em peças no teatro de revista. Rapazes que dançavam e faziam
alguns salamaleques, sem grandes compromissos, no fundo do palco. O próprio
Agildo reconhece que dançava muito mal. Por conta disso, era alvo de gracejos
por parte da plateia. Ouvia, com frequência, observações maldosas do tipo:
"Olha lá como aquele viado dança mal! Aquela bicha não leva o menor
jeito!"
Isso perturbava nosso herói, que enfrentava, em casa, marcação
cerrada do feroz Capitão Agildo Barata. Resolveu, então, tomar uma
providência. Deixou crescer um gigantesco bigode. Inquestionável acessório de
um machão empedernido.
Não deu certo. Aos berros, passou a ser saudado pela plateia com
novas imprecações: "Olha lá como dança mal aquele viado bigodudo!"
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO comentário era:
ResponderExcluirCadê o Biscoito?
Cadê o Milfont?
Cadê o Sérgio?
Animus, gente!
Fraterno abraço.
Saiu truncado.
Vou correr atrás do prejuízo, Elvira !
ResponderExcluirMe aguarde...
Dentre os sites de Literatura que frequento este é um dos meus preferidos. Fico triste pelas ausências. Felizmente, encontro o Biscoito no Saudades.
ResponderExcluirBelíssimo comentário, o de hoje, sobre a Igreja de Santa Rita.
Publico, com as necessárias vênias, para os milhares de leitores do Biscoito Molhado.
"Ler o comentário do Barão, para mim, inédito, foi ganhar o dia. Não que já estivesse perdido, tão cedo, mas passarei duas quartas-feiras no lugar de uma. E, ainda por cima de feridas, rosas congeladas e corpos incorruptos (o que comprei sem saber o que possa ser) trás História para o leitor.
Como será a casca de uma ferida pútrida (argh)?
Trabalhei no entorno da Igreja de Santa Rita quase toda a vida - tirando uns 5 anos de Manaus e Niteroi - fosse na Rio Branco, ou na própria quadra da Miguel Couto. Almocei inúmeras sextas-feiras no simpático João de Barro, mais vizinho da Igreja impossível, ora entrando pela Inhaúma, ora pela Teófilo.
O Criador, em Sua sabedoria infinita, permitiu que ficasse sempre no entorno.
Obrigado por este fabuloso dia."
Mamãe falava sempre a palavra incorrupto quando falava dos santos mártires o que significava que eles não sofriam a corrupção ou melhor degradação, putrefação do corpo. A palavra mudou seu sentido. rs
Lembra dos Irmãos Karamazov? O povo russo aguardando a cor da fumaça? Benditos escritores russos lidos na adolescência.
Seus comentários, belos, sensatos, sem extremismos, sem críticas ferozes engrandecem o Saudades.