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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5262SX Data: 04 de fevereiro de 2016
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII
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GODOFREDO FORMENTI
Morreu Godofredo Formenti, o “Godô”.
Li no obituário de “O Globo”, na edição de 26 de janeiro. Tomei conhecimento
também, poucos dias depois, do falecimento de Luiz Felipe Lampreia, um grande
diplomata.
São perdas que se acumulam.
Partem figuras sérias, interessantes e aqui permanece, em plantão irremovível,
uma legião de vagabundos, ladrões e iletrados que infelicita o país com
persistência exemplar. Aquartelados, majoritariamente, em Brasília e no ABC
paulista.
Godofredo Formenti foi um
premiado arquiteto. Viveu 93 anos, curtindo intensamente o bairro do Leblon, uma
de suas mais fortes paixões. Sua história começa a ser contada com seu avô, o
italiano Cesare Formenti. Cesare chegou ao Rio de Janeiro em 1910. Fazia
parte de sua família o filho Gastão, nascido em Guaratinguetá em junho de 1894.
Cantor lírico amador, Cesare
Formenti foi um excepcional criador de vitrais e mosaicos. Com a ajuda de Gastão,
produziu obras maravilhosas. Contratada pelo arquiteto Archimedes Memória, a
dupla se superou na sede do Jockey Clube Brasileiro e no Palácio Tiradentes.
Sua arte valorizou dezenas de prédios públicos, palacetes e igrejas, com
destaque para o Clube Naval, Instituto Osvaldo Cruz, Centro Cultural da Justiça
e igrejas do Colégio Santo Inácio e dos Capuchinhos.
O ano de 1927 encontra Gastão
Formenti voltado para outra atividade em que alcançou sucesso imediato. Reconhecido
como grande pintor, excepcional paisagista, ele abraça a carreira de cantor. Os
estudiosos consideram que ele foi o primeiro beneficiário de evoluções
importantes ocorridas na indústria fonográfica.
Novos
métodos de gravação permitiram que timbres mais suaves fossem suficientes para “ferir”
o acetato. Vozes portentosas, como a de Vicente Celestino, deixavam de ser um
requisito.
A trajetória do cantor Gastão
Formenti transcorreu de forma meteórica. Em 1927 aconteceu sua primeira gravação
para a Odeon. Ao lado de Carmen Miranda, foi o primeiro cantor a assinar
contrato com uma estação de rádio, a Mayrink Veiga, em 1930. Tudo que gravava
alcançava grande sucesso. Foi o que aconteceu com “Ontem ao luar” (Catulo da
Paixão Cearense e Pedro de Alcântara), "Casa de Caboclo" (Heckel
Tavares e Luís Peixoto ) e " Maringá " (Heckel Tavares).
Gravou 153 discos de 78 rotações.
No total, 299 músicas. Chegada a década de 40, Gastão Formenti passa a se
dedicar mais intensamente à pintura. Em certa ocasião, uma senhorinha indagou:
- Quer
dizer, Sr. Formenti, que o senhor pinta quadros, além de cantar?
A
resposta veio rápida:
- Não é
bem assim, minha senhora. Eu sou um pintor que também canta...
No seu excelente livro “Paulo
Fortes - um brasileiro na ópera”, Rogério Barbosa Lima registra a amizade de Gastão
Formenti com o engenheiro Auto Barata Fortes, pai de Paulo Fortes. Frequentava
a casa do Dr. Barata, muitas vezes para participar de imperdíveis saraus.
Nessas ocasiões incentivava o garoto Paulo a cantar. O barítono se recorda:
-... ele elogiava minha voz e meu
modo de cantar. Chegou a me ensinar algumas músicas....
Muitos anos depois, Paulo Fortes,
já ostentando o status de primeiro barítono do Teatro Municipal, atravessa a
Galeria dos Empregados do Comércio, no centro do Rio de Janeiro. Em sua direção
caminham Gastão Formenti e Silvio Vieira. Este último também um importante
barítono, antecessor de Paulo Fortes nas temporadas do Teatro Municipal.
Tremendo gozador, Silvio ordena:
- Imita o Formenti, Paulo! Imita
o Formenti!
Reconhecido por seu talento de
imitador, especializado em Beniamino Gigli e Tito Schipa, Paulo resiste:
- Aqui não,
Silvio... Aqui não...
Silvio Vieira não aceita os
argumentos de Paulo. O máximo que concede é transferir a performance para o
interior de uma loja. Vencido pela teimosia do oponente, Paulo imita Gastão
Formenti cantando “Maringá”. A galeria botou gente pelo ladrão...
Pretendi homenagear Godofredo
Formenti, mas até aqui meus escritos só mencionaram seu avô Cesare, e seu pai
famoso, Gastão Formenti. Na realidade, foram apenas duas as ocasiões em que
encontrei o “Godô”.
Uma delas, no café da Livraria
Argumento, no Leblon, quando Rogério Barbosa Lima me apresentou a primeira
versão da biografia de meu pai. Na segunda, quando caminhava pelo Leblon na
companhia de Paulo Fortes e eles se cumprimentaram. Na ocasião fui devidamente
informado sobre a importância da árvore genealógica daquela simpática figura.
Minha homenagem ao “Godô”, que
ora retomo, se prende a uma circunstância muito especial. Godofredo Formenti,
nos anos 50 e 60, foi goleiro do Grêmio, o time de futebol de praia do Leblon
pelo qual eu torcia freneticamente.
Falo de futebol de praia de
verdade. Onze contra onze. Não a coisa ridícula em que esse esporte veio a
se transformar. Falo do futebol de praia em que pontificaram jogadores
incríveis, do porte de Raphael de Almeida Magalhães, Paulo Tovar, Geraldo “Mãozinha”,
Santoro, Ronaldo, Ricardo e Rogério Barbosa Lima, Gugu, Lula, Zé Brito...
A versão moderna do futebol de
praia, lamentavelmente incensada pelo craque Junior, da seleção brasileira e
que, em passado mais remoto, defendeu as cores do Juventus, do Posto 3, é um
jogo ridículo. Integra o FEBEAPÁ (*) de Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta,
por sinal também ele um craque da praia.
Da mesma maneira que os locutores
esportivos não falam mais em passe, preferindo elogiar quem comete uma “assistência”;
que o "Big Brother" bate recordes de audiência; ou que analfabetos
fazem fortuna proferindo palestras para empresários idiotizados, esse futebol
de praia "de mesa” ocupa, também, lugar de destaque no acervo
avassalador de bobagens que empolga nos dias de hoje a rafameia verde e
amarela.
Tenho para mim que nesse momento
o “Godô”, craque do Santo Inácio nos ano 30, já está tendo uma boa conversa com
Raphael de Almeida Magalhães, outro expoente do ludopédio inaciano (**).
(*) Fervoroso
adepto do estilo Rosa Griecco, o redator do seu O BISCOITO MOLHADO introduz na
sua elaborada prosa, palavras que poderão passar como codificadas por quem não
tenha um Google à mão. Daí, cabe ressaltar que, sobre FEBEAPÁ, melhor do que
definir, é copiar:
FEBEAPÁ -
Festival de Besteiras que Assola o País
tinha como característica simular as notas jornalísticas, parecendo noticiário
sério. Era uma forma de criticar a repressão militar já presente nos
primeiros Atos Institucionais (que tinham a sugestiva
sigla de AI). Um deles noticiou a decisão da ditadura
militar de mandar prender o autor grego Sófocles,
que morreu há séculos, por causa do conteúdo subversivo de uma peça encenada na
ocasião.
No ar cibernético, mais um e-vento campeão de audiência do SX.
ResponderExcluirO e-lemento SX é de elevado conhecimento e baixa periculosidade. Cada vez menor, está se tornado até afável.
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